O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu nesta quinta-feira o julgamento de recursos contra uma decisão da Corte que autorizou revisões de decisões judiciais sobre o pagamento de tributos. Foi mantida a decisão, incluindo a possibilidade de cobrança retroativa. Por outro lado, as empresas enquadradas no caso não precisarão pagar multas. Segundo tributaristas, a conta em impostos a pagar é bilionária e é incalculável, já que a decisão pode ser extrapolada para diversas situações.
O julgamento tem repercussão geral, o que significa que a decisão terá que ser seguida por tribunais de todo o país, mas a questão concreta analisada na ação envolve o pagamento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Um levantamento da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) aponta que há 24 empresas na situação julgada, com R$ 7 bilhões em pagamentos do tributo envolvidos, informou o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, durante a sessão desta quinta-feira. O valor cai para cerca de R$ 6 bilhões com a exclusão das multas, segundo o ministro.
Segundo advogados ouvido pelo GLOBO, pode ser que parte desse valor já tenha sido regularizada pelas empresas, ou seja, não necessariamente tudo isso será pago ao governo após a decisão do STF.
Por outro lado, os valores envolvidos podem ser maiores, já que o entendimento adotado no julgamento pode ser replicado para outros tributos.
Conforme a advogada Maria Clara Morette, sócia do escritório Villemor Amaral Advogados, a decisão do STF é automática. A PGFN e a Receita Federal poderão se debruçar sobre a situação de cada empresa e cobrar o pagamento dos tributos.
E empresas que tenham decisões judiciais definitivas permitindo não pagar tributos deverão ficar atentas e fazer as contas de quanto poderão perder, avaliou Maria Clara.
Decisão de fevereiro de 2023
O caso envolve os chamados “limites da coisa julgada em matéria tributária”. Em fevereiro do ano passado, os ministros decidiram que uma decisão judicial definitiva envolvendo tributos, na qual não haja mais recursos, perde seus efeitos se, posteriormente, há um julgamento em sentido contrário pelo STF.
Assim, ficou definido que um contribuinte que tenha discutido a cobrança de um tributo no Judiciário e ganhou a ação — dessa forma, deixando de pagar o imposto — perde esse direito se, tempos depois, o STF decidir que a cobrança é devida. Dali em diante o contribuinte terá que voltar a pagar o tributo.
Na ação decidida em fevereiro de 2023, a TBM Têxtil e a Braskem questionavam se estavam obrigadas a pagar a CSLL, mesmo tendo decisões judiciais definitivas para não pagar. Os ministros do STF decidiram que a cobrança era devida, para todas as empresas, com ou sem decisões judiciais definitivas. As empresas não só terão que voltar a pagar o tributo, mas também terão que pagar os valores que não foram recolhidos nesse período.
Empresas afetadas
Em nota, a Braskem informou que não será afetada pela decisão. “A Braskem recolhe a contribuição CSL regularmente desde que o Supremo alterou seu entendimento (2007), tendo regularizado via parcelamento/Refis os seus débitos existentes à época. Portanto, esse julgamento não traz para a companhia impacto nem para o passado nem para o futuro”, diz uma nota enviada pela empresa.
O GLOBO tentou contato com a TBM Têxtil, mas não teve sucesso.
Outras empresas que já haviam informado, desde o ano passado, que seriam afetadas são a mineradora Vale e o Grupo Pão de Açúcar, dono de redes de supermercados.
Diante da decisão, a Vale informou que “os efeitos da decisão ainda estão sendo avaliados”. Ainda no ano passado, a companhia informou que tinha cerca de R$ 800 milhões em discussão judicial que seriam afetados pelo caso.
O Grupo Pão de Açúcar informou que “já provisionou o impacto da decisão anunciada em fevereiro de 2023, e que segue acompanhando os desdobramentos do tema”. Isso significa que a empresa separou, no balanço financeiro, os recursos para arcar com os efeitos da decisão do STF. No ano passado, a companhia estimou o valor em R$ 290 milhões.
Reação de tributaristas
Desde o ano passado, a decisão do STF causou a reação de tributaristas e juristas, porque o respeito a decisões judiciais definitivas é considerado um princípio fundamental.
Para as empresas, dá previsibilidade aos negócios. Sem essa garantia, haveria o que os especialistas chamam de “insegurança jurídica”, ou seja, sem saber no que confiar, o setor privado não tem segurança para investir e desenvolver suas atividades.
— A decisão traz instabilidade jurídica porque não há segurança nos processos que se encerraram — disse Maria Clara, do escritório Villemor Amaral Advogados.
Tanto no primeiro julgamento, em fevereiro do ano passado, quanto na apreciação dos recursos, encerrada nesta quinta-feira, os ministros que defenderam a decisão final alegaram que não haveria motivo para insegurança jurídica, porque, em assuntos envolvendo tributos, nem sempre a decisão judicial definitiva prevalece.
Livre concorrência vs. decisão judicial definitiva
Na visão de Thalles Niemeyer, tributarista do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados, a controvérsia sobre a primeira decisão do STF seria menor.
Do ponto de vista do funcionamento da economia e da livre concorrência, aplicar uma decisão constitucional sobre a cobrança de tributos a todos os contribuintes, mesmo àqueles que não estavam pagando por causa decisão judicial, daria “isonomia”, garantindo as mesmas condições a todos os concorrentes. Do contrário, as empresas com decisões judiciais favoráveis sairiam ganhando.
— Há uma dicotomia entre a isonomia concorrencial entre contribuintes que tem ou não tem decisão judicial para não pagar tributo versus a segurança jurídica que uma decisão judicial deveria dar a todos — afirma Niemeyer.
Segundo o advogado, se fosse definida como data de corte fevereiro de 2023, momento em que o STF tomou a primeira decisão, a segurança jurídica estaria mais preservada, pois as decisões judiciais tomadas ao longo de décadas teriam sua validade reconhecida.
Análise em duas partes
A análise dos recursos, terminada nesta quinta-feira, foi dividida em duas partes. Primeiro, os ministros decidiram se a cobrança deveria valer a partir da declaração de constitucionalidade — no caso da CSLL, em 2007 — ou apenas depois do julgamento do STF no ano passado.
Prevaleceu a primeira posição, defendida pelo ministro Barroso. Ele foi acompanhado por Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes. Rosa Weber e André Mendonça. Foram contrários Luiz Fux, Edson Fachin, Dias Toffoli e Nunes Marques.
Em um segundo momento, os ministros analisaram se os contribuintes que deixaram de pagar a CSLL respaldados em decisões judiciais definitivas deveriam ser multados ou não. Mendonça sugeriu que elas não deveriam ser aplicadas, porque os contribuintes que deixaram de pagar teriam agido de boa-fé, amparados pelo Judiciário. Ele foi seguido por Barroso, Marques, Toffoli, Fachin e Fux.
O advogado Luiz Gustavo Bichara, do escritório Bichara Advogados, argumentou nesse sentido no processo, ao se manifestar em nome do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que contribuiu na ação judicial no STF.
O argumento é que, nos casos em que as empresas pararam de pagar tributos com respaldo judicial, fizeram isso legalmente. Portanto, não haveria irregularidade passível de multa.
— Haverá a quebra da coisa julgada , mas ao menos a multa fica afastada — disse Bichara.
Fonte: O Globo
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