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‘Jabutis’ no texto do Carf podem limitar ganho de receitas com novos acordos e voto de qualidade

postado Assessoria

Câmara dos Deputados incluiu diversos “jabutis” no projeto de lei do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fazendários) que podem limitar os ganhos previstos pela União com a volta do chamado voto de qualidade e com as novas modalidades de acordo envolvendo dívidas de contribuintes.

No jargão político, um jabuti é o trecho inserido para tratar de matéria estranha ao objetivo inicial da proposta. No dia a dia do Legislativo, o termo costuma ser usado para descrever dispositivos criados de última hora à revelia dos desejos do governo de plantão.

As manobras inseridas no texto incluem a possibilidade de uso ilimitado de créditos de prejuízo fiscal para quitar dívidas com a União —o que permitiria aos devedores limparem seus nomes sem desembolsar um centavo sequer— e a vedação à cobrança de multas superiores a 100% do débito em caso de sonegação, fraude ou conluio (hoje, a aplicação é de 150%).

Um dos artigos ainda prevê que a PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) providencie o cancelamento de inscrições em dívida ativa que tenham tido aplicação de multa superior a 100%. No entendimento do órgão, haverá grande risco de judicialização caso o dispositivo seja mantido no Senado Federal.

Há ainda a permissão para contribuintes derrotados no Carf pelo voto de qualidade entre janeiro e 1º de junho (período em que a regra de desempate voltou a funcionar sob a vigência da medida provisória 1.160) pedirem a anulação do julgamento. A medida poderia resultar no cancelamento de R$ 16 bilhões em inscrições de dívidas realizadas no período.

O governo ainda está mapeando os possíveis prejuízos com as mudanças inseridas pelo relator, deputado Beto Pereira (PSDB-MS), e pretende buscar modificações nas negociações com os senadores.

A permanência dos “jabutis” pode minar a arrecadação esperada pelo Ministério da Fazenda com o projeto que muda as regras de funcionamento do Carf, tida como essencial pela equipe econômica para ajudar a fechar as contas do Orçamento de 2024 e cumprir a promessa de zerar o déficit no ano que vem.

A retomada do voto de qualidade, que confere à Fazenda o poder de desempate em julgamentos de conflitos tributários no Carf, dá uma contribuição favorável. No início do ano, a pasta comandada pelo ministro Fernando Haddad estimou o ganho permanente em R$ 15 bilhões, embora os detalhes das condições tenham sido alterados desde então.

Nem todas as inovações do texto foram negativas para a arrecadação. O relator acatou um pedido da própria PGFN para incluir em seu parecer um artigo que pode impulsionar a arrecadação federal em R$ 34 bilhões adicionais.

O dispositivo aprimora a transação tributária, como é chamada a negociação entre contribuintes e a União para saldar débitos pendentes, em busca de melhorias nas condições de acordo para casos que são alvo de disputa judicial.

Hoje, essas transações só podem ter desconto equivalente a 50% do valor do crédito e parcelamento em até 84 meses. O texto amplia o abatimento a 65%, e o número de prestações, a 120 meses —podendo chegar a 70% e 145 meses, respectivamente, em caso de micro ou pequena empresa.

EXEMPLOS DE JABUTIS NO TEXTO DO CARF

  • Cancelamentos

    Permissão para contribuintes derrotados no Carf pelo voto de qualidade pedirem a anulação do julgamentos ocorridos entre janeiro e 1º de junho (período em que o voto de qualidade vigorou por medida provisória), que somaram R$ 16 bilhões ​

  • Uso de créditos de prejuízo fiscal

    Possibilidade de uso ilimitado de créditos de prejuízo fiscal (quando uma empresa pode compensar o prejuízo para abater impostos) para quitar dívidas com a União —o que permitiria aos devedores limparem seus nomes sem desembolsar um centavo sequer

  • Limites de cobrança

    Vedação à cobrança de multas superiores a 100% do débito em caso de sonegação, fraude ou conluio (hoje, a aplicação é de 150%)

  • Anulações

    Cancelamento de inscrições em dívida ativa que tenham tido aplicação de multa superior a 100%

O novo texto ainda diz que o ganho das empresas com os descontos não sofrerá incidência de PIS/Cofins, IRPJ e CSLL, um benefício já concedido em outros tipos de transação.

“Foram essas três mudanças que nós fizemos para destravar [a transação do contencioso judicial]”, diz à Folha a procuradora-geral da Fazenda Nacional, Anelize Lenzi Ruas de Almeida.

“Em vez de a gente ficar brigando em relação a isso mais cinco anos no Judiciário, vamos resolver esse processo, encerra o processo judicial, põe dinheiro no caixa, dá desconto”, afirma.

Segundo ela, a negociação é vantajosa para as empresas não só pelos descontos envolvidos, mas também porque o fim da disputa libera ativos empenhados hoje como garantia financeira nesses processos. Destravar essas garantias melhora as condições de obtenção de crédito dessas companhias.

Outro ponto favorável é que, para aderir à negociação, o contribuinte não vai mais precisar desistir da tese jurídica de forma definitiva, apenas do processo em curso. “O contribuinte tinha que desistir da tese para frente e para trás. É muito arriscado, você não sabe o que o Supremo vai decidir amanhã. Quando diz que tem que desistir daquele processo [apenas], é muito mais fácil”, diz.

Segundo Almeida, o aprimoramento da transação já vinha sendo discutido pela PGFN, mas acabou entrando no bojo das mudanças no Carf como forma de ampliar o potencial de receitas para a União.

A estimativa de R$ 34 bilhões de receita extra já inclui a possibilidade de contribuintes negociarem débitos envolvendo o julgamento no STJ (Superior Tribunal de Justiça) sobre a cobrança de tributos federais sobre benefícios do ICMS.

A Fazenda tem falado em um potencial de R$ 70 bilhões em arrecadação ao ano só com esse julgamento. A arrecadação sobre o passivo, contudo, pode variar em função da adesão dos contribuintes sobre as condições oferecidas.

Outras disputas poderão ser resolvidas por meio da transação. Segundo Almeida, os parcelamentos especiais e extraordinários feitos desde 2000 geraram um contencioso enorme, diante de exclusões de contribuintes por não pagamento ou parcela inferior ao valor mínimo.

A PGFN não tem um cálculo preciso dos valores envolvidos, mas tem identificado que as teses do Judiciário nesses casos favorecem os contribuintes. Nesse caso, não se trata de livrá-los da cobrança, mas sim permitir seu retorno aos programas de renegociação mediante os benefícios. O objetivo da PGFN é fazer um edital da transação para solucionar esses processos.

A procuradora-geral, porém, nega que seja um “Refis do Refis”. Para ela, os acordos buscam atender a decisões judiciais e, ao mesmo tempo, facilitar o ingresso desses recursos no caixa da União.

Fonte: Folha de S. Paulo

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