ara o Bank of America, a economia brasileira crescerá acima do consenso do mercado financeiro neste ano. De novo.
Em 2023, o PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil foi melhor que as projeções e surpreendeu analistas, crescendo 2,9%. Na época, o banco com sede nos Estados Unidos foi um dos primeiros a perceber o ritmo forte, com uma revisão ainda no primeiro semestre.
Para este ano, a previsão da instituição é de uma alta de 2,7%, mais uma vez acima do esperado pelos pares do mercado, cuja mediana é de 2,05% segundo o último Boletim Focus do Banco Central. A previsão do próprio governo, de 2,5%, é ligeiramente menor que a do Bank of America.
Em entrevista à Folha, o chefe de economia para Brasil e estratégia para América Latina, David Beker, reconhece que está na “ponta otimista” do mercado, mas justifica que a capacidade de crescimento brasileiro aumentou, o chamado PIB potencial. Essa estimativa indica o quanto uma economia pode crescer sem gerar inflação, quando todos os recursos estão bem alocados.
Beker defendeu em relatório no fim de abril que uma possível alta do PIB potencial era reflexo de ganhos de produtividade e de uma taxa de desemprego estrutural, que não acelera a inflação, mais baixa.
Esse PIB potencial seria de 2,2%, acima dos 1,7% da última década. Já a taxa de desemprego estrutural seria 7,5%, mesmo patamar registrado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em abril.
As evidências que sustentam a tese seriam os dados melhores que o esperado a cada trimestre desde o fim da pandemia, a inflação em queda e o mercado de trabalho forte.
“A gente entende a fragilidade dessas projeções. Mas uma coisa é certa: o mercado tem sido surpreendido para cima. Não é de hoje, já há vários trimestres”, pondera Beker.
Para o analista, a alta de 0,8% no PIB do primeiro trimestre, divulgada nesta semana, vem em linha com sua previsão para o ano, que segue em 2,7% mesmo com o risco de baixa trazido pela tragédia no Rio Grande do Sul.
Como os dados do PIB desta semana contribuem com a tese de PIB potencial mais alto?
A gente tem estado, sim, mais otimista do que o mercado, não só na visão de curto prazo. Os dados de atividade têm basicamente vindo em linha com o que a gente imaginava. Eu diria até que o mercado continuará sendo pressionado para revisar a atividade. Tinha gente muito cética com a questão do crescimento. Essas pessoas precisam revisar.
Uma coisa que dificulta no curto prazo é a crise do Rio Grande do Sul. É muito difícil ter nesse momento já uma percepção dos impactos. Os dados mensais de produção de maio, ainda por sair, vão mostrar algo. E aí poderíamos calibrar um pouco melhor. De qualquer forma, uma das principais teses nossas é que o crescimento nesse ano é um crescimento mais uniforme, com componente de consumo importante.
Por que o PIB potencial subiu, na sua avaliação?
A gente vê ganhos de produtividade no agronegócio. Isso é claro. Também há ganhos de produtividade nos serviços financeiros. Grandes avanços no setor bancário nos últimos anos. Mas não na indústria e nos serviços de forma geral. Não temos como cravar, porque são mudanças recentes, mas aparentemente a reforma trabalhista teve um impacto em garantir desemprego mais baixo, dando mais flexibilidade. A gente acredita que a taxa de desemprego estrutural (conhecida pela sigla em inglês NAIRU) está mais baixa. Algumas medidas microeconômicas reduziram a burocracia nos últimos anos e a dificuldade de fazer negócios. O governo está bem mais digital.
Eu diria que a grande frustração dos economistas é estimar o PIB potencial. No limite, a gente entende a fragilidade dessas projeções nossas. Mas uma coisa é certa. O mercado tem sido surpreendido para cima. Não é de hoje, já há vários trimestres.
Além do PIB potencial mais alto, o que explicaria esses 2,7%?
Desemprego muito baixo, e também há a recuperação de salário com menos inflação e o ciclo do crédito. Isso faz com que a grande parte do PIB, que é consumo, puxe os dados adiante. Embora o juro continue contracionista, as reduções anteriores têm impacto positivo.
