A falta de ação diante das mudanças climáticas pode custar o equivalente a até 33% do PIB (Produto Interno Bruto) combinado do Brasil e de outros países da bacia amazônica no acumulado até 2070, segundo um estudo do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).
O levantamento, feito em parceria com o MGI (Ministério da Gestão e Inovação), é considerado pela ONU a mais ampla revisão científica já realizada sobre o impacto das mudanças climáticas para a região.
O estudo, antecipado à Folha e que será publicado durante a COP30, alerta que a amazônia é um dos locais mais vulneráveis às mudanças climáticas e que a inércia a respeito do tema agravaria os problemas sociais e econômicos já observados hoje.
O estudo usou inteligência artificial para analisar mais de dois milhões de artigos científicos publicados sobre o assunto, consolidando a literatura acerca de quais seriam os impactos a serem observados com a transformação do clima na região. O resultado também passou por uma análise da equipe de especialistas do Pnud.
Rafael Almeida, diretor de programa da Secretaria para a Transformação do Estado do MGI, afirma que o estudo aponta a necessidade de Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela pensarem de forma urgente em como se preparar, de forma a não sofrerem um cenário em que a restrição de recursos se agrave de forma extrema.
“Qualquer impacto de 10%, 20% ou 30% do PIB é maior do que investimentos inteiros dos países em áreas como saúde ou educação. A preparação para evitar cenários dessa natureza precisa incluir adaptação e mitigação e levar em conta os cenários mais catastróficos”, afirma.
Os custos, equivalentes a até US$ 2,8 trilhões até 2070 (ou US$ 915 bilhões por ano até 2030), decorrem do impacto direto das mudanças climáticas sobre os setores que sustentam a economia dos países amazônicos.
Secas mais intensas e prolongadas reduzem a produtividade agrícola, afetam exportações e pressionam o preço dos alimentos. Eventos extremos como cheias, ondas de calor e queimadas interrompem cadeias de transporte, produção de energia e serviços essenciais, provocando prejuízos que se acumulam.
A degradação da floresta também reduz serviços ambientais fundamentais, como a regulação das chuvas e do clima, o que afeta desde a indústria até a geração hidrelétrica.
O documento aponta que as mudanças climáticas fariam o desmatamento na região chegar a até 25% do total, podendo alcançar patamares ainda mais altos em alguns cenários. A projeção é que, com isso, a amazônia atinja pontos de inflexão que podem comprometer sua capacidade de se manter como floresta tropical.
Além disso, o aumento de doenças sensíveis ao clima pressiona os sistemas de saúde e reduz a produtividade da população economicamente ativa. A soma desses fatores cria uma trajetória contínua de perdas, por meio da qual cada crise climática amplia danos anteriores e dificulta a recuperação econômica.
O estudo cita, como exemplo, que o Brasil perdeu dezenas de bilhões de dólares em razão de secas associadas ao El Niño na primeira metade da década passada. A tendência é que doenças respiratórias ligadas à fumaça de incêndios se tornem mais frequentes, elevando gastos públicos em saúde, enquanto danos a hidrelétricas, estradas e redes de transporte desviem recursos de investimentos produtivos.
“Cada passo da literatura científica mostra um aspecto. A perda de capacidade dos serviços que a floresta preza, impactos na saúde por arboviroses, danos na infraestrutura, deslocamentos forçados e por aí em diante”, diz Almeida.
Por isso, o estudo da ONU estima que, sem adaptação e corte de emissões, o cenário levará as economias da região a perderem recursos de maneira significativa, agravando problemas econômicos e sociais já existentes.
“A bacia amazônica é particularmente vulnerável às mudanças climáticas. Os impactos do aumento das temperaturas, das alterações nos regimes de chuva e dos eventos climáticos extremos afetarão de forma severa a agricultura, a pecuária, a energia, a mineração e o turismo, além da disponibilidade de água, da saúde da população e dos serviços ecossistêmicos”, conclui o estudo.
O relatório afirma que a maior parte dos projetos de adaptação na região —de reflorestamento à gestão de bacias— ainda depende de financiamento externo. Embora quase todos os países amazônicos tenham estruturas legais para lidar com o tema, a capacidade de mobilizar recursos próprios segue limitada, na visão dos autores.
O atual chefe do Pnud, Haoliang Xu, afirma à Folha que países em desenvolvimento não conseguirão implementar a transição climática na velocidade necessária sem um aumento substancial de financiamento internacional.
Segundo ele, essas nações ainda enfrentam limitações fiscais, dificuldades estruturais e demandas simultâneas de adaptação e mitigação. “O mundo em desenvolvimento precisa de acesso a muito mais recursos do que tem hoje”, disse.
Ele defende instrumentos como o plano que almeja alcançar US$ 1,3 trilhão em financiamento climático todo ano, por meio de taxação de bens de luxo, por exemplo. “É algo [elevar financiamento] que todos deveríamos buscar, porque a questão climática não respeita fronteiras. Afeta todo o mundo. E há países muito mais vulneráveis ao problema do clima e que vão precisar de apoio para implementar ações.”
Conheça os números-chave do relatório
14% a 33%: Faixa do impacto econômico da inação até 2070, equivalente a até um terço do PIB combinado da região amazônica
US$ 2,8 trilhões: Valor estimado das perdas econômicas acumuladas até 2070
US$ 525 a 915 bilhões: Prejuízo anual projetado de 2026 a 2030 caso não haja ação climática
1,3°C a 6,5°C: Aquecimento estimado na amazônia até o fim do século em diferentes cenários climáticos
Fonte: Folha
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