A Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), do Ministério da Justiça e Segurança Pública, acolheu uma denúncia feita pela Febraban (Federação Brasileira de Bancos) e exigiu explicações das empresas PagSeguro, Mercado Pago, Stone e PicPay sobre supostas práticas irregulares no parcelamento de compras sem juros.
As instituições são acusadas de estarem cobrando juros dos consumidores de forma dissimulada em um tipo de operação que a Febraban chama de “parcelado sem juros pirata”.
De acordo com a entidade, Stone, Mercado Pago, PagSeguro (pertencente ao Grupo UOL —que tem participação minoritária e indireta do Grupo Folha, que edita a Folha) permitem que seja embutido por estabelecimentos comerciais um adicional de preço nas compras a prazo mesmo a operação sendo registrada como uma compra parcelada sem juros.
Já Mercado Pago e PicPay estariam, segundo a Febraban, concedendo empréstimos aos consumidores, inclusive cobrando juros —mas registrando a operação como uma compra parcelada sem juros, mesmo sem qualquer relação de consumo na compra de bens ou prestação de serviços.
Procurado, o PagBank (marca atual do PagSeguro) negou a acusação da entidade e tratou o episódio como a “continuidade da campanha da Febraban na tentativa de acabar com o produto parcelado sem juros, o que já foi rechaçado pelo Congresso Nacional, pelo CMN (Conselho Monetário Nacional), por varejistas e pelos consumidores.”
Já o Mercado Pago afirmou que está analisando o pedido de esclarecimento da Senacon e seguirá colaborando com a autoridade. No entanto, disse que o caso é “mais uma tentativa de frear a concorrência por meio de uma ofensiva direcionada exclusivamente a empresas que não pertencem a grandes conglomerados financeiros”.
A Stone afirmou que considera a denúncia improcedente, “uma vez que não há qualquer cobrança de taxa ou juros nas operações intermediadas pela empresa”, e que repudia “veementemente qualquer tentativa de inibir a competição.”
O PicPay, por sua vez, diz que não irá se posicionar sobre o assunto.
A Abipag (Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos), que representa empresas como Stone, disse repudiar o uso da expressão “parcelado pirata” e reiterou que a denúncia “deriva de interesses que são contrários à criação de um ambiente de pagamentos mais competitivo e transparente ao consumidor final.”
Além de ter acionado a Senacon, a Febraban também pediu ao Banco Central no fim do ano passado a investigação e punição de empresas do setor por suposta prática fraudulenta nas vendas a prazo.
“Dentro de sua área de competência, o Banco Central rotineiramente avalia a adequação normativa das práticas comerciais, em particular aquelas baseadas no parcelado sem juros, adotadas pelas instituições reguladas”, disse em nota a autoridade monetária, acrescentando que “não opina acerca de instituições especificas.”
Na ocasião, a Abranet (Associação Brasileira de Internet), que representa empresas como PagBank e Mercado Pago, reagiu à denúncia de prática fraudulenta com um manifesto, dizendo se tratar de uma nova tentativa dos grandes bancos de atingir as companhias. Procurada após decisão da Senacon, a entidade reiterou o teor da manifestação.
A Senacon pediu que as empresas apresentem, em dez dias, um relatório detalhando, entre outras informações, como é realizada a cobrança de tarifas e juros, se as tarifas cobradas possuem fundamentação legal, se os consumidores são avisados previamente e se houve restituição de tarifas ou juros.
Após o envio do relatório pelas empresas e da análise pela secretaria, existe ainda a possibilidade de que a Senacon determine a suspensão do suposto parcelado sem juros pirata, sob pena de multa diária de R$ 5.000 em caso de descumprimento das exigências. O órgão afirmou que pode também instaurar um processo administrativo.
“A medida cautelar da Senacon visa proteger os consumidores e garantir a transparência nas operações financeiras. A Senacon atuou com atenção ao caso, observando os prejuízos aos consumidores, mas também consciente do direito à ampla defesa das empresas”, afirmou o secretário Nacional do Consumidor, Wadih Damous, em nota.
