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Bancos estudam como lidar com a aplicação da Lei Magnitsky nas contas de Moraes

Executivos se dividem sobre alcance das restrições, que são debatidas pelos setores jurídico e de compliance; Febraban diz que não vai emitir recomendações

postado Maria Clara

Após a aplicação da Lei Magnitsky ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), os grandes bancos brasileiros estão avaliando como lidar com as sanções financeiras impostas pelo governo dos Estados Unidos ao magistrado. Como é caso inédito no país, há divergências internas sobre o alcance das medidas, debatidas pelos setores jurídico e de compliance.

Um grupo de executivos acredita que instituições financeiras com as quais Moraes têm relação teriam que encerrar o contrato com o ministro, sob pena de os próprios bancos sofrerem punições, já que têm operações nos EUA ou fazem transações com a moeda americana.

Outros dirigentes, no entanto, defendem uma interpretação mais restrita da legislação e entendem que deve ser vedado ao ministro apenas a realização de operações cambiais e investimentos envolvendo dólar, além da emissão de cartões internacionais.

Um representante de um grande banco definiu como “constrangedora” a possibilidade de encerrar relações comerciais com Moraes e afirmou que o caso está sendo discutido com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban). O tema também já chegou à Procuradoria-Geral da República (PGR), que está analisado uma manifestação para que se posicione no sentido de pedir ao STF que impeça os bancos com sede no Brasil de cumprirem as sanções.

Procurada, a Febraban disse que “a todo tempo, se reúne com seus bancos associados sobre temas que possam afetar o setor bancário” mas que, sobre o caso da aplicação da Magnitsky, não cabe à federação “emitir recomendações sobre permissão ou vedação de transações e operações bancárias”.

Quais as restrições da lei?

Além da proibição de entrada nos EUA, a Magnitsky traz outras restrições, como:

  • bloqueio de bens, como imóveis, de pessoas ou organizações que estejam nos Estados Unidos.
  • bloqueio de contas bancárias e investimentos financeiros
  • suspensão de operações que passem pelo sistema bancário dos Estados Unidos
  • bloqueio de ativos dolarizados fora da jurisdição americana e de cartões de crédito internacionais de bandeiras com sede no país, a exemplo de Visa, Mastercard e American Express.

O sistema bancário brasileiro já cumpre, atualmente, decisões derivadas de sanções por meio de acordos internacionais de compliance. Nomes que estejam nessas listas já não conseguem abrir contas em instituições, sem necessidade de ordem judicial.

Além disso, bancos brasileiros já podem, de acordo com a lei, se recusar a abrir uma conta ou manter um cliente, sem obrigação de fundamentar as razões da recusa. O receio nesse caso, porém, é que ordens judiciais do Brasil possam ir no sentido de que a Magnitsky não deva ser cumprida no país. Essa hipótese gera receio de um caminho tortuoso nas duas vias: aplicar a lei americana e ir contra uma eventual decisão do Judiciário; seguir a ordem brasileira e desobedecer a lei americana, o que abre a possibilidade de punições nos EUA.

A folha de pagamentos do STF é de responsabilidade do Banco do Brasil, que tem agências nos Estados Unidos e faz operações de câmbio em dólar. Procurado, o BB disse que “em cumprimento à lei do sigilo bancário, não comenta sobre movimentações financeiras de clientes”.

“Mais razoável é restringir operações em dólar”

Procurador regional da República, professor da Universidade de Brasília e especialista em cooperação internacional, Vladimir Aras avalia que as restrições devem atingir as transações em dólar:

Dentro do Brasil, entendo que as repercussões da lei devem ser limitadas, mas são os oficiais de compliance dos bancos daqui que vão decidir. Os mais cautelosos podem adotar a postura de risco zero em relação a sanções americanas e zerar o relacionamento (com Moraes), mas eu duvido que ocorra. O mais razoável é restringir operações em dólar.

Por enquanto, representantes de instituições financeiras ouvidos pelo GLOBO afirmam que a oferta dos serviços pelos bancos a Moraes continua normal, amparada no entendimento inicial das áreas jurídicas de que as transações no Brasil estariam resguardadas. Mas interlocutores reconhecem que o cenário é dinâmico e que o entendimento pode mudar.

O Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC), ligado ao Tesouro americano, anunciou a aplicação da Lei Magnitsky a Moraes na semana passada por uma suposta atuação arbitrária e supressão da liberdade de expressão do magistrado. A lei foi criada originalmente para sancionar abusadores de direitos humanos, como ditadores, e envolvidos em grandes esquemas de corrupção.

Na visão do criador da Lei Magnitsky, o investidor britânico William Browder, não há como modular o alcance das sanções. Além disso, com base em experiências anteriores, o entendimento em áreas de governança de alguns grandes bancos é que as instituições financeiras deveriam encerrar a relação contratual contra qualquer sancionado pela norma. Caso contrário, podem ser impedidos de fechar operações de câmbio em dólar ou manter agências nos EUA. Alguns interlocutores ponderam que só não estaria claro se os recursos seriam congelados ou se o ministro poderia sacá-los ou transferi-los.

Decisão pelo “menos pior”

A nota em que o Tesouro Americano anunciou a sanção contra Moraes, no entanto, é vaga e sugere que as sanções estão restritas a bens e ativos que estejam nos Estados Unidos ou a movimentações feitas por cidadãos americanos.

“Como resultado da ação de hoje, todos os bens e interesses em bens da pessoa designada ou bloqueada descrita acima que estejam nos Estados Unidos ou em posse ou controle de cidadãos norte-americanos estão bloqueados e devem ser reportados ao OFAC”, diz uma parte do texto.

— As empresas que operam no Brasil e nos EUA provavelmente vão sofrer uma pressão para implementar as sanções da Magnitsky também no Brasil, sob a pena de sofrerem sanções nos EUA. Mas, se aplicarem sanção aqui, podem sofrer punições no Brasil, porque seus contratos aqui são regidos pela lei brasileira. Elas terão, portanto, de decidir pelo menos pior — afirma o advogado Luiz Friggi, especializado em contencioso.

Economista-chefe do ASA e ex-diretor do Banco Central, Fábio Kanczuk avalia que a aplicação da Lei Magnitsky representa uma “ameaça sistêmica incomparável” ao Brasil.

— A lógica da lei implica que qualquer empresa que preste serviços a figuras sancionadas estaria impedida de operar com instituições americanas, o que inclui bancos, companhias aéreas e outras corporações com vínculos internacionais. Isso criaria um paradoxo jurídico entre legislações brasileiras e norte-americanas, podendo levar à exclusão do país do mercado financeiro global — explicou, acrescentando que deve prevalecer o bom senso. — A legislação foi concebida para combater o terrorismo internacional, não para punir autoridades de nações democráticas, e sua aplicação deve ser calibrada para evitar consequências desproporcionais. (Colaborou Geralda Doca)

O que é a Lei Magnitsky?

A Lei Magnitsky prevê uma série de sanções que, na prática, extrapolam as fronteiras dos Estados Unidos e que são decretadas sem necessidade de condenação em processo judicial. A rigor, é uma decisão do Poder Executivo, que pode ou não ser lastreada em informes de autoridades e organismos internacionais.

Sancionada pelo então presidente americano Barack Obama em 2012, a lei foi criada originalmente com o objetivo de punir os responsáveis pelo assassinato do advogado e militante russo Sergei Magnitsky, opositor de Vladimir Putin morto em uma prisão em Moscou em 2009. Em 2016, o escopo da norma foi ampliado para permitir que o governo dos Estados Unidos possa sancionar pessoas pelo mundo que tenham desrespeitado os direitos humanos ou que sejam acusadas de corrupção. Não é necessário, porém, que haja condenação oficial para que as sanções sejam aplicadas.

Quando o bloqueio passa a valer e como é feito?

Não há uma notificação formal do governo americano aos bancos e demais empresas com sede ou conexão com os EUA para iniciarem o bloqueio. As companhias, porém, sabem que devem cumprir a sanção prevista na Magnitsky, sob risco de serem elas próprias punidas com sanções.

Fonte: O Globo

www.contec.org.br

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