Apesar de ter cerca de 30% de seus assentos no Parlamento reservados para as mulheres desde o ano passado e taxas altas de participação feminina em eleições, a Índia ainda enfrenta disparidades significativas entre homens e mulheres quando se fala em participação política fora do período eleitoral.
A conclusão é de uma pesquisa conduzida por Soledad Artiz Prillaman, professora da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Ela, que apresenta o estudo nesta quarta-feira (24) em palestra no IPSA, curso de verão promovido pelo Departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo), argumenta que usar números relacionados a eleições como termômetro para a participação política de um grupo social é insuficiente.
“Esses dados fazem parecer que as mulheres são participativas e empoderadas, que não há desafios”, diz a pesquisadora. Mas o comparecimento às urnas não traduz dinâmicas como a participação em conselhos e a atuação em comunidades locais, ou ainda o debate por trás da escolha de um ou outro candidato, prossegue.
Prillaman tentou superar esse obstáculo de análise em seu livro “The Patriarchal Political Order” (a ordem política patriarcal). Para isso, ela modificou os questionários sobre participação política, normalmente direcionados a homens, de modo a contemplar a população feminina de forma mais completa. “Até eu me perguntar por que as mulheres votam, eu não entendia que votar não significa empoderamento político”, conta.
Assim, perguntas a respeito do que elas consideram importante na política e sua atuação no campo entre uma eleição e outra entraram em cena. O resultado revelou uma grande disparidade de participação política entre homens e mulheres indianos, principalmente em comparação a outras democracias.
A pesquisadora afirma que um aspecto importante a alimentar essa disparidade é a compreensão da casa como um único agente político —casa esta geralmente comandada pelo homem que chefia a família.
“Sabemos que as pessoas tendem a escolher parceiros que dividem seus interesses e crenças políticas, por exemplo”, diz ela. “Mas quando essa decisão conjunta se torna coercitiva, isso é um problema para as mulheres.” Em outras palavras, homens demandam que suas parceiras votem nos candidatos que apoiam, ou que fiquem em casa enquanto eles participam da vida política.
Isso se complica se pensarmos que muitas das políticas públicas são planejadas tendo justamente esse “lar” homogêneo em mente. “Muitos benefícios governamentais têm como alvo domicílios e pais, filhos, concedendo cestas básicas ou cupons alimentares para cada residência. Esse grupo se torna o mais fácil de se mobilizar numa campanha.”
Ao mesmo tempo, a pesquisadora observou que existem muitas formas práticas de se ampliar a participação política feminina —e que isso com frequência ocorre indiretamente. Ela cita como exemplo o caso dos grupos de microfinanciamento em comunidades rurais, que acabam por incentivar a atuação nesse campo.
Um dos motivos para isso é que a segurança financeira é um aspecto importante da emancipação política. Outro é que “esses grupos formam redes de solidariedade e de compartilhamento de experiências que vão além da questão econômica”, afirma a pesquisadora.
Mas, ela pondera, é importante que esses grupos sejam voltados para a questão do crédito, já que bandeiras voltadas especificamente para o empoderamento de gênero talvez afastassem as mulheres.
Prillaman conta que as conquistas relativas à equidade de gênero não têm uma história linear na Índia. É o caso da participação feminina na força de trabalho, que está em queda. Ela afirma que, à medida que o país cresce economicamente e as famílias enriquecem, mulheres muitas vezes deixam a força de trabalho e assumem papéis de gênero mais tradicionais, como donas de casa.
A questão das cotas eleitorais também não é totalmente resolvida, diz Prillaman. Apesar de a medida em si ser progressista, não são incomuns, segundo a pesquisadora, candidatas que atuam abertamente como fantoches de seus maridos. “Não é que mulheres tenham menos aspirações, mas sim que elas têm suas oportunidades negadas e limitadas.”
Ao contrário das aulas regulares, promovidas apenas a inscritos, as apresentações do IPSA são públicas e transmitidas ao vivo. Em sua 14ª edição, o curso busca trabalhar com os métodos de pesquisa quantitativa e qualitativa na ciência política, trazendo não somente aulas sobre os formatos de análise, mas contato entre os participantes e acadêmicos que dirigem estudos com modelos de dados robustos.
Fonte: Folha de S. Paulo
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