A secretaria exigiu também que as empresas prestem informações ao consumidor de forma “adequada, clara e inequívoca”, quanto a “quantidade, características, composição, qualidade, preço e riscos”, de forma que ele possa conhecer “de forma prévia todo o detalhamento das operações realizadas, relacionadas aos pagamentos em crédito e na venda a prazo”.
A Senacon informou também que vai solicitar manifestação do Banco Central, do Conar (Conselho Nacional Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária), do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e de outras instituições.
A discussão sobre a limitação do parcelado sem juros surgiu após o Congresso ter decidido instituir um limite para os juros cobrados no rotativo do cartão de crédito.
Em reação às mudanças, os bancos iniciaram uma ofensiva sobre as compras parceladas sem juros —dizendo que elas são grandes responsáveis pelo aumento da inadimplência e elevam os juros do rotativo (embora não sejam conhecidos estudos independentes que mostrem essa relação).
Empresas de maquininhas de cartão e o setor do comércio refutam essa premissa, e afirmam que a inadimplência no parcelamento com prazos mais longos não é maior que a dos pagamentos à vista.
Em dezembro, o CMN (Conselho Monetário Nacional) regulamentou as regras que foram instituídas pelo Congresso na lei do Desenrola, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em outubro. Desde 3 de janeiro, a dívida de quem atrasa o pagamento da fatura do cartão de crédito não pode mais superar o dobro do montante original.
O texto da lei não faz nenhuma menção às compras parceladas e não manda restringir a modalidade sem juros no cartão. Mudanças no parcelado sem juros, contudo, devem voltar a ser discutidas neste ano, conforme vem sendo sinalizado pelo BC.
Antonio Marcos Fonte Guimarães, técnico da autoridade monetária, afirmou logo após decisão do CMN que o tema voltará a ser avaliado neste ano no contexto do open finance –ecossistema que permite o compartilhamento de dados pessoais, bancários e financeiros entre instituições, mediante autorização.
VEJA O POSICIONAMENTO DAS EMPRESAS NA ÍNTEGRA
PAGBANK
“O PagBank entende tratar-se apenas de continuidade da campanha da Febraban na tentativa de acabar com o produto Parcelado Sem Juros, o que já foi rechaçado pelo Congresso Nacional, pelo CMN (Conselho Monetário Nacional), por varejistas e pelos consumidores.
O produto “Parcelado Comprador” é amplamente utilizado pelo mercado há anos e não inclui a cobrança de juros. O “Parcelado Comprador” é uma calculadora digital que possibilita ao estabelecimento comercial diferenciar o preço de bens e serviços de acordo com o meio de pagamento utilizado e/ou do prazo de pagamento da transação, conforme autorizado pela Lei nº 13.455/17.
Quando o estabelecimento comercial utiliza essa solução e o consumidor opta pelo “Parcelado Comprador”, o valor final total do produto e/ou serviço fica claramente visível ao portador na maquininha de cartão e/ou na jornada de pagamento online, da mesma forma como ocorre em qualquer outra transação. Além disso, o estabelecimento comercial é informado pelo PagBank de que o documento fiscal deve ser emitido com o valor final da venda.
Portanto, não existe cobrança de juros nesse produto. O PagBank cobra do estabelecimento a taxa de desconto (MDR) e a taxa de antecipação, como em qualquer outra transação, parcelada ou não. Quem faz a diferenciação do preço do produto e/ou serviço é o estabelecimento comercial.
É de se estranhar que a Febraban se insurja contra produto utilizado por muito tempo, inclusive pela Cielo (até recentemente), empresa cujos sócios (Bradesco e Banco do Brasil) são bancos afiliados à Febraban.
A Febraban falseia informações à autoridade chamando o produto de “parcelado pirata”, na tentativa de difamar o PagBank e espalhar notícias falsas, razão pela qual o PagBank está acionando em juízo o presidente da Febraban, Isaac Sidnei. O PagBank confia que as autoridades serão firmes na punição desse tipo de conduta anticompetitiva recorrente da Febraban, que tenta provocar insegurança no mercado e entre os consumidores, com o objetivo de manter a concentração bancária e os altíssimos lucros e retorno dos grandes bancos brasileiros, que estão entre os mais altos do mundo.”
MERCADO PAGO
“O Mercado Pago está analisando o pedido de esclarecimento da Senacon e seguirá colaborando