Um movimento silencioso e contínuo tem transformado a realidade do mercado de mercado de trabalho brasileiro. Nos últimos anos, a média de idade da população ocupada subiu e se aproxima cada vez mais dos 40 anos, de acordo com um levantamento realizado pela consultoria LCA.
O envelhecimento dos trabalhadores deve se intensificar nos próximos anos, diante de um cenário em que o aumento da população é lento – os dados recentes do Censo mostraram que a taxa média de crescimento populacional é a menor desde o primeiro levantamento feito no País, em 1872. O resultado é um ritmo menor de jovens entrando no mercado de trabalho comparado ao que ocorreu até bem pouco tempo.
“Esse fenômeno é uma boa notícia para o jovem (que terá menos concorrência), mas péssima para a economia”, diz o diretor do FGV Social, Marcelo Neri.
No primeiro trimestre deste ano – último dado disponível -, a idade média da população ocupada chegou a 39,3 anos. Desde que a pesquisa começou a ser realizada, em 2012, esse número só foi maior em junho de 2020, quando o levantamento precisou ser alterado por causa da pandemia de covid-19. O estudo da LCA foi realizado com base nos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, que é apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“As pessoas com menos qualificação saíram da amostra, e, provavelmente, eram as mais novas”, afirma Bruno Imaizumi, economista da consultoria LCA, explicando o número de 2020. “A tendência é a população ocupada continuar envelhecendo, seguindo um pouco essa questão da população geral.”
Outro fator que eleva a média da idade no mercado de trabalho está relacionado às novas visões e propósitos da população, avalia o CEO da 99Hunters, Felipe Mollica. Segundo ele, enquanto a nova geração tem entrado mais tarde no mercado de trabalho por questões pessoais e de carreira, profissionais maduros optam por ficar mais tempo na atividade.
Os novos desafios
O envelhecimento do País e, consequentemente, do mercado de trabalho abrem desafios tanto para o setor público como para o privado.
A expectativa é que a população em idade ativa diminua já a partir da primeira metade da próxima década, antecipando um movimento que estava previsto para o final dos anos 2030.
Para os diferentes níveis de governo, portanto, é ainda mais importante avançar na melhoria da qualidade da educação pública. A economia brasileira já passou pelo bônus demográfico, conseguiu avançar nos anos de escolaridade, mas não viu a população subir nos rankings internacionais que medem a qualidade do ensino.
Agora, sem poder contar com mais mão de obra disponível para ingressar no mercado de trabalho, o crescimento do País ficou ainda mais dependente do aumento da produtividade, que está ligada à melhoria nos níveis de educação.
Marcelo Neri afirma que até hoje nunca faltou mão de obra para o Brasil avançar. “Olhando para trás, primeiro tivemos a escravatura, depois a imigração e, em seguida, o êxodo rural. Agora não temos alternativas.” Pior que isso, diz ele, é que, além de ter de conviver com menos jovens entrando no mercado de trabalho, também há a migração para fora do País, acentuada sobretudo por causa da demanda por profissionais de tecnologia.
Esse envelhecimento no mercado de trabalho tem efeitos diversos na economia e no mercado corporativo. Segundo o economista Fernando Veloso, pesquisador da FGV/Ibre, o lado positivo é que o crescimento da idade junto com a maior experiência contribui para aumentar a produtividade. “Diria que isso vale até a faixa dos 60, 65 anos, que é a faixa internacional em que a pessoa está plenamente no mercado de trabalho. Depois dos 65 anos, há uma queda da produtividade.”
Na opinião dele, essa idade limite pode mudar com o avanço da tecnologia, com benefícios para a saúde e aumento da expectativa de vida da população. “De qualquer forma, é algo que a gente precisa se preocupar já”, diz ele, referindo-se a medidas para adaptar o mercado de trabalho a essa nova realidade. Não acompanhar esse movimento significa manter as baixas taxas de produtividade do Brasil diante do resto do Mundo – hoje o País ocupa a 61ª posição de um total de 64 nações, segundo o Institute for Management Development (IMD).
