O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem aumentar os requisitos para casos em que os planos de saúde são obrigados a cobrir procedimentos ou tratamentos fora do rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Trata-se de uma lista periodicamente atualizada com mais de 3 mil serviços médicos, que vão de consultas, exames, cirurgias, tratamentos e terapias que as operadoras necessariamente precisam oferecer aos usuários, mas de acordo com cada tipo de contrato (ambulatorial ou hospitalar, por exemplo).
Por sete votos a quatro, os ministros decidiram pela adoção simultânea de cinco critérios para autorizar os procedimentos. Os ministros analisaram a validade da lei de 2022 que acabou com o rol taxativo da ANS. A legislação foi considerada constitucional, mas foi feita a chamada interpretação conforme à Constituição, que altera parte do seu teor.
Prevaleceu a posição do presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, que propôs cinco critérios, que precisam ser cumpridos de forma cumulativa:
- prescrição por médico ou odontólogo assistente habilitado;
- inexistência de negativa expressa da ANS ou de pendência de análise em proposta de atualização do rol;
- ausência de alternativa terapêutica adequada para a condição do paciente no rol da ANS;
- comprovação de eficácia;
- e segurança do tratamento à luz da medicina, baseada em evidências de alto grau, necessariamente respaldadas por comprovações científicas de alto nível.
Para especialistas, a decisão vai dificultar que usuários acessem tratamentos fora do rol. Para o advogado Caio Henrique Fernandes, especialista em Direito à Saúde do escritório Vilhena Silva, a tese fixada pelos ministros deve se traduzir em um aumento nas negativas pelos planos de saúde.
— Caberá à operadora apresentar as razões que impedem a cobertura. A negativa terá que vir esmiuçada. Por isso, os consumidores vão depender de uma prescrição muito detalhada do médico, que vai precisar apontar as evidências do tratamento prescrito, as justificativas que demonstrem que não existe uma alternativa no rol ou que, se existe, que não é eficaz para aquele paciente. Tudo precisará ser muito justificado. O médico vai ser o maior aliado dos beneficiários — diz.
O que muda no dia a dia?
Segundo Caio Henrique Fernandes, advogado especialista em Direito à Saúde do escritório Vilhena Silva, com as mudanças determinadas pelo STF, os consumidores vão depender de uma prescrição muito detalhada do médico. Veja mais abaixo perguntas e respostas.
Para as operadoras, a decisão do STF não vai limitar o acesso à saúde, mas disciplinar a incorporação de novas tecnologias na cobertura obrigatória dos convênios. Gustavo Ribeiro, presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), que representa a maior parte das empresas da área, argumenta que a lei que tornou o rol exemplificativo, em 2022, pressionou o setor.
Antes de 2022, o rol da ANS era taxativo: as operadoras só precisavam oferecer o que constava da lista. Depois disso, ele passou a ser considerado exemplificativo, ou seja, apenas uma referência. E muitos usuários recorreram à Justiça a fim de obter acesso a tratamentos que não constavam na ANS.
Nas contas da entidade, desde então, as operadoras gastaram cerca de R$ 16 bilhões em ações judiciais. Quando se soma a esse montante as despesas com fraudes, as operadoras estimam despesas totais de R$ 25 bilhões. Segundo advogados que atuam no setor, os casos envolvem principalmente usuários tentando garantir acesso a tratamentos e remédios e questionando reajustes excessivos.
Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2022 foram 170.871 novos casos levados aos tribunais, patamar que avançou 77% em 2024, quando 303.143 ações foram abertas. De janeiro a julho deste ano, foram registrados 184.741 processos, 60% do total do ano passado.
Para Ribeiro, esse “aumento descomunal” das ações judiciais deve ser amenizado com as regras determinadas pelo STF, o que pode ter como consequência uma redução nos custos dos planos, mas isso só deve ser sentido no bolso do consumidor “no médio e longo prazo”.
— O que se espera é que os impactos positivos ajudem a reduzir a inflação médica, e isso com certeza vai se reverberar em menos reajustes e preços (das mensalidades) — defende Ribeiro.
