O novo modelo de financiamento do crédito imobiliário em estudo pelo governo Lula vai ampliar o volume de recursos voltado para o setor. A ideia, segundo apurou o Estadão/Broadcast, é que um valor equivalente a 100% do saldo da caderneta de poupança passe a ser usado para esse fim, com taxas de juros no máximo iguais às atuais. Hoje, 65% dos depósitos são direcionados ao segmento.
Na prática, trata-se de um novo modelo de direcionamento dos recursos da poupança. A ideia é que os bancos tenham de conceder em operações de crédito imobiliário o valor correspondente a 100% do saldo da caderneta.
Assim, a concessão desses financiamentos “liberaria” a instituição para acessar montante equivalente da poupança para uso livre, que pode ser aplicado em operações de mercado com rendimentos maiores – que, por sua vez, financiariam os juros mais baixos para a modalidade habitacional.
As parcelas da caderneta que hoje não são direcionadas ao crédito imobiliário – 20% de depósitos compulsórios no Banco Central e outros 15% de livre aplicação – seriam gradualmente liberadas para chegar aos 100%, à medida que a transição avançasse. Atualmente, o estoque de crédito do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) é de R$ 755 bilhões.
A expectativa é de que a transição seja suave e gradual, em prazo de oito a dez anos, mas os resultados devem ficar evidentes em até dois anos após a implementação. Simulações internas indicam que, nesse período, os recursos para a modalidade dobrariam.
O pano de fundo da discussão é a estagnação da caderneta de poupança, que cresceu menos do que a economia nos últimos anos. O presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, vem afirmando que a mudança nos saldos da modalidade tem caráter estrutural, o que exige a migração para um novo modelo de financiamento do crédito imobiliário.
O cumprimento do direcionamento de 100% do saldo da poupança será avaliado por meio das chamadas “originações de crédito”. Sempre que um valor for contratado, ele contará para o atingimento da meta por cinco anos. Passado o prazo, o montante sai da conta e o banco precisa fazer novas concessões da mesma magnitude para cumprir a exigência de direcionamento.
Também há mudanças na forma de apuração. Hoje, o direcionamento considera o saldo devedor das operações, que conta para atingir o direcionamento. Ou seja, os bancos são obrigados a ofertar novamente o valor amortizado pelos tomadores, que diminui o saldo devedor. Com o novo modelo, as concessões terão de ser refeitas a cada cinco anos, independentemente do saldo devedor.
Como o prazo médio das operações é maior do que isso, na prática, o novo modelo faz com que mais recursos entrem do que saiam do sistema. Ou seja: o crédito imobiliário acabaria superando o saldo da poupança. Assim, os bancos precisariam recorrer a outras fontes de financiamento para cumprir o nível mínimo de exigência, e o modelo forçaria uma transição para fontes alternativas de funding.
Incentivo
Não haverá uma fixação de juros para o crédito imobiliário no novo modelo, que trabalha com um sistema de incentivos. Se um banco conceder menos do que o equivalente a 100% do saldo de poupança, ele terá a diferença retida e remunerada nos mesmos moldes da caderneta de poupança. Como esses juros são menores do que os do mercado, isso gera um custo de oportunidade para a instituição que descumprir a exigência.
Por exemplo: uma instituição que conceder só 80% do valor correspondente ao saldo da poupança em operações de crédito imobiliário teria acesso a apenas 80% desses recursos para aplicação. Os outros 20% seriam congelados, com remuneração inferior à de um título público ou outra operação.
A expectativa é de que esse sistema leve, também, a pelo menos uma estabilidade das taxas do crédito imobiliário. Por um lado, fontes alternativas de funding, a mercado, têm juros mais altos do que a poupança. Por outro, o montante exigido para a originação é considerado alto. A avaliação é de que os bancos não serão capazes de contratar esse volume de operações sem um desconto nas taxas.
Assim, espera-se que pelo menos uma parte dos retornos maiores obtidos com os recursos da poupança sejam direcionados para ofertar descontos nos juros do crédito imobiliário, o que faria com que as taxas fiquem próximas das atuais.
O aumento de oferta, por outro lado, poderia levar a uma redução dos juros. As simulações internas indicam que os resultados, para os bancos, seriam de rentabilidade muito próxima à atualmente obtida com operações de crédito imobiliário.
Transição
A transição para o novo modelo dependerá do ritmo de amortização da carteira antiga. As simulações da equipe que prepara a medida indicam que esses pagamentos somam, em média, 12,5% do saldo devedor ao ano. Por isso, espera-se que a mudança leve entre oito e dez anos para se concretizar totalmente.
Pelo sistema em estudo, se uma instituição cumpre a regra do direcionamento hoje, ela continuará em conformidade quando a transição começar. À medida que a carteira atual seja amortizada, esses recursos passam a ser contabilizados dentro do novo modelo, com prazo de cinco anos.
À medida que a carteira de crédito imobiliário atual desaparecer, avalia-se que haverá espaço para reduzir gradualmente o volume de depósitos compulsórios. Esse processo também será gradual, porque esses depósitos são vistos como instrumentos importantes para a estabilidade financeira.
Com a redução da participação da poupança no funding, a avaliação é de que há espaço para reduzir o compulsório. Os recursos poderiam ser acessados pelos bancos mediante o cumprimento do novo direcionamento.
Algumas operações que hoje são usadas pelos bancos na contabilização do direcionamento, mas não são exatamente de crédito imobiliário, sairiam mais rapidamente da conta. É o caso, por exemplo, dos créditos perante o Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS).
O ritmo segundo o qual essas rubricas serão retiradas vai ser definido pelos reguladores, de forma a não causar sobressaltos para o mercado. À medida que elas deixarem de ser contabilizadas, mais recursos serão direcionados diretamente ao crédito imobiliário.
Construção de novas moradias
As principais modalidades de crédito imobiliário vão ser contempladas no novo modelo de financiamento ao setor, que está sendo desenvolvido pelo governo. Segundo apurou a reportagem, isso inclui a construção de novas moradias, segmento que deve se beneficiar do aumento no direcionamento de recursos.
A liberação imediata da parcela da poupança recolhida sob a forma de depósitos compulsórios, equivalente a 20% do saldo, está descartada. Esses recursos só vão ser redirecionados para o financiamento do crédito imobiliário à medida que a transição gradual para o novo modelo avançar.
Na última terça-feira, 5, representantes da construção civil levaram a Galípolo, a preocupação de que o novo modelo possa reduzir a oferta de recursos para o financiamento à incorporação. O fim do compulsório da poupança também é uma bandeira do setor.
O direcionamento de recursos para a incorporação está garantido, conforme pessoas que acompanham as discussões. A única questão em relação a essa modalidade é o prazo da operação. Pelo desenho do novo modelo, as concessões de crédito imobiliário valem por cinco anos para cumprir a meta de destinar 100% do saldo da poupança ao setor. Como o prazo das obras é menor, pode haver uma calibragem no período de tempo.
Outra demanda do setor, a concessão de taxas mais baixas, pode ser endereçada por meio do aumento da oferta. Em linhas gerais, o projeto prevê que os bancos que ofertarem o equivalente a 100% do saldo da poupança para o crédito imobiliário poderão usar o mesmo montante em recursos livremente, aplicando em operações de mercado cujos rendimentos financiariam juros menores para a modalidade.
Por um lado, fontes alternativas de funding, a mercado, têm juros mais altos do que a poupança. Por outro, o montante exigido para a originação é considerado alto. A avaliação é de que os bancos não serão capazes de contratar esse volume de operações sem oferecer um desconto nas taxas.
Fonte: Estadão
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