Qual tem sido o papel das empresas?
Para o mercado corporativo, há alguns desafios importantes nesse novo cenário. Um deles é conseguir criar um ambiente adequado que consiga abrigar quatro gerações. Ao mesmo tempo em que essa situação traz diversidade de ideias, essencial para o crescimento dos negócios, o choque de idades tem exigido que as empresas adotem estratégias e soluções para apaziguar o embate de culturas tão diferentes.
“Hoje, quem tem 60 anos ou 70 anos é saudável. E quer trabalhar, porque entende que o trabalho é uma fonte de saúde física, emocional e social. Mas, do outro lado, você tem algumas empresas que não perceberam essa mudança demográfica e estão muito condicionadas a programas de estágio e trainee”, afirma Pedro Pittella, diretor de Pessoas na Sanofi Brasil.
Atualmente, o porcentual de trabalhadores da Sanofi com mais de 50 anos é de 16% – no País, são 3,2 mil funcionários. Até o fim do ano, a expectativa é aumentar essa representação para 20%. Para chegar lá, a companhia criou um banco de talentos para profissionais com mais de 50 anos e, no início do processo de seleção, passou a omitir a idade dos candidatos.
“A gente conseguiu aumentar a taxa de sucesso dos candidatos com mais de 50 anos eliminando qualquer possível viés do início”, afirma Pittella.
Em busca do ESG
Mais do que lidar com uma quadro irreversível, de que a mão de obra brasileira vai envelhecer, abrir espaço para profissionais com idade superior a 50 anos passou fazer parte das companhias para que elas possam se enquadrar na agenda ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança), um dos quesitos mais importantes no mundo dos negócios.
Nos últimos anos, empresas de diferentes setores criaram programas de contratação destinados a profissionais mais velhos. Em 2016, por exemplo, a PepsiCo lançou o Golden Years, com o objetivo de encontrar trabalhadores com idade acima de 50 anos. Desde então, já foram contratadas 400 pessoas.
“A tendência é de crescimento: só em 2022, houve um aumento de quase 11% nas contratações dessa faixa etária”, afirma Thaisa Thomaz, diretora sênior de talentos na PepsiCo Brasil.
O Banco BMG apostou nos mais velhos para buscar “empatia” com os seus clientes, o aposentado que utiliza o crédito consignado. A companhia optou por abrir um programa para contratar profissionais com mais de 50 para atender esse público em busca de melhorar a qualidade do seu atendimento.
“A gente percebeu que uma parte das pessoas mais jovens, normalmente no primeiro emprego, não tinha a empatia necessária para atender o cliente da forma correta”, afirma Rosana Aguiar, gerente Executiva de ESG do Bmg. “Houve uma melhora substancial na qualidade do atendimento.”
O banco tem 1,4 mil funcionários e, desse total, 9% tem mais de 50 anos – outros 35 trabalhadores integram o grupo que atua no call center. “São pessoas que sabem que é difícil voltar para o mercado de trabalho. Você vê que elas têm um comprometimento grande com a empresa. A conexão que essa geração cria com a empresa é mais forte”, afirma Aguiar.
Nas startups, diz o CEO da 99Hunters, Felipe Mollica, a diversificação geracional tem trazidos bons resultados. Normalmente, elas unem a experiência e equilíbrio dos profissionais maduros com o maior nível de energia dos jovens. Isso traz benefícios para toda a companhia.
Mas não conseguir o equilíbrio entre esses dois mundos pode resultar em prejuízos relevantes para as empresas. Um estudo feito pelas consultorias ASTD Workforce Development e VitalSmarts (hoje Aspectum) mostra que uma a cada três pessoas desperdiçam 5 horas ou mais por semana em conflitos entre colegas de diferentes gerações. Isso significa uma perda de 12% na produtividade do trabalho. Ou seja, é preciso correr para encontrar uma solução.
Fonte: Estadão
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