Já na visão do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a judicialização não deve ser vista como problema, mas consequência de “barreiras de acesso”.
— Ainda precisamos esperar a publicação da decisão para entender como os entendimentos dos ministros vão ser consolidados, mas o STF fixou critérios mais restritivos para a cobertura dos planos. É uma guinada de entendimento. Claro que é fundamental garantir a sustentabilidade do setor, mas os dados da própria ANS mostram que não há crise sistêmica — analisa Marina Paullelli, coordenadora do Programa de Saúde do Idec.
Papel do Judiciário
Além de fixar cinco critérios para acesso a procedimentos fora do rol da ANS, os ministros do STF definiram regras para a análise pela Justiça da cobertura que não consta da lista, ressaltando que a concessão judicial precisa ser a exceção.
Além dos cinco requisitos, o Poder Judiciário deverá verificar se há prova de que o pedido foi feito ao plano de saúde, com negativa, demora “irrazoável” ou omissão por parte da empresa.
O Judiciário precisará analisar o ato administrativo no qual a ANS decidiu não incorporar o procedimento, e será necessário consultar especialistas, sem decidir apenas com laudo apresentado por parte. Se o pedido for aceito, a ANS deverá ser comunicada, para avaliar a possibilidade de inclusão do tratamento no rol de cobertura obrigatória.
Origem do julgamento
A lei analisada pelo STF foi aprovada como uma resposta do Legislativo à decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que entendeu, em 2022, que o rol seria taxativo e que os planos não seriam obrigados a cobrir serviços que não constam na lista da ANS.
A União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas) questionou no STF a mudança. A entidade alega que os atos normativos desrespeitam o caráter complementar da assistência à saúde exercida pela iniciativa privada, porque estaria exigindo das operadoras mais do que o imposto ao SUS.
Tire suas dúvidas abaixo:
Meu médico recomendou um tratamento que não está no rol. Que cuidados ele deverá tomar para garantir que eu tenha acesso?
Segundo Caio Henrique Fernandes, advogado especialista em Direito à Saúde do escritório Vilhena Silva, com as mudanças determinadas pelo STF, os consumidores vão depender de uma prescrição muito detalhada do médico. A indicação do tratamento, terapia ou procedimento vai precisar apontar evidências de eficácia e justificativas que demonstrem que não existe uma alternativa no rol da ANS ou que, se existe, que não é a mais indicada para aquele paciente, com todos os devidos embasamentos.
Meu médico recomenda um tratamento que é considerado promissor para a doença que enfrento. Existe uma alternativa no rol, mas ele avalia que a eficácia é menor. Terei que aceitar somente o que está na lista da ANS?
Caberá ao médico justificar, no relatório de prescrição, os motivos que o levam a indicar um determinado tratamento ou procedimento diferente de um equivalente que está no rol, segundo Fernandes.
Meu filho foi diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA)/Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), e uma das terapias indicadas pelo médico não tem eficácia comprovada. O plano não vai cobrir?
O médico precisa comprovar que a terapia é eficaz e necessária para o tratamento, explica o advogado.
Fui diagnosticada com uma doença rara, e o medicamento custa milhões de reais. O que muda?
De acordo com Fernandes, nada muda. As negativas não podem ter a ver com o valor do medicamento, mas com o cumprimento dos requisitos impostos. Dessa forma, se o medicamento é registrado na Anvisa para o tratamento em questão, é prescrito por médico habilitado, sem outra alternativa no rol (ou com justificativa para que seja um diferente) e sem pendência ou negativa expressa da ANS, o plano deve autorizar o medicamento. O valor não deve interferir no processo.
Fiz bariátrica e emagreci consideravelmente, ou passei por mastectomia durante tratamento de câncer de mama. Preciso fazer uma cirurgia plástica reparadora, mas o plano não cobre. Muda algo agora?
Segundo o advogado, por muito tempo esses procedimentos de reconstrução só foram cobertos através de decisões liminares da Justiça, mas o Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou entendimento estabelecendo que os planos devem, sim, cobrir cirurgias plásticas de caráter reparador ou funcional.
Por Daniel Gullino e Letícia Lopes
Fonte: O Globo
www.contec.org.br