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População envelhece, e escolas já têm mais vagas que alunos. Como isso muda a prioridade no gasto público?

Em mais de 60% dos municípios do Brasil, tamanho da turma na maioria das escolas municipais já está abaixo da média da OCDE, mostra estudo. Dados favorecem revisão de gasto obrigatório com educação

postado Assessoria

Com o rápido envelhecimento da população, a demanda por vagas em escolas já não é um problema em muitas cidades do país. Em mais de 60% dos municípios do Brasil, o tamanho da turma na maioria das escolas municipais já está abaixo da média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo que reúne os países mais desenvolvidos do mundo, de 21 alunos por sala.

Além disso, cerca de 30% das cidades já têm a maior parte das instituições de ensino com médias comparáveis à Escandinávia, região que abrange a Dinamarca, a Suécia e a Noruega (15 alunos por turma). Os dados são de um levantamento realizado pelo pesquisador de economia aplicada do Ibre/FGV Daniel Duque a pedido do GLOBO. O estudo considera todos os municípios que têm rede municipal de ensino (5.568), da creche ao ensino fundamental II, com dados até 2023, os últimos disponíveis.

As salas mais vazias são um sinal da queda do número de crianças nos municípios, o que se sobressai principalmente na educação infantil. Com a rápida mudança no perfil da população brasileira, esse fenômeno tende a se intensificar nos próximos anos, o que chama a atenção para a necessidade de repensar a distribuição dos gastos sociais no país, segundo especialistas, em um contexto de escassez de recursos públicos.

O pesquisador aponta, que, para além de redirecionar o foco da despesa na área educacional para a qualidade do ensino, será preciso atender a uma demanda crescente por serviços de saúde e gastos previdenciários.

— São basicamente escolas subutilizadas. Há uma estrutura escolar que tem menos pessoas usando. Isso vai aumentar nos próximos anos, com o envelhecimento da população — argumenta Duque.

Um estudo do Centro de Liderança Pública (CLP) destaca que, de 2023 a 2040, o número de crianças e adolescentes de até 17 anos deve cair cerca de 20%, segundo as estimativas populacionais do IBGE. No mesmo período, o grupo 65+ deve crescer mais de 55%. Marcelo Neri, diretor da FGV Social, avalia que o Brasil vive uma transição demográfica muito rápida:

— Mudanças que demoraram um século para acontecer na França, por exemplo, estão acontecendo no Brasil no curso de 20 anos. Por exemplo, até o final do século, o número de jovens no Brasil, que hoje é de 50 milhões, deve cair pela metade.

Gasto social mais alto

Os orçamentos do governo federal, estados e municípios têm pisos de despesas para educação, além de um fundo voltado para a educação básica (o Fundeb). Na União, é obrigatório investir no mínimo 18% da receita líquida de impostos em educação, enquanto, para prefeituras, o aporte mínimo é de 25% da receita de impostos, incluindo transferências.

Já o Fundeb recebe recursos dos estados e municípios, além de uma complementação federal, que vem aumentando desde 2021, de 10% para 23% no ano que vem. Na saúde, a obrigação mínima de investimento é só para o governo federal, de 15% da receita corrente líquida.

Neri pontua que as necessidades por educação e saúde mudam profundamente com o perfil etário da população. Ele explica que se o Estado transfere R$ 962 por ano para uma criança de 10 a 14 anos em educação, transfere apenas R$ 3 para um idoso em programas educacionais. Já na saúde, a situação se inverte: o gasto com um idoso de 75 a 79 anos chega a R$ 468,50, enquanto com uma criança é bem menor.

— Se você estiver muito amarrado nas despesas mínimas de educação e saúde, essa mudança demográfica vai fazer a gente ficar numa situação indesejável ao longo do tempo — avalia.

Uma alternativa para alcançar mais flexibilidade, segundo Neri, seria juntar os pisos de saúde e educação, possibilitando que os prefeitos possam alocar o recurso nas áreas em que mais precisam. Mas diz que o ideal seria avaliar se o gasto está sendo eficiente.