Quais são os reflexos desse PIB potencial maior sobre a política monetária, por exemplo?
Um PIB potencial mais alto não leva necessariamente a um juro neutro mais baixo. Basicamente você está dizendo: essa economia consegue crescer mais, mesmo com juros altos. Então essa “ponte” é um pouco difícil de estimar. O que dá para dizer é que talvez você consiga uma economia menos inflacionária, com crescimento maior e desemprego mais baixo.
No ano passado, um dos principais erros do mercado foi imaginar que a inflação só desaceleraria na hora que você tivesse deterioração do emprego. Óbvio que a inflação de serviços caiu menos do que o índice cheio, mas você teve uma desaceleração com desemprego extremamente baixo. A conclusão é que a economia pode conviver com esse mercado de trabalho forte.
No caso do Rio Grande do Sul, qual é o melhor e o pior cenário, em questão de inflação e PIB?
É uma tragédia, é uma situação extremamente complicada, e tem que dar apoio. Não tenho uma resposta para te dar, uma estimativa. Muitos estão conjecturando valores, mas tem muitos lugares que a água nem sequer baixou. Você pode falar de impactos, mas ainda está muito incerto. Alguns impactos são mais quantificáveis, como o que deve ser visto na produção industrial de maio, mas de forma agregada à economia a gente ainda não tem estimativa. O que sabemos é que trás um risco para baixo na nossa estimativa.
As exportações tiveram força no PIB de 2023. E neste ano, como elas impactarão? No primeiro trimestre, foram estáveis.
Na nossa visão, a demanda externa está robusta e ela deve continuar assim. Vemos alta das commodities, em particular as metálicas. Então isso ajuda nas exportações. No caso do petróleo, aí é mais volátil, tem muita questão geopolítica. Mas a quantidade exportada a partir do aumento de produção da Petrobras e de outras petroleiras vai ser uma pressão positiva. Qual que é a pressão negativa? No limite, se você tem uma atividade mais alta, você importa mais. Então, eu diria que um risco na conta são as importações.
No primeiro trimestre, o PIB mostrou importação em alta. Você acha que esse dado já indica algo do tipo?
Acredito que sim. No curto prazo é negativo para o cálculo do PIB, mas depende do que você está importando para o médio prazo. Se você são bens de capital, como máquina, para crescer mais, ou se você está importando só bens de consumo, aí você está competindo com o local.
O que esses dados reforçam é que a atividade está com um crescimento. E ela está muito além do que o mercado imaginou que estaria.
Como o crescimento deste ano deve ser distribuído entre os setores produtivos?
Esperamos que a indústria ser recupere. Quanto à agricultura, é mais complicado por causa da base extraordinária do ano passado. O setor de serviços vai estar bem por causa do mercado de trabalho, do ganho de salário real e do comportamento do crédito. Então eu diria que a indústria e serviços são o que puxa.
Essa alta produção da agropecuária, que impactou forte nosso PIB de 2023, tem um teto? O quanto a gente ainda consegue contar com ela para crescer?
Eu acho que a gente já está atingindo patamares de produção muito elevados. Simplesmente falando de taxas de crescimento, é difícil continuar com taxas elevadas. Eu acho que o setor pode continuar expandindo, ter ganho de produtividade, expandir a área plantada, etc. Mas, dado o nível de produção que a gente atingiu, as taxas tendem a ser menores. Pode ter crescimento, mas taxas menores. Essa contribuição tende a ser menor, e os outros setores continuarão tendo contribuições robustas, em particular o de serviços.
Como você vê a atividade econômica mundial?
Um dos grandes erros do mercado foi sobre a atividade dos Estados Unidos, que está demorando para desacelerar. Mas todo mundo ainda imagina que os juros em algum momento levarão à desaceleração. Na Europa, o crescimento já é muito fraco, e a China está desacelerando…
Com Estados Unidos fortes, China estável o redor de 5%, e Europa com um crescimento baixo, basicamente você não tem uma grande mudança no agregado global. O interessante é que em 2025 o principal “driver” da aceleração é a Europa. Enquanto isso, Estados Unidos começa a desacelerar. Então, inverte.
