O número de ações trabalhistas cujos pedidos iniciais citam o termo “assédio sexual” triplicou no Brasil nos últimos quatro anos, somando 48 mil casos atualmente.
Segundo levantamento da consultoria de jurimetria Data Lawyer feito a pedido da Folha, de 2018 para 2022, o aumento foi de 208%. O número considera somente processos públicos —ou seja, todos aqueles que tramitam ou tramitaram sob segredo de justiça, procedimento comum em ações que tratam de assédio sexual, não entraram nessa conta.
O total de processos trabalhistas que inclui queixas de assédio sexual, portanto, pode ser ainda maior. É na petição inicial que o trabalhador apresenta, por meio de seu advogado, os motivos pelos quais processa aquela empresa.
Somente no ano passado, 6.440 processos contra empregadores tratavam do assunto.
Ao todo, essas 47,6 mil ações em andamento discutem R$ 6,25 bilhões em pagamentos de indenização e de outras verbas trabalhistas, como horas extras não recolhidas e direitos que deixaram de ser cumpridos.
O levantamento (que faz uma espécie de varredura nos diários oficiais da Justiça) não diferencia processos iniciados por homens ou por mulheres.
Na avaliação da advogada Tainã Góis, da Rede Feminina de Juristas, o aumento no número de ações vem de um crescimento de denúncias, mas não necessariamente de casos. Essa alta pode sinalizar, segundo ela, mais segurança em agir por parte daqueles que denunciam.
“Nos últimos anos, a gente tem um avanço da discussão de um direito feminista, um aumento da discussão pública do que não pode acontecer”, afirma.
“Se você tem certeza de que vai ser estigmatizada, de que vai ser desacreditada, você não denuncia. Quando você permite que a mulher fale, quando você discute publicamente essa violência, ela passa a ter mais coragem”, diz.
Ela lembra que, para as mulheres, embora o combate ao assédio sexual seja uma das pautas mais antigas das trabalhadoras, ele nunca foi contemplado na legislação trabalhista e nem na Constituição.
“Não entrou em 1988 [ano da promulgação da Constituição], nem na reforma trabalhista recente, nem nas anteriores. Nunca houve nada especificado sobre o assédio sexual no trabalho.”
A legislação trabalhista não trata especificamente de assédio sexual, não existe uma punição específica ou um conjunto de condutas que possam ser classificadas como tal.
O artigo 483 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), por exemplo, traz a lista de situações em que um trabalhador pode considerar a rescisão do contrato de trabalho e pleitear indenização. Lá estão questões como ofensas à aparência física e lesões à honra.
Em grande parte, as punições na esfera trabalhista vêm da jurisprudência, ou seja, de entendimentos consolidados por juízes, desembargadores e ministros no sentido de reconhecer o assédio como uma violação do contrato de trabalho, passível de punição.
Já o crime de assédio sexual é previsto no artigo 216 do Código Penal, que prevê penas de um a dois anos de detenção. O texto da lei também define a questão do assédio como a tentativa de obter vantagem ou favorecimento sexual perpetrada por um superior hierárquico.
Para advogados, essa delimitação quanto à questão hierárquica é problemática, pois ignora o assédio sexual cometido por colegas, pessoas no mesmo nível funcional em uma companhia.
Tainã Góis, da Rede Feminina de Juristas, destaca ainda que as empresas são diretamente responsáveis pelos casos de assédio e que a vigilância em relação a esses comportamentos deve se estender a todas as dinâmicas entre colegas e superiores, como festas, happy hour e mesmo no transporte.
“Cabe a ela manter um ambiente de trabalho livre de assédio e da opressão. É super importante que as empresas se sintam responsabilizadas a agir.”
Fonte: Folha de S. Paulo
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