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Duque concorda e avalia que, no campo da educação, é preciso que o foco principal seja agora na qualidade do ensino, em vez do aumento do número de vagas em escolas. Um dos critérios para a distribuição dos recursos do Fundeb é a quantidade de alunos matriculados. Ele reforça que isso não significa reduzir o gasto por aluno, que pode até aumentar, mas a despesa agregada:

— Se o município está envelhecendo, está reduzindo mais o número de jovens, pode transferir mais recursos para a saúde. O gasto social pode se manter intacto, mas deixando o município escolher qual é a maior necessidade.

Em relação às cidades com mais de 200 mil habitantes, que têm o desafio de atender mais pessoas, Blumenau (SC) se destaca. Segundo os dados do levantamento, em 100% da rede municipal, as turmas têm menos de 15 alunos, em média. De acordo com a prefeitura, são atualmente com 27.439 vagas no ensino fundamental, com 22.887 estudantes matriculados — sobram 4.500 vagas.

Mesmo assim, a o município segue investindo em infraestrutura escolar devido à alta migração para a cidade. “Além disso, a prefeitura tem como prioridade garantir que os alunos estudem próximos às suas residências”, disse, em nota, destacando que a demanda por vagas varia de acordo com a região da cidade.

Outro município de Santa Catarina que chama a atenção é a capital, Florianópolis. Lá, o número de idosos já ultrapassou a quantidade de pessoas de 0 a 14 anos e a rede municipal tem cerca de 4 mil vagas em aberto. “Já conseguimos observar que a tendência é de estagnação (de matrículas) e que a pressão por vagas vem diminuindo na rede”, disse a prefeitura.

Jacareí, no interior de São Paulo, também alcançou a universalidade no atendimento às crianças da educação infantil e do ensino fundamental. A secretária de Educação, Danielli Villar, afirmou que atualmente há 300 crianças esperando para entrar na rede, por preferência dos pais por escolas específicas, mas há 380 vagas disponíveis:

— As creches, que antes eram muito procuradas, hoje conseguem atender plenamente os bairros. Há menos crianças nascendo, principalmente nas áreas centrais e urbanas.

Villar contou que o investimento obrigatório, antes muito utilizado para aumentar a rede de escolas da cidade, agora tem como foco o investimento em tecnologia. Por outro lado, vem aumentando o número de internações de idosos no SUS, segundo informações da secretaria de Saúde de Jacareí. De 2013 para 2024, a alta é de 40%. Os números de idosos da cidade no Cadastro Único para benefícios sociais mais do que triplicou, de 2.869 pessoas para 9.935.

Indicadores de qualidade

Ivan Gontijo, gerente de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação, pontuou, porém, que a essa diminuição no número de alunos não deve ser usada como justificativa para cortes nos recursos destinados à educação. Segundo ele, ao manter os investimentos estáveis mesmo com menos estudantes, o valor gasto por aluno aumenta, o que representa uma grande oportunidade para o país. Atualmente, o Brasil investe cerca de um terço do que gastam os países da OCDE por aluno na educação básica:

— A educação no Brasil não é só acesso, não é só estudantes estarem ali na escola, é também como que a gente consegue melhorar nossos indicadores de qualidade, que ainda são muito críticos. Então, deve ser visto como uma oportunidade de melhoria e não como uma oportunidade de corte de gastos para serem realocados em outras áreas.

Para o economista da XP Investimentos Tiago Sbardelotto, uma opção para aumentar a flexibilidade do piso seria definir um valor mínimo por aluno e permitir a realocação dos recursos que ultrapassem esse valor.

— O envelhecimento vai exigir mais gastos em saúde, e será fundamental rever o piso da educação. A demanda será decrescente, e há uma necessidade premente de rediscutir essa rigidez — frisou Sbardelotto.

A flexibilidade seria importante especialmente considerando o tamanho do Brasil e alta disparidade regional. O levantamento mostra que demanda por vagas na pré-escola e ensino fundamental é menor no Sul do país, onde mais de 10% das escolas municipais têm média de alunos por turma abaixo da OCDE.

Por outro lado, a região Norte tem cerca de 2% das escolas em que o tamanho da turma é inferior à média do “clube de países ricos”. Entre os estados, a tendência é mais clara no Rio Grande do Sul, com quase 15% das instituições de ensino com médias baixas, enquanto o Pará figura na ponta oposta (1,25%).

Fonte: O Globo 

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