A solução negociada pelo governo Lula (PT) com BC (Banco Central) e instituições financeiras para os altos juros cobrados no rotativo do cartão de crédito pode passar por medidas para desincentivar as compras parceladas sem juros. Um dos caminhos sugeridos pelos bancos é a criação de uma tarifa para essa modalidade de pagamento, mas a proposta enfrenta resistência.
Nesse formato, as instituições financeiras viabilizariam a redução dos juros aumentando a tarifa de intercâmbio cobrada dos lojistas pelas transações com cartões. A medida é vista como negativa por pessoas envolvidas na negociação porque os comerciantes se veriam obrigados a aceitar tais condições.
A tarifa de intercâmbio é o percentual pago a cada transação ao emissor do cartão pelo credenciador do estabelecimento comercial, ou seja, por quem aluga as maquininhas para o comerciante. O credenciador repassa o custo da tarifa ao estabelecimento comercial que, por sua vez, transfere a despesa ao consumidor.
A eventual criação de uma tarifa para frear o parcelamento sem juros foi citada pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, na última quinta-feira (10), em sessão especial no Senado Federal. Segundo uma fonte a par das discussões ouvida pela Folha, a própria equipe técnica da autoridade monetária, contudo, não é favorável ao modelo.
Essa não é a única proposta na mesa. Outro modelo sugerido pelos bancos condiciona o parcelamento sem juros ao tipo de bem de consumo –durável, semi ou não durável.
A definição do prazo para cada tipo de produto levaria em consideração a duração média dos parcelamentos que são feitos atualmente. Por exemplo, um eletrodoméstico poderia ser vendido em um maior número de parcelas sem juros do que uma roupa.
No entanto, a viabilidade prática do modelo é considerada complexa. Há questionamentos de como seria feita a separação do pagamento de bens de diferentes categorias nos estabelecimentos, além da expectativa de que a proposta desagrade ao varejo brasileiro.
O parcelamento de compras sem juros no cartão de crédito virou tema de debate no setor financeiro brasileiro depois que grandes bancos apontaram esse segmento como um dos culpados pelas altas taxas de juros do rotativo dos cartões.
As instituições financeiras argumentam nas negociações que, ao limitar o parcelamento sem juros, seria possível reduzir a taxa do rotativo do cartão –a linha de crédito mais cara do mercado.
Em junho, a taxa média de juros cobrada pelos bancos de pessoas físicas no rotativo do cartão foi de 437,3% ao ano, segundo dados do BC.
Uma pessoa envolvida no debate diz, entretanto, que não há comprometimento efetivo dos bancos com a redução desses juros –o que vem travando o avanço das discussões.
Em nota, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) disse que busca uma “solução construtiva que passe por uma transição sem rupturas, que pode incluir o fim do crédito rotativo e um redesenho das compras parceladas no cartão.”
Na quinta (10), Campos Neto afirmou que acabar com o rotativo do cartão de crédito pode ser a solução para os juros altos e para a inadimplência da modalidade.
“A gente tem 90 dias para apresentar uma solução, que está se encaminhando para que não tenha mais rotativo. O crédito vai direto para o parcelamento, que seja com uma taxa ao redor de 9% [ao mês]. Extingue o rotativo, quem não paga o cartão vai direto para o parcelamento ao redor de 9%”, disse.
Membros do governo Lula também se dizem dispostos a acabar com o rotativo. Mas, se antes havia temor de deixar a decisão nas mãos do Congresso, agora há o entendimento de que será inevitável a interferência do Legislativo no assunto.
A discussão ainda está em fase inicial embrionária na Câmara dos Deputados, segundo parlamentares ouvidos pela Folha. Uma proposta para limitar os juros no rotativo do cartão de crédito foi inserida no projeto de lei sobre o Desenrola, programa de renegociação de dívidas da gestão petista.
De autoria do deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA), líder da legenda na Câmara e aliado do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), o projeto determina que o CMN (Conselho Monetário Nacional) irá estabelecer limites para a cobrança desses juros.
“As taxas de juros remuneratórios cobradas na modalidade […] não poderão ser superiores a limites já estipulados para modalidades de crédito com perfil de risco semelhante, a exemplo do que já ocorre com as taxas cobradas sobre o valor utilizado do cheque especial”, diz um dos trechos.
O relator do projeto, deputado Alencar Santana (PT-SP), por outro lado, discute um caminho considerado pelos envolvidos no debate como menos intervencionista, com a possibilidade de as próprias instituições estabelecerem um teto a ser cobrado no rotativo em um determinado prazo.
Caso os bancos não cheguem a um acordo, passaria a vigorar o limite válido para uma modalidade semelhante, como é o caso do cheque especial –que tem um teto de 8% ao mês (151,8% ao ano) e, em junho, teve taxa média anual de 133,6%. A decisão final caberia também ao CMN.
Segundo o presidente do BC, a questão deve avançar nas próximas semanas. No dia 2 de agosto, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) afirmou que a solução para o rotativo sairá em 90 dias.
Fonte: Folha de S. Paulo
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