A mudança nas regras de pagamento dos precatórios vai permitir a regularização do fluxo de sentenças judiciais “sem furar expectativas” com o novo arcabouço fiscal, diz à Folha o advogado-geral da União substituto Flávio Roman.
“A gente precisa criar mecanismos que permitam o pagamento dos precatórios e a continuidade dos serviços públicos. Não tem que fazer uma escolha horrível. Para isso, a decisão do Supremo é o elemento fundamental”, diz.
Nesta segunda-feira (25), a AGU pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal) a derrubada do limite para precatórios instituído no governo de Jair Bolsonaro (PL) e propôs o pagamento de parte das sentenças judiciais como despesa financeira.
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também quer autorização para regularizar um estoque de cerca de R$ 95 bilhões por meio de crédito extraordinário, fora do alcance das regras fiscais. A expectativa é quitar esse passivo ainda em 2023.
O tratamento de juros e encargos como gasto financeiro é um ponto-chave para que esses valores sejam excluídos dos limites do novo arcabouço fiscal e das metas de resultado primário, inclusive no futuro.
Na prática, a medida alivia a pressão fiscal sobre a regra desenhada pelo time do ministro Fernando Haddad (Fazenda), que permite uma expansão de gastos entre 0,6% e 2,5% acima da inflação ao ano. Um crescimento mais intenso dos precatórios poderia tirar espaço das demais políticas.
“Eu preciso encontrar mecanismos para colocar isso dentro do meu Orçamento, sem furar as expectativas que foram legitimamente constituídas a partir do arcabouço [fiscal]. E a única maneira de fazer isso é colocando uma parte menor, que não é a parte do principal, com essa possibilidade [de considerar como despesa financeira]”, afirma Roman.
O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, explica à Folha que cerca de 60% dos valores das sentenças represadas estão ligados à demanda original e, por isso, continuariam a ser classificados como gasto primário, dentro das regras fiscais. Outros 40% seriam os encargos, a serem tratados como despesa financeira.
Já em relação ao fluxo futuro de precatórios, a projeção do Tesouro é que a proporção fique mais próxima de 70% de principal e 30% de encargos. “Ano a ano vem caindo essa relação em função da aceleração dos julgamentos”, diz Ceron.
Uma parcela dos economistas critica a nova interpretação do governo e vê a iniciativa como uma manobra para reduzir as despesas na marra, uma espécie de contabilidade criativa para evitar o impacto desses gastos sobre as estatísticas fiscais. O governo rejeita esse rótulo.
“A definição sobre o que é principal e o que é juro não está na discricionariedade do Executivo, para ele querer fazer o que ele quiser. É o próprio tribunal que, ao solicitar [a expedição do precatório], vai fazer essa segregação. Na verdade, ele já faz essa segregação, ou seja, não tem nenhuma criatividade nessa contabilidade”, afirma Roman.
O advogado-geral substituto também confirmou que eventual decisão favorável do Supremo vai vincular o Banco Central, órgão responsável pelas estatísticas oficiais de finanças públicas, que precisará adotar o mesmo critério e excluir as despesas apontadas como financeiras do cálculo do resultado das contas.
Roman diz que não se trata de “amarrar” o BC, mas sim de “dar conforto” para que a instituição possa fazer esses cálculos. Ele reconhece, no entanto, que, havendo a decisão judicial, o BC não terá opção ou não de segui-la, uma vez que ela terá efeito vinculante.
“Se você recordar ali 2015, 2016, quando a gente teve o questionamento das chamadas pedaladas fiscais, o Banco Central foi um dos órgãos públicos que também sofreu. Servidores do próprio Banco Central foram objeto de fiscalização pelo Tribunal de Contas. Essa busca de uma decisão do Supremo Tribunal Federal não tem a finalidade, em momento algum, de amarrar o Banco Central, mas de dar conforto para utilizar esse critério”, afirma.
Na avaliação da AGU, a situação dos precatórios é tão particular que não há paralelo nos manuais internacionais usados como referência pelo BC nas estatísticas oficiais. Por isso, caberia uma adaptação para o caso do Brasil.
Roman, que é da carreira de procurador do BC, diz que “tranquilamente” uma decisão do STF dará a sustentação necessária do ponto de vista jurídico para que não haja nenhum questionamento. “Ninguém quer atravessar o Banco Central ou impor, o Banco Central tem a autonomia dele e vai fazer os cálculos para isso. Mas a gente entende que uma decisão do Supremo vai dar o conforto necessário”, diz.
O secretário do Tesouro argumenta que a aplicação do mesmo critério a todos os órgãos dá mais segurança. “Isso gera segurança a todos para sairmos desse problema com precatórios de forma sustentável, sem ter que criar exceções em limites fiscais ou outros mecanismos necessários para dar conta do problema”, afirma.
A AGU tem demonstrado otimismo com a possibilidade de o STF encampar a tese do governo. A leitura é de que a opção por uma conciliação pela via judicial busca reverter o “desprestígio” imposto pela PEC dos Precatórios, que resultou num calote das dívidas reconhecidas e determinadas pelo Judiciário.
“A gente está com a perspectiva de que ele [STF] tope, que avance com a gente, se possível neste exercício fiscal”, diz.
Segundo Roman, a atuação da AGU tem sido comparada pelo próprio ministro Jorge Messias à de um “esquadrão antibombas”. Regularizar os precatórios antes de 2027, quando ocorre o fim teto para pagamento dessas dívidas, evita a detonação de uma bomba fiscal superior a R$ 250 bilhões, em números atualizados pelo governo.
Fonte: Folha de S. Paulo
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