Embora ainda não tenham chegado a um acordo, os bancos brasileiros e o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estão mais próximos de uma solução para reduzir os juros cobrados no rotativo do cartão de crédito. A negociação tem avançado sob o temor de que a decisão fique nas mãos do Congresso Nacional.
De acordo com fontes a par das discussões, há receio de que uma eventual aprovação da proposta inserida no projeto de lei que vai receber o conteúdo do Desenrola possa abrir precedente para tabelamento de juros também de outras modalidades.
Em entrevista na manhã desta quarta-feira (2) à EBC, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que uma solução para o rotativo sairá em 90 dias.
Haddad afirmou que o governo federal vai contratar com o sistema bancário uma transição para um sistema melhor do que o atual. “Teremos um freio”, disse o ministro.
Na mira do governo Lula, a taxa média de juros cobrada pelos bancos de pessoas físicas no rotativo do cartão de crédito em junho foi de 437,3% ao ano, segundo dados do BC.
Como mostrou a Folha, as instituições financeiras tentam barrar o avanço da medida, que deve começar a ser debatida neste mês na Câmara dos Deputados.
As tratativas voltaram ao debate na última segunda-feira (31) em uma reunião entre membros da Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), diretores de quatro instituições financeiras –Bradesco, Itaú Unibanco, Santander e Nubank– e do Banco Central.
As negociações envolvem mudanças estruturais no crédito rotativo, o que abriria espaço para autorregulação dos próprios bancos sobre o produto. Com isso, há expectativa de uma queda sensível da taxa de juros cobrada hoje na modalidade.
Uma das possibilidades ventiladas seria acabar de vez com o rotativo, acionando imediatamente o parcelamento automático em caso de não pagamento da dívida. Há, contudo, resistência do setor bancário à medida devido ao alto patamar de remuneração obtido com a modalidade.
Também está em debate uma solução que passe pelo crédito parcelado sem juros. Com o aumento significativo de pagamentos parcelados em serviços essenciais, como compras em supermercados, governo e bancos buscam um formato que impeça o efeito “bola de neve”.
Discute-se neste contexto a possibilidade de impor restrições setoriais, enquanto a opção de limitar o número de parcelas sem cobrança de juros tem sido rechaçada.
O parcelamento de compras sem juros no cartão de crédito virou tema de debate no setor financeiro brasileiro depois que grandes bancos apontaram esse segmento como um dos culpados pelas altas taxas de juros do rotativo dos cartões.
Na comparação com o mês anterior, quando a taxa atingiu 454%, houve um recuo de 16,7 pontos percentuais para a taxa de 437,3% ao ano em junho. No entanto, a autoridade monetária não vê até o momento uma tendência de queda na trajetória dos juros. Segundo Fernando Rocha, chefe do departamento de Estatísticas do BC, foi sobretudo um impacto de ponderação entre taxas.
Essa é a linha de crédito mais cara do mercado, recomendada por especialistas apenas em casos emergenciais. Em junho, a inadimplência de pessoas físicas no rotativo do cartão de crédito ficou em 49,1%, depois de atingir 53,4% no mês anterior.
Apesar do patamar elevado dos juros e da alta inadimplência, a concessão de crédito no rotativo do cartão passou de R$ 30 bilhões no mês de junho –valor próximo às máximas históricas.
O rotativo do cartão é acionado quando o cliente não paga o valor integral da fatura na data de vencimento. Desde 2017, os bancos são obrigados a transferir a dívida do rotativo do cartão de crédito para o parcelado, que possui juros mais baixos, após um mês.
No Congresso, um projeto de lei de autoria do deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA), líder da legenda na Câmara e aliado do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), determina que o CMN (Conselho Monetário Nacional) irá estabelecer limite para a cobrança desses juros pelos cartões de crédito.
“As taxas de juros remuneratórios cobradas na modalidade […] não poderão ser superiores a limites já estipulados para modalidades de crédito com perfil de risco semelhante, a exemplo do que já ocorre com as taxas cobradas sobre o valor utilizado do cheque especial”, diz um dos pontos da matéria.
O relator do projeto, deputado Alencar Santana (PT-SP), ainda não tem uma definição do ponto de vista técnico e estuda opções como a estipulação de um percentual máximo cobrado pelas instituições financeiras ou a determinação de um prazo para que o governo federal tome medidas concretas e estabeleça critérios que limitem os juros.
O elevado patamar do juro do rotativo vem sendo debatido pelo governo Lula desde março. Naquele mês, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) se reuniu com o presidente da Febraban, Isaac Ferreira, e o presidente da CNF (Confederação Nacional das Instituições Financeiras), Rodrigo Maia, para discutir o modelo vigente.
“São muitos interlocutores, tem a bandeira, tem a maquininha, tem o banco, tem o lojista, tem muitos atores nesse processo”, afirmou Haddad após o encontro.
Em abril, foi anunciado que o governo e o setor financeiro iriam formar um grupo de trabalho com o BC para aprofundar esse debate.
Em entrevista à Folha, naquele mês, o diretor de Regulação do BC, Otávio Damaso, afirmou que a autoridade monetária até então não discutia a possibilidade de impor qualquer tipo de limite no rotativo ou de tabelamento de taxa de juros. Segundo ele, isso poderia trazer instabilidade para o mercado.
Fonte: Folha de S. Paulo
www.contec.org.br