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Bancos alertaram sobre vendas de ações por ex-diretores da Americanas antes de divulgação de fraude

postado Assessoria

Bancos e corretoras alertaram a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre operações suspeitas de vendas de ações da Americanas por ex-diretores da varejista ocorridas antes da divulgação do rombo bilionário nas contas da empresa, em janeiro de 2023. O Itaú, o Credit Suisse e a XP Investimentos apresentaram indícios de uso de informações privilegiadas (insider trading) nas negociações, segundo consta nos relatórios de investigação.

Procurados, Itaú, XP e UBS BB, que adquiriu as operações do Credit Suisse, informaram que não comentariam o caso. Os ex-diretores negam irregularidades.

O inquérito da Polícia Federal (PF) da Operação Disclosure, que apura o esquema de fraude na empresa, registra que a BSM Supervisão de Mercados, uma entidade autorreguladora do mercado de capitais, comunicou à CVM uma “extensa lista de pessoas que teriam realizado operações de tal natureza”.

Na lista, aparecem pessoas jurídicas e diretores da empresa, segundo o delegado André Augusto Veras de Oliveira, que preside o inquérito policial sobre o caso na Superintendência Regional da Polícia Federal, no Rio. A mais importante das delações à CVM foi feita em 16 de janeiro de 2023 pela Itaú Corretora de Valores S.A., na qual pela primeira vez um banco envolvia diretores da varejista no caso.

Ao todo, o delegado escreveu em seu inquérito que 11 ex-diretores da Americanas venderam R$ 258.929.584,19 em ações da empresa após agosto de 2022, quando foi anunciada a substituição de Miguel Gutierrez, então CEO da empresa, por Sergio Rial, então CEO do Santander.

O caminho que o levou às provas contra a cúpula da empresa começou a se desenhar cinco dias depois do comunicado divulgado ao mercado em 11 de janeiro de 2023, quando Rial revelou ter encontrado inconsistências de R$ 20 bilhões em lançamentos contábeis da varejista.

Era 16 de janeiro de 2023 quando a corretora do Itaú protocolou na CVM um documento com 15 linhas. “Em observância ao art. 33, incisos I e IV, da Resolução CVM nº 35, informar que foram identificados indícios do uso de informações privilegiadas em operações com ações da Americanas S.A (AMER1 e AMER3), realizadas ao longo do ano de 2022 por clientes da Itaú Corretora que são diretores ou ex-diretores da empresa.”

Segundo o inquérito da PF, o documento do Itaú nomeava os ex-diretores. Ele indicava que havia flagrado operações suspeitas feitas por nove diretores. Seis deles (Miguel Gutierrez, Anna Christina Saicali, José Timotheo de Barros, Marcio Cruz Meirelles, Fabio Abrate e Carlos Eduardo Padilha) foram indiciados pela PF por uso de informação privilegiada, um crime que prevê pena de 1 a 5 anos de prisão e multa de até três vezes o montante da vantagem ilícita. A CVM é a autarquia responsável por fiscalizar o mercado de capitais e pode instaurar procedimento administrativo para investigar casos de insider trading.

Além da denúncia encaminhada pelo Itaú, a CVM informou ao delegado ter “recebido um comunicado da XP Investimentos relativo à identificação de operações atípicas, por parte de um de seus clientes, com opções do ativo AMER3 antes da divulgação do fato relevante que impactou significativamente o preço do ativo”. Segundo a apuração da PF, o Credit Suisse, por provocação da XP, foi quem entregou à CVM o histórico de operações atípicas realizadas pela Clave Gestora de Recursos Ltda.

Segundo o delegado no inquérito, as operações realizadas pela “Clave foram objeto de questionamento por parte do setor de compliance da XP, conforme reportado em e-mail enviado à CVM”. De acordo com o relato da XP, as explicações da Clave foram “consideradas insuficientes”. A corretora, fundada por um ex-CEO da Itaú Asset, Rubens Henriques, teria feito uma “alegação genérica de revisão do cenário de mercado”, o que “não foi considerada razoável pela XP”.

A Clave alegou na época que sua decisão de apostar na queda do valor das ações da Americanas era “fruto da revisão do cenário macroeconômico, que passou a ser de manutenção de juros altos e queda da atividade”, e que era um investimento como muitos outros feitos e comuns a uma gestora de ativos.

“Discutimos potencial queda no preço das ações de algumas empresas em situação financeira mais desafiadora. Dentro do setor de varejo, selecionamos algumas candidatas para eventuais posições short (dentre elas a Americanas), e outras também para posições long (por exemplo, a Magalu, que nos parecia estar em situação financeira um pouco mais confortável).”

A operação short consiste na venda de uma ação que o operador não tem, mas é alugada de terceiro. “Diante da perspectiva de que a ação irá cair – essa é a informação relevante no contexto –, o agente aluga as ações e as vende na alta para, posteriormente, ao final do contrato de aluguel, devolver as ações que agora serão adquiridas no mercado após a queda. Em síntese, vende na alta diante da informação que tem e recompra na baixa para devolução ao titular das ações”, descreveu o delegado no pedido de buscas da Operação Diclosure.

A operação long, que pode vir combinada com short, consiste na aquisição de um papel com tendência de alta. “Como se vê na operação atípica realizada, o cerne da justificativa consiste em pretensa perspectiva diferente entre Americanas S/A e outra empresa do varejo, mas sem que haja um lastro concreto a justificar tal distinção de tratamento. Esse fato fica mais claro quando se constata que apenas em janeiro chegou ao conhecimento do mercado o rombo contábil”, escreveu o delegado. Ele concluiu: “Há nessas operações comunicadas indícios de possível Insider Trading (uso de informação privilegiada)”.

Embora citada pelo delegado, a Clave não constou do pedido de buscas da operação, nem foi procurada para esclarecimentos por parte da CVM. Este pedido se limitou a descrever a atuação de 14 ex-diretores da varejista e a pedir buscas em 15 endereços de ex-diretores relacionados ao rombo na rede de varejo. Foi somente depois do Credit Suisse e do Itaú que, no dia 20 de janeiro, a BSM Supervisão de Mercados enviou à CVM um relatório de análise preliminar sobre as pessoas físicas anteriormente informadas.

Após a abertura do Inquérito Policial n° 2023.0078689 para apurar o possível crime de insider trading, a PF pediu à CVM que informasse o valor líquido de vendas de valores mobiliários de 11 ex-diretores das Americanas no período de 1º de janeiro de 2022 até a divulgação do fato relevante, em 11 de janeiro de 2023. Também pediu movimentações posteriores que pudessem ter relação com o caso. Os policiais federais queriam os nomes e as datas das operações.

A CVM apresentou então ao delegado uma planilha com as vendas de ações das Americanas feitas pelos investigados. Os números mostram que Miguel Gutierrez negociou R$ 171.762.614,52 em ações durante todo o ano de 2022. A maior parte, no entanto, ocorreu a partir de julho daquele ano. “Ao ter ciência de que seria trocado no posto de CEO e a descoberta da fraude era iminente, Miguel Gutierrez vendeu R$ 158.552.404,40, em uma movimentação totalmente atípica”. “As vendas foram extremamente intensas entre julho e outubro de 2022, tendo atingido o seu auge em setembro de 2022 (R$ 78.638.958,18)”, escreveu o delegado.

Fonte: Estadão

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