O projeto de lei que estende a desoneração da folha de pagamentos até o fim deste ano, aprovado no Senado e aguardado por empresas de 17 setores que mais empregam e municípios de pequeno e médio portes, teve a sua votação na Câmara dos Deputados travada por um alerta vindo do Banco Central (BC). A preocupação tem relação com uma medida que trata dos recursos esquecidos em instituições financeiras privadas e públicas.
Segundo lideranças da Câmara ouvidas pelo Estadão/Broadcast, dúvidas jurídicas sobre esse trecho, uma das compensações para a desoneração neste ano, travaram a votação do texto na Casa.
A expectativa é de que os deputados votem a proposta nesta quarta-feira, 11, quando acaba o prazo dado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para um acordo sobre a desoneração. Caso haja mudanças de mérito, a proposta volta ao Senado, o que esbarraria nesse prazo.
O texto questionado diz que, a partir da data da aprovação do projeto de lei, os correntistas terão 30 dias para reivindicar os recursos. Os saldos que não forem reclamados passarão automaticamente para a União e serão apropriados pelo Tesouro Nacional como receita primária. Os recursos são, portanto, todos de fonte privada, sob custódia das instituições financeiras, e passariam para as mãos do governo.
A novela da reoneração começou no fim do ano passado, quando o Parlamento fez barulho por causa de uma medida provisória (MP) do Executivo que previa o fim do benefício de forma escalonada até 2028, logo após deputados e senadores terem aprovado a prorrogação integral dessa política. O Senado devolveu a MP, gerando estresse entre os Poderes.
Abertamente, o desejo da equipe econômica sempre foi o de que o benefício da desoneração expirasse agora em setembro. Depois da devolução da MP, o governo entrou com uma ação no STF, que determinou a necessidade de compensar a renúncia fiscal e deu um prazo para acordo entre Congresso e Executivo. O Estadão/Broadcast apurou que a avaliação da Fazenda não mudou desde então. Procurados, a Pasta e o BC não quiseram comentar o assunto.
A Fazenda chegou a apresentar alternativas, como a de restringir o uso de créditos tributários do PIS/Cofins para abatimento de outros impostos do contribuinte e colocando fim no ressarcimento em dinheiro do crédito presumido. Pela lei, o governo tem obrigação de encontrar recursos que comportem aumento de despesas, como seria o caso da continuidade da desoneração.
Nada passou pelo crivo do Congresso, no entanto, e outras propostas foram costuradas pelos senadores. Agora, assessores parlamentares se debruçam sobre um rascunho que altera o trecho questionado juridicamente, ao qual o Estadão/Broadcast teve acesso, que deve ser apresentado nesta quarta-feira, 11. Nele, está descrito num dos pontos que, “no caso específico dos chamados ‘Recursos Esquecidos’, conforme o Capítulo VIII do Projeto, entendo que o governo pretende ir além do que seria adequado, ao propor estabelecer em lei a metodologia de compilação das estatísticas fiscais do país”. Os deputados ainda debatem qual parlamentar assinará a emenda.
Em junho, durante viagem à Suíça, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou claro seu apoio à equipe econômica. “Agora a bola não está mais na mão do (ministro da Fazenda, Fernando) Haddad, a bola está na mão do Senado e na mão dos empresários. O Haddad tentou, não aceitaram, agora encontrem uma solução”, recomendou.
Apesar dessa união entre os membros do Executivo, o substitutivo foi apresentado pelo líder do governo no Senado, Jacques Wagner (PT-BA), e as costuras na Câmara estão sendo feitas pelo líder do governo na Casa, José Guimarães (PT-CE). A equipe econômica vem sendo muito cobrada pelo seu bom desempenho na área fiscal e tem se queixado que nem sempre recebe apoio de alas da sociedade quando assuntos como este são pautados.
Se não se chegar a um acordo, haverá reoneração automática da folha de empresas de 17 setores e de municípios com até 156.216 habitantes. Apesar do “calor” do debate, algumas fontes alertaram à reportagem que não se trata necessariamente de uma “pedalada”, termo que ficou conhecido durante o governo Dilma Rousseff e que foi o estopim para seu impeachment. A pedalada trata de descasamentos entre despesas e receitas por não serem computados nos prazos devidos as dívidas e outros pagamentos já de conhecimento do governo, a fim de apresentar uma conta artificialmente mais saudável.
O que é a desoneração da folha
A desoneração da folha de pagamentos foi instituída em 2011 para setores intensivos em mão de obra. Juntos, eles incluem milhares de empresas que empregam 9 milhões de pessoas. A medida substitui a contribuição previdenciária patronal de 20% incidente sobre a folha de salários por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. Ela resulta, na prática, em redução da carga tributária da contribuição previdenciária devida pelas empresas.
Por decisão do Congresso, em votações expressivas, a política de desoneração foi prorrogada até 2027, mas acabou suspensa por uma decisão liminar do STF em ação movida pelo governo federal. A alegação é que o Congresso não previu uma fonte de receitas para bancar o programa e não estimou o impacto do benefício nas contas públicas. O Legislativo, porém, argumenta que medidas foram aprovadas para aumentar as receitas da União e que a estimativa de impacto estava descrita na proposta aprovada. O ministro da Fazenda anunciou, então, um acordo para manter a desoneração em 2024 e negociar uma cobrança gradual a partir do próximo ano.
O cerne da discussão passou a girar em torno das compensações da desoneração da folha de pagamentos. A equipe econômica insiste em uma medida que represente receitas para os próximos anos.
Fonte: Estadão
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