Na busca por transformar a natureza brasileira em ativo financeiro, empresas e organizações da sociedade civil vêm batendo de porta em porta para convencer políticos e investidores sobre a funcionalidade de novos negócios verdes. Mas muitas dessas formas ainda não existem fora do país, o que levanta dúvidas da real operacionalidade desses modelos.
A BMV Global, por exemplo, greentech que produz ativos baseados na conservação da natureza, tem uma equipe responsável por se reunir com políticos. A empresa quer convencê-los de que estados e municípios podem arrecadar milhões com áreas de preservação e conservação, seja com créditos de carbono ou com créditos de biodiversidade.
Um crédito de biodiversidade, também chamado pela BMV de unidade de crédito de sustentabilidade, equivale a 13 m² de área nativa preservada e 27 benefícios gerados por manter a floresta em pé, dentre eles a preservação da fauna e flora, manutenção de fluxos hidrológicos, madeira armazenada e estocagem de carbono.
O principal entrave hoje é que para gerar créditos, de carbono ou de biodiversidade, é necessário comprovar que houve esforço financeiro ou tecnológico para manter aquela área intacta. Assim, como não se pode desmatar uma área de vegetação nativa protegida por lei não há, portanto, esforço para mantê-la de pé e, por consequência, não há produção de crédito.
Mas um projeto de lei apresentado pelo deputado Zé Silva (Solidariedade-MG) com base em metodologia criada pela BMV pretende autorizar que governos estaduais e municipais transformem essas áreas em ativos financeiros.
“Países e regiões que têm natureza conservada estão fadados a ser pobres. Se a floresta da região Norte, por exemplo, virasse madeira, todo mundo ficaria rico. Esse projeto é, portanto, uma forma de reverter essa desigualdade social”, diz Maria Tereza Umbelino, presidente da BMV.
O texto foi elaborado ainda em 2017, mas em junho –para convencer demais parlamentares a aderirem ao projeto– o deputado pediu à BMV um levantamento sobre qual seria a arrecadação de cinco estados caso o projeto fosse aprovado: Alagoas, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo. O último, por exemplo, poderia ganhar até R$ 96 bilhões com créditos de biodiversidade, segundo o estudo.
Em agosto, a deputada Adriana Ventura (Novo-SP) apresentou um projeto de lei que busca definir o que são os ativos ambientais –o texto foi apensado ao de seis anos atrás. “O crédito de biodiversidade, que é uma ótima modalidade para incentivar a preservação de forma sustentável, é apenas um dos vários efeitos benéficos de uma lei que define o que são os ativos ambientais”, afirma.
O texto está hoje parado na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara.
Metodologia semelhante foi criada no Amapá em 2018, com ajuda da BMV Global. Na prática, porém, houve dificuldades de se criar uma metodologia brasileira e inovadora. O Tesouro Verde, como o governo local nomeou o programa, autoriza o estado a comercializar certificados de conservação de vegetação nativa para empresas que queiram compensar seus impactos ambientais. Em troca, elas teriam acesso a benefícios fiscais já existentes.
O Amapá é o estado com a maior área de floresta tropical preservada do Brasil, 73% de seu território é protegido.
No projeto, o estado mapeou 35 mil hectares da reserva de desenvolvimento sustentável do Rio Iratapuru. De acordo com cálculo da Unesp, a região tinha um estoque de 59 milhões de créditos de biodiversidade, o que nas contas do governo local poderia gerar R$ 2 bilhões aos cofres públicos.
Mas faltou combinar com quem pagaria. Desde a criação do programa, o estado arrecadou apenas R$ 2 milhões, sendo que mais da metade veio de uma única empresa, a mineradora que operava a maior mina de ouro do estado.
O principal obstáculo, segundo o atual secretário de Relações Internacionais e Comércio Exterior do Amapá, Lucas Abrahao, era convencer empresas, inclusive internacionais, de que o cálculo da Unesp era preciso.
“A comercialização poderia ser muito melhor. Hoje, muitas empresas esperam ver metodologias e certificações internacionais, como a da Verra. Esse é um desafio que o Brasil terá ao criar suas próprias metodologias”, afirma. O programa está suspenso até que se encontre um novo parceiro.
Com sede em Washington, a Verra é a certificadora de crédito de carbono mais renomada do mundo.
Os desafios de elaborar um projeto com metodologia própria também apareceram para a BVRio, organização sem fins lucrativos que promove soluções inovadoras e sustentáveis de mercado. Há um ano e meio, ela criou o SIMFlor, programa que visa remunerar proprietários de terra que tenham vegetação nativa excedente em suas áreas –ou seja, mais do que a legislação determina.
A ideia da BVRio é fazer contratos de venda futura de cotas de reserva ambiental, títulos financeiros citados pelo código florestal que autorizam o proprietário de uma área com déficit de vegetação nativa a comprar parcelas daquele que tem de sobra. Esses títulos, porém, nunca foram comercializado devido a divergências jurídicas e a atrasos dos governos estaduais em analisar o cadastro ambiental rural de proprietários.
Depois de algumas tentativas, a organização conseguiu arrecadar US$ 200 milhões (R$ 973 milhões) com um fundo europeu, mas agora o problema tem sido encontrar proprietários que queiram fechar contratos. “Mapeamos 1.700 imóveis na Amazônia, só que nós não temos o telefone e o e-mail dos proprietários, isso não é um dado público. Precisamos ir a essas áreas, encontrar esses proprietários, checar os documentos necessários e conseguir um contrato com eles”, diz Beto Mesquita, diretor de Florestas e Políticas Públicas da BVRio.
Os investidores, segundo Mesquita, pretendem utilizar as áreas para arrecadar com projetos de crédito de carbono. Mas, por ora, apenas dois proprietários fecharam contratos.
Fonte: Folha de S. Paulo
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