O que aconteceu na economia americana nesses últimos dois anos, em que os juros não baixaram tanto a inflação?
Tem várias teses, e aqui estou falando um pouco da visão do Bank of America, mas um dos principais canais de transmissão da política monetária nos Estados Unidos em particular é o setor imobiliário. E embora a gente tenha alta de juros, e o custo da hipoteca subiu, as pessoas não fizeram refinanciamento. Então, ainda estão pagando juros baixos. As pessoas podem retardar essas decisões, mas não até o infinito. Então, esse canal vai começar a impactar.
O outro fator é a dinâmica do setor de serviços. O setor, no pós-pandemia, foi muito forte em todo o mundo. E mais: o mercado acionário americano está muito forte. Então tem uma criação de riqueza acontecendo, que eventualmente pode compensar juros. Embora essa alta esteja concentrada em poucas ações isso está gerando um efeito de riqueza. A gente está projetando uma desaceleração para ano que vem. Só que hoje o Fed ainda não tem a luz verde para cortar.
Qual seria a luz verde?
O Fed tem membros que, aparentemente, entendem que precisamos de três ou quatro meses de dados apontando na direção correta para ter o conforto de cortar. Então, é um pouco essa cabeça que a gente tem. Por isso que estimamos dezembro. Tem um fator aí que são as eleições. Normalmente, os bancos centrais não querem criar notícia em período eleitoral.
Como devem ser as próximas decisões do Banco Central do Brasil?
A gente vê uma pausa depois da próxima decisão, que deve ser um corte de 0,25 ponto. Depois disso, o Fed vai ser um ingrediente muito importante. Na hora que o Fed começa a cortar, na visão do Bank of America, eu acho que isso dá uma luz verde para emergentes cortarem ou retomarem cortes.
A futura transição no Banco Central é um risco para a continuidade desses cortes?
Todo processo de transição gera incerteza. Existe uma apreensão porque o mercado e a sociedade não têm informação de quem vai assumir. Você tem essa incerteza sobre quem vai conduzir num ambiente onde o Banco Central tem que ser vigilante, dado que ainda está tentando fazer um processo de desinflação.
Sem a mudança na meta de superávit, e sem a pressão política sobre o Banco Central, daria para baixar mais os juros no Brasil? Ou o PIB forte, como você prevê, impediria isso?
Na nossa visão, o juro segue bem acima do neutro. Então, a discussão é “faz sentido o juro estar tão acima do neutro ou não?” Se a atividade está mais forte, não dá para cortar tanto.
O Banco Central estima uma taxa neutra real de 4,5%. A gente estima 5,5%. Como a gente já tinha previsões que partiam disso, mesmo antes do último Copom, a Selic já cairia menos que o consenso na nossa visão. Tinha gente falando de Selic em 7% ou 8%.
A gente vê 9%, e apenas em 2025. Em parte porque temos a visão de atividade mais forte sem tanto espaço para cair o juro. Mas ainda tem espaço. A questão fiscal alimenta esse juro neutro mais alto. É um outro fator que impediria mais quedas da Selic.
Qual é a sua avaliação geral da situação fiscal?
A gente precisa de um superávit primário para permitir a estabilização da dívida. A discussão é sempre sobre a velocidade que esse movimento vai acontecer. No ano passado, o mercado estava muito cético com o fiscal e a gente viu a quantidade de medidas que o ministro da Fazenda conseguiu aprovar no Congresso. A gente está na ponta de que vê o governo se esforçando para conseguir as receitas. A nossa expectativa é de leve déficit, mas eles estão muito próximos do cumprimento da meta.
A dúvida vai ser principalmente para 2026. Será que realmente a gente consegue se mover para uma discussão de superávit? Acho que tem surpresa positiva por aí também. No médio prazo, eu estou preocupado, espero que o governo convirja para um superávit mais alto, mas no curto prazo estou menos, e ainda mais quando se compara com outros países.