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Sancionada lei que obriga planos de saúde a cobrirem tratamentos fora do rol da ANS

postado Assessoria

Com a mudança, usuários vão poder pedir tratamentos fora da lista da agência

O presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou nesta quarta-feira (21) o projeto de lei que obriga os planos de saúde a arcarem com tratamentos que não estejam na lista de referência básica da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).

A proposta coloca fim ao chamado rol taxativo da ANS. E restabelece, assim, o rol exemplificativo ao determinar que a lista de procedimentos da agência serve apenas como referência para os planos de saúde —e não significa que os itens que constam no documento são os únicos que devem ser cobertos.

Por isso, os beneficiários dos planos poderão requerer a cobertura dos tratamentos que não estejam na lista. É necessário apenas que haja comprovação científica ou que o tratamento seja reconhecido por alguma agência estrangeira.

O Congresso Nacional concluiu no fim de agosto a tramitação do projeto de lei que colocou fim ao rol taxativo da ANS. A iniciativa legislativa veio como resposta à decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que em junho determinou que os planos de saúde não seriam obrigados a cobrir tratamentos fora da lista da agência.

O setor de saúde suplementar já esperava a sanção do presidente, pois avaliava que se tratava de uma decisão política e que eventual veto ganharia grande destaque a duas semanas das eleições. Nas últimas semanas, o ministro Marcelo Queiroga (Saúde) já vinha afirmando a interlocutores que não recomendaria o veto ao chefe do Executivo.

A posição representa uma mudança de postura do titular da pasta. Em sessão de debates no Senado, antes da votação na Casa, Queiroga havia criticado o projeto, argumentando que a aprovação teria um grande impacto no setor.

“Na hora de se optar por ter mais procedimentos, mais medicamentos no rol, seguramente vêm atrelados custos que serão repassados para os beneficiários. E parte deles não terá condições de arcar com esses custos. Essa é a realidade,” afirmou o ministro, na ocasião.

“Para mim era muito mais fácil chegar aqui e defender um rol exemplificativo e amplo, mas incumbe ao ministro da Saúde alertar os senhores senadores, que vão analisar essa proposta, sobre quais são as maneiras mais adequadas para prover saúde não só como um direito de todos e um dever do Estado, mas também no âmbito dos planos de saúde privados”, completou.

O relator da proposta no Senado, Romário (PL-RJ), comemorou em suas redes sociais a sanção do projeto de lei.

“Isso significa que milhões de pessoas voltarão a ter seus tratamentos, terapias e medicamentos custeados pelos seus planos de saúde. É uma vitória em prol da VIDA!”, escreveu o parlamentar. “Fomos chantageados e ameaçados, mas a vida é um direito inegociável. Conseguimos!!! Contem sempre comigo!”, completou.

O projeto também altera a lei que trata de planos de saúde (Lei de Planos) para determinar que as operadoras sejam submetidas ao Código de Defesa do Consumidor, o que não acontece hoje.

A Secretaria Geral da Presidência não informou se houve vetos à proposta até a publicação dessa reportagem. O ato deve ser publicado no Diário Oficial da União.

REPERCUSSÃO

Crítica ferrenha do rol exemplificativo, a Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde) afirma que a lei pode levar o setor ao colapso e lamenta “a falta de um debate técnico mais aprofundado”.

“[A lei] obriga os planos de saúde a cobrirem terapias, procedimentos e medicamentos que não foram incorporados em nenhum país do mundo, o que trará sérios riscos à segurança dos pacientes e pode levar o setor de saúde brasileiro, privado e público, a um colapso sistêmico”, diz a nota enviada pela entidade.

“Da forma como foi aprovada a lei, os planos de saúde no Brasil terão que fornecer ou cobrir terapias, procedimentos e medicamentos sem qualquer comprovação de segurança na sua utilização; e que não foram incorporados em nenhum país do mundo —o que deixará brasileiros expostos a sérios riscos de segurança social”, acrescenta a Abramge. “Corremos o risco de que medicamentos e outras tecnologias sejam testados pela primeira vez nos beneficiários de planos de saúde.”

A FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar) também lamenta que a lista da ANS seja classificada como rol exemplificativo e diz que avalia recorrer à Justiça.

“A mudança coloca o Brasil na contramão das melhores práticas mundiais de avaliação de incorporação de medicamentos e procedimentos em saúde, dificulta a adequada precificação dos planos e compromete a previsibilidade de despesas assistenciais, podendo ocasionar alta nos preços das mensalidades e expulsão em massa dos beneficiários da saúde suplementar”, diz a FenaSaúde, em nota.

Em nota à Folha, a ANS demonstrou preocupação com a segurança dos usuários da saúde suplementar. “A cobertura de procedimentos e eventos em saúde que não tiverem passado pela ampla e criteriosa análise da reguladora constitui risco aos pacientes, pois deixa de levar em consideração diversos critérios avaliados durante o processo de incorporação de tecnologias em saúde, tais como: segurança, eficácia, acurácia, efetividade, custoefetividade e impacto orçamentário, além da disponibilidade de rede prestadora e da aprovação pelos conselhos profissionais quanto ao seu uso.”

A agência também ressaltou que o processo de revisão do rol não será alterado. “A agência continuará recebendo e analisando propostas de inclusão via FormRol de forma contínua, com as incorporações podendo acontecer a qualquer momento, e com ampla participação social”, finalizou.

Marcos Roberto Tavares, cirurgião de cabeça e pescoço do Hospital das Clínicas de São Paulo, disse que a Abramge e a FenaSaúde estão equivocadas quando afirmam que qualquer procedimento ou exame terá de ser realizado. Ele enfatiza que pesquisa é uma atividade e utilizar os métodos desenvolvidos em pesquisa é outro.

“O médico não pode fazer um tratamento que vem à sua cabeça, sem ter comprovação científica. Ele tem de fazer o que tem na literatura médica. Pode até ter algum médico maluco que queria fazer um tratamento inovador, mas este precisa ter sido aprovado em pesquisas”, afirma Tavares.

Ele cita o exemplo do que ficou conhecida como “pílula do câncer”, na década de 1990, que era distribuída pelo professor da USP Gilberto Chierice sem a existência de estudos que comprovassem sua eficácia. Após oito meses, uma pesquisa financiada pelo governo do estado de São Paulo foi suspensa por falta de “benefício clínico significativo” para os pacientes.

“O Conselho de Medicina tem de atuar mais forte, para evitar o uso indiscriminado de métodos incomuns. Até o próprio convênio pode ir ao conselho para ver se o tratamento é bioético”, disse ele.

Presidente da Comissão de Direito Médico e de Saúde da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), Juliana Peneda Hasse Tompson de Godoy afirma que, em um primeiro momento, é possível que haja um aumento da judicialização.

“Importante ressaltar que, muito embora tal fato signifique uma vitória para os milhões de beneficiários de planos de saúde no país, é necessário observarmos os impactos decorrentes dessa modificação legislativa, levando em consideração a capacidade financeira das operadoras de planos de saúde e o mutualismo inerente aos contratos de assistência médica”, disse a presidente.

O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), por sua vez, afirma que a sanção sem vetos é uma “vitória indiscutível dos consumidores e das entidades de pacientes, pais e mães de crianças autistas e com paralisia cerebral”.

“Trata-se do coroamento do esforço dessas entidades, e do reconhecimento das autoridades, não apenas da importância do tema, mas da necessidade de orientar o mercado de planos de saúde para a defesa da vida”, afirma Ana Carolina Navarrete, coordenadora do programa de saúde do Idec.

Para a ativista Andrea Werner, mãe de um adolescente diagnosticado com TEA (Transtorno do Espectro Autista), trata-se de uma “vitória histórica”.

“A gente venceu, como disse o senador Randolfe Rodrigues, o lobby mais poderoso de Brasília, e não é todo dia que a gente vence o poder financeiro neste país. É uma vitória histórica para as famílias que estavam perdendo tratamentos, medicamentos e ‘home care'”, disse Werner, citando declaração do parlamentar da Rede no final de agosto, após aprovação do PL no Senado.

Fonte: Folha de São Paulo

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