No dia 26 de abril, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidirá sobre a histórica controvérsia acerca da tributação de incentivos fiscais de ICMS pelo IRPJ e pela CSLL. O tema será julgado pela 1ª Seção do Tribunal, sob o rito dos recursos repetitivos*, e terá como objetivo definir se o entendimento atual da Corte, que afasta a tributação do crédito presumido de ICMS, deveria ser estendido a outros benefícios fiscais do mesmo tributo. Até a conclusão desse julgamento, todos os processos sobre o assunto permanecerão suspensos.
O tema é de grande relevância para o Ministério da Fazenda, que estuda aumentar a arrecadação federal sobre tais incentivos, inclusive por meio de medida provisória, e para todos os contribuintes optantes pelo lucro real que usufruem de algum regime especial de ICMS, tais como redução de base de cálculo, isenção, imunidade, diferimento, dentre outros.
Apenas para ilustrar o impacto financeiro da discussão, caso uma empresa seja beneficiária de isenção fiscal de R$ 1 milhão de ICMS por ano, por exemplo, isso significa que poderão estar em jogo, em valores nominais, até aproximadamente R$ 340 mil a título de IRPJ/CSLL (34%) por ano (sem considerar outras receitas e despesas que deverão repercutir na base tributável).
De acordo com levantamento do próprio STJ, a 1ª e a 2ª Turma já proferiram mais de 450 decisões monocráticas e mais de 50 acórdãos sobre a matéria, o que evidencia que fisco e contribuintes convivem há décadas com grande insegurança jurídica e histórico contencioso tributário sobre o tema.
O cenário de incertezas é agravado, pois a Receita Federal insiste há mais de 40 anos que somente os incentivos fiscais expressamente concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, denominados “subvenções para investimento”, poderiam ser excluídos da base tributável do IRPJ e da CSLL. Apenas em 2023, já foram publicadas nove Soluções de Consulta da Receita Federal nesse sentido, conforme levantamento realizado pelo Escritório BVZ Advogados.
Assim, sob uma interpretação restritiva e questionável do artigo 30 da Lei nº 12.973/14, os auditores fiscais têm insistido em realizar análises casuísticas de cada legislação estadual que concede o benefício fiscal, para definirem se haverá ou não a tributação.
Ocorre que, diante da subjetividade interpretativa de cada norma estadual, caso os contribuintes decidam excluir unilateralmente tais valores da tributação federal, sem expressa autorização judicial, permanecerão expostos ao risco de sofrerem uma autuação fiscal.
Em que pese as incertezas perante a fiscalização, o fato é que o entendimento do fisco federal está na contramão das últimas decisões dos Tribunais Judiciais e Administrativos (incluindo a Câmara Superior de Recursos Fiscais), que vem se consolidando favoravelmente aos contribuintes.
Em síntese, a interpretação que vem prevalecendo é de que a Lei Complementar (LC) nº 160/17 subtraiu a competência das autoridades fiscais federais de analisar atos normativos estaduais, passando a ser irrelevante qualquer diferenciação entre subvenção de custeio ou de investimento para fins de tributação pelo IRPJ e pela CSLL.
Dessa forma, bastaria o registro da subvenção em conta de reserva de lucros, para utilização na absorção de prejuízos ou aumento de capital social, sendo vedada apenas a sua disponibilização a sócios por meio de reduções de capital ou distribuições de lucros, conforme requisitos contábeis previstos no artigo 30 da Lei 12.973/14.
Especialmente na esfera judicial, o entendimento favorável aos contribuintes havia se confirmado em 2017, no julgamento do Embargos de Divergência nº 1.517.492/PR pela 1ª Seção do STJ, que afastou a tributação do crédito presumido de ICMS pelo IRPJ e pela CSLL, sob o fundamento de que essa cobrança pela União violaria o Pacto Federativo e o próprio conceito de renda ou lucro.
Apesar do posicionamento adotado em relação ao crédito presumido, ainda será necessário aguardar a definição da 1ª Seção do STJ em relação à tributação dos demais incentivos fiscais, pois o tema não está pacificado entre a 1ª Turma e a 2ª Turma da Corte – essa última costumeiramente mais restritiva nessas hipóteses.
Em 2022, por exemplo, a 1ª Turma do STJ afastou a tributação sobre diferimento de ICMS (i.e. a postergação de tributo com redução de encargos) concedido a contribuinte em Santa Catarina, sob os mesmos fundamentos aplicados ao crédito presumido de ICMS.
Por sua vez, a 2ª Turma do STJ, no mesmo ano, autorizou a tributação de isenção fiscal de ICMS concedida a contribuinte no Paraná, sob o fundamento de que essa espécie de benefício seria uma “grandeza negativa”, que nunca foi contabilizada como receita, tal como ocorre em relação aos créditos presumidos de ICMS (“grandezas positivas”), o que ensejaria uma espécie de “isenção heterônoma” vedada pela Constituição.
Apesar das peculiaridades entre os diferentes benefícios fiscais de ICMS, o que se verifica é que independente da natureza todos são renúncias fiscais expressamente equiparados à subvenção de investimento pela LC nº 160/17 e a sua tributação pela União vai de encontro à autonomia dos entes federativos e ao próprio alcance do incentivo concedido pelos Estados. Além disso, por não representarem efetivo acréscimo patrimonial, não configuram hipótese de incidência do IRPJ e da CSLL. Portanto, os mesmos fundamentos já adotados pela Corte Superior em relação ao crédito presumido de ICMS deveriam ser aplicados a outros benefícios fiscais.
Não obstante, será necessário aguardar a palavra final do STJ, que repercutirá tanto para os contribuintes que vivenciam há anos com insegurança jurídica sobre o tema, como para o próprio Ministério da Fazenda na definição de sua estratégia para implementação da política fiscal pretendida.
Fonte: Folha de S. Paulo
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