BRASÍLIA – Às vésperas do início do tarifaço de 50% dos Estados Unidos sobre produtos brasileiros, previsto para esta quarta-feira, setores ligados à indústria e ao agronegócio intensificaram conversas com o governo Lula para definir o programa de socorro aos atingidos. Há pedidos por empréstimos subsidiados, redução de impostos e restituição acelerada de créditos acumulados ao longo da cadeia de produção, além de medidas para ajudar na manutenção dos empregos.
Nesta segunda-feira, 4, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin, afirmou, após encontro com associações da agropecuária, que o plano de contingência será divulgado nos próximos dias e irá incorporar, entre outras medidas, linhas de crédito e aumento de compras governamentais, para ajudar a absorver produtos agrícolas e aumentar estoques.
Alckmin também adiantou que houve pedido dos setores para ampliar o programa Reintegra (que devolve crédito tributário acumulado ao longo da cadeia) para médias e grandes empresas.
“O plano de contingência prevê várias medidas, como crédito, pode prever compras governamentais… são várias medidas que devem estar sendo concluídas para serem anunciadas”, afirmou. “A partir de hoje (segunda-feira), as pequenas empresas vão ter 3% de restituição do valor exportado (programa Acredita Exportação, anunciado antes do tarifaço), e o pleito do setor empresarial foi estender (o programa) para as demais empresas prejudicadas na exportação para os EUA”, afirmou Alckmin.
Em entrevista à BandNews, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também afirmou que o plano pode prever, no curto prazo, compras governamentais e linha de crédito subsidiado para os setores mais afetados.
Ao sair do encontro com Alckmin, o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca), Eduardo Lobo, afirmou que o governo apenas ouviu, mais uma vez, as demandas, sem apresentar medidas concretas. Ele entende que o Executivo ainda não entendeu a “urgência” do momento – adiantando, pelo menos, uma linha de crédito emergencial.
“Saímos de uma reunião na qual tínhamos muita expectativa, mas foi um pouco frustrante. Isso porque não vieram as medidas compensatórias que já haviam sido pedidas ao governo. Parece que o governo ainda não entendeu a urgência. Nosso tempo é de uma semana, não de seis meses; estamos em plena safra”, disse.
Segundo Lobo, na reunião, o governo apontou que é preciso que os setores busquem novos mercados, e que terão ajuda para isso.
“Tudo isso leva tempo, e tempo é o que não temos agora. O setor é inteligente, é capaz de se adequar e vai sobreviver, mas é preciso uma linha de crédito emergencial, para que o dinheiro chegue na ponta. Não vamos ficar de braços cruzados em relação a mercados, mas precisamos de um socorro”, afirmou.
Uma das preocupações do Ministério da Fazenda é de que as propostas de socorro sejam bem delimitadas, com ajuda somente para os verdadeiramente atingidos, e tenham prazo para acabar.
Integrantes da equipe econômica, em conversas reservadas com o Estadão, lembram que o governo vem fazendo esforços para ajustar as contas públicas, e que tiveram que brigar pelo fim de programas criados durante a pandemia e que acabaram se tornando permanentes, como o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse).
CNI defende oito medidas
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) elaborou os oito pleitos do setor industrial, que foram entregues a Alckmin na última quarta-feira. Na lista figuram a criação de uma linha de crédito do BNDES, com taxas entre 1% a 4% para capital de giro, ampliação de 750 para 1.500 dias para liquidação dos Adiantamentos de Contratos de Câmbio (ACC), a reativação do Programa Seguro Desemprego e o adiamento por 120 dias do pagamento de impostos federais (veja lista completa abaixo).
“Essas são as medidas prioritárias, mas entregamos ao governo uma lista maior, com 37 propostas. O vice-presidente Alckmin tem dado muita atenção a isso. Os contatos são praticamente diários”, afirmou Mário Sérgio Telles, diretor de Economia da CNI.
A CNI afirma que 565 das 694 exceções ao tarifaço de 50% estão ligados ao setor de aviação civil. Por isso, setores industriais relevantes, como de proteína animal e de máquinas e equipamentos, serão atingidos.
Telles diz que várias das medidas propostas não têm impacto fiscal, como a que prevê ações antidumping, para evitar a entrada no Brasil de importações por produtos abaixo dos custos de produção. Ele também diz a restituição de crédito tributário gerado ao longo da cadeia já está prevista na reforma tributária e poderia ser apenas implementado de forma mais célere, agora, para ajudar as empresas.
