Em uma sessão histórica, o Congresso Nacional promulgou nesta quarta-feira (20) a reforma tributária que substitui cinco tributos sobre consumo e coloca o Brasil no mapa dos países que adotam um sistema IVA (Imposto sobre Valor Agregado).
A promulgação consolida a aprovação da primeira reforma tributária desde a redemocratização, que colocará fim ao atual sistema de impostos, criado ainda na década de 1960, após cerca de 35 anos de discussão.
A cerimônia contou com a participação do presidente Lula (PT), do vice-presidente da República, Geraldo Alckmin (PSB), do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, além dos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso.
Durante a sua fala, o presidente Lula enalteceu o trabalho conjunto de diferentes correntes do Congresso Nacional, de governistas e oposicionistas, para tentar destravar a pauta. O presidente foi alvo de vaias e aplausos a todo momento, tanto em seu discurso, quando outras autoridades faziam referência a ele.
“Não sei se todos vocês ou todas vocês têm noção da fotografia do dia de hoje. É importante que vocês guardem na memória o 20 de dezembro de 2023, porque todo mundo sabe que todos nós começamos o ano com muita incerteza: incerteza da inflação, incerteza do crescimento”, afirmou.
Na sequência, Lula ainda ressaltou que estava feliz com a reforma no sistema de impostos, mas acrescentou que as mudanças não vão resolver todos os problemas do país.
“Ela certamente não vai resolver todos os problemas, certamente não vai resolver todos os problemas, mas foi a demonstração de que este Congresso Nacional, independentemente da postura política de cada um, independentemente do partido de cada um, toda vez que ele teve que mostrar um compromisso com o povo brasileiro ele mostrou, quando foi desafiado, ele mostrou”, afirmou..
“Este Congresso, com direita ou esquerda, com centro ou qualquer outra coisa, com mulheres e homens, negros e brancos, quer goste ou não o Presidente, é a cara da sociedade brasileira que votou nas eleições de 2022”, completou.
O mandatário ainda concluiu seu discurso agradecendo a Deus, em uma fala que foi vista como um gesto para as bancadas religiosas da Casa.
“Somente o todo-poderoso é capaz de fazer com que um Congresso tão adverso como esse vote, pela primeira vez, uma política tributária para começar a resolver o problema do povo pobre desse país”, afirmou Lula.
Na mesma linha, Rodrigo Pacheco ressaltou o fato de essa ser a primeira reforma no sistema tributário em uma regime democrático.
“A aprovação da reforma tributária representa a força da democracia brasileira”, afirmou o presidente do Senado.
“A proposta representa o último passo, o passo que nos faltava, para que substituíssemos o ‘poder de tributar’, característico dos Estados autoritários, pelo ‘direito de tributar’, que diferencia o Estado democrático moderno”, completou.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, também ressaltou que a proposta aprovada não surgiu de um “ato autoritário do governo”. Foi alvo de grandes articulações e negociações entre os parlamentares, para que chegassem a um texto de consenso.
“Muitos já teriam desistido de tentar aprová-la diante de tantos desafios. Mas quem tem espírito público, como essa Casa, quem se preocupa em preparar o país para o futuro, não desiste nunca”, afirmou.
A sessão desta quarta-feira foi marcada por uma série de vaias por parte da bancada bolsonarista no Congresso Nacional, ao que os governistas respondiam com aplausos.
O presidente da Câmara chegou a cobrar “decoro” dos parlamentares e respeito às autoridades presentes.
“É um dia histórico para esta Casa, histórico para o Congresso Nacional e histórico para o nosso país. Portanto, meus amigos e minhas amigas, vamos guardar nossas convicções para as sessões normais de Plenário, das quais a gente trata com todo respeito”, afirmou Lira.
“Então, se esta Presidência ainda merece por parte dos Deputados toda a consideração depositada e o respeito que tenho a cada um, vamos fazer o máximo possível para nos comportarmos com o máximo de decoro. É um pedido que eu faço humildemente a cada um dos Parlamentares”, completou.
A sessão desta quarta marca ainda o primeiro passo de um longo percurso até a implementação efetiva do novo modelo, que começará em 2026 e será concluída no início de 2033.
A partir de agora, o Executivo terá até 180 dias para enviar os projetos de lei complementar que vão regulamentar a reforma —uma das prioridades do Congresso no próximo ano. Segundo as contas do Ministério da Fazenda, a alíquota-base está estimada em 27,5%.
O governo trabalha com o envio de ao menos três propostas para, entre outros temas, criar o comitê gestor formado por estados e municípios e definir regras e alíquotas dos novos tributos, incluindo regimes específicos de setores que ficarão fora do alcance do IVA.
A aprovação de um novo sistema tributário representa uma vitória do governo Lula, e dá a Pacheco e Lira uma marca emblemática às suas gestões.
Desde o início do ano, Haddad colocou a reforma como um dos pilares da agenda econômica e criou uma secretaria extraordinária voltada ao tema, comandada por Bernard Appy —formulador técnico da versão inicial da PEC 45, uma das bases para a reforma aprovada.
A sessão também teve a participação dos relatores de cada Casa, o deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) e o senador Eduardo Braga (MDB-AM), além do presidente do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), que apresentou a PEC e formalizou a proposta de Appy no Congresso.
A reforma tributária foi aprovada na Câmara em julho por 382 votos a 118, com apoio dos dois grandes blocos da Casa, que juntos reúnem siglas como União Brasil, PSD, MDB, PSDB, PSB, PP e Republicanos, além do bloco governista, que inclui PT, PC do B e PV.
O ex-presidente Jair Bolsonaro tentou barrar a proposta junto aos senadores e garantiu que seu partido, o PL, orientasse contra nas duas Casas. No Senado, o Republicanos, o Novo e parte do Podemos se juntou ao PL para votar contra a PEC.
No Senado, a reforma foi aprovada no mês passado com o placar apertado de 53 a 24 —expondo o clima de tensão que marcou a sessão e ameaçou enterrar a PEC. Na sexta-feira (15), a Câmara validou o texto do Senado por 371 a 121.
A reforma aprovada prevê a fusão de PIS, Cofins e IPI (tributos federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal) em um IVA dual. Uma parcela da alíquota será administrada pelo governo federal por meio da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), e a outra, por estados e municípios pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).
Também será criado um Imposto Seletivo sobre bens e serviços considerados prejudiciais à saúde (como cigarros e bebidas alcoólicas) ou ao ambiente, à exceção dos produzidos na Zona Franca de Manaus.
A implementação dos novos tributos começará em 2026, com uma alíquota teste de 0,9% para a CBS e de 0,1% para o IBS.
Em 2027, PIS e Cofins serão completamente extintos e substituídos pela nova alíquota de referência da CBS. As alíquotas do IPI também seriam zeradas para a entrada em vigor do Imposto Seletivo, com exceção dos bens produzidos na Zona Franca.
A migração dos impostos estaduais e municipais para o novo IBS será mais gradual, dada a necessidade de dar segurança jurídica a benefícios já concedidos sob o atual sistema. Por isso, ICMS e ISS serão totalmente extintos apenas em 2033.
Para vencer a disputa entre os estados, Haddad também precisou abrir os cofres da União e injetar recursos em um fundo para bancar novos incentivos regionais, que alcançarão R$ 60 bilhões a partir de 2043.
Fonte: Folha de S. Paulo
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