O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas (Abimaq), José Velloso, afirmou que uma das preocupações é com o cancelamento de pedidos de exportação por parte dos americanos. Isso fará com que os exportadores brasileiros percam as garantias junto aos bancos nos ACCs, uma espécie de empréstimo que antecipa às empresas os valores exportados.
Por isso, há pedidos envolvendo o Banco Central e o BNDES. Nesta segunda-feira, Velloso teve encontro com o presidente do banco de fomento, Aloizio Mercadante, no Rio de Janeiro.
“A gente vai pedir para o Banco Central, que é quem cuida dos ACCs em andamento, um alongamento do prazo para liquidação dos empréstimos. Com o BNDES, nós vamos conversar para criar uma linha de crédito em dólar, com juros em dólar, baixo, não precisa de subsídio, para as empresas que tiverem cancelamento de pedido”, disse Velloso.
Ele afirmou que também houve pedidos para que os governos estaduais acelerem a devolução de créditos de ICMS, a exemplo do que já foi feito pelo governo de São Paulo.
Café quer fugir do tarifaço
O setor de café ainda concentra esforços para tentar escapar do tarifaço de Donald Trump e ser incluído na lista de exceções. Por meio de nota, o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) pontuou que o produto não é cultivado em escala nos Estados Unidos, o que pode ajudar na exclusão do produto.
Na semana passada o secretário do Comércio dos EUA, Howard Lutnick, reconheceu que o país pode reconsiderar e isentar de tarifas comerciais para bens incapazes de “crescer” em solo americano.
“O Cecafé segue trabalhando junto ao governo e aos pares norte-americanos para conseguir que o café seja incluído na lista de isenções por se tratar de produto natural não cultivado em escala pelos EUA e pelo impacto econômico que a indústria cafeeira americana possui”, afirmou a entidade.
A Abipesca afirmou que entre as demandas do setor agropecuário estão crédito subsidiado, com juros abaixo de 6% ao ano, carência de 12 meses e no mínimo 24 meses para pagamento, para que haja refinanciamento dos estoques. Além disso, há a defesa por resgate imediato de impostos federais acumulados na cadeia.
A entidade pontua, contudo, que o governo precisa limitar o benefício somente a exportadores para os EUA, além de fazer um recorte por faturamento e porte das empresas.
Fernando Pimentel, presidente da Indústria Brasileira da Indústria Têxtil, setor que também tem déficit com os americanos e ficou de fora da lista de exclusões, pontua que as medidas de socorro já foram testadas na pandemia e durante as enchentes do Rio Grande do Sul. O governo, portanto, não precisa “reinventar” a roda.
“São ferramentas que já existem, já foram testadas na pandemia e no Rio Grande do Sul. Só que agora, de forma mais direcionada. É um trabalho do governo de fazer a triagem, mas o ferramental foi construído, a duras penas, em reuniões recorrentes”, afirmou.
Veja as demandas da CNI ao governo:
- Criar linha de financiamento emergencial do BNDES, com juros de 1% a 4% a.a., específicas para capital de giro para empresas que tiverem exportações afetadas e suas cadeias produtivas;
- Ampliar, de 750 dias para 1.500 dias, o prazo máximo entre a contratação e a liquidação do contrato de câmbio de exportação nas modalidades Antecipação de Contrato de Câmbio (ACC) e Adiantamento sobre Cambiais Entregues (ACE), especialmente aqueles que estão em andamento, realizados por bancos públicos e desenvolvimento, após o embarque da mercadoria ou após a prestação do serviço;
- Prorrogar o prazo e/ou carência para pagamento de financiamentos direcionados ao comércio exterior, como PROEX e BNDES-Exim;
- Aplicar direito provisório de dumping e reforçar os recursos humanos e tecnológicos para resposta rápida a desvios de comércio;
- Adiar, por 120 dias, o pagamento de todos os tributos federais, incluindo as contribuições previdenciárias, e parcelar, em pelo menos seis parcelas mensais e sem incidência de multas e juros, o pagamento dos valores dos tributos que tiveram o recolhimento adiado;
- Realizar o pagamento imediato dos pedidos de ressarcimento de saldos credores de tributos federais (PIS/Cofins e IPI) já homologados pela Receita Federal do Brasil e garantir compensações mais ágeis e previsíveis;
- Ampliação do Reintegra, com elevação para 3% da alíquota de ressarcimento de tributos residuais nas exportações;
- Reativar o Programa Seguro-Emprego (PSE) com aperfeiçoamentos.
Fonte: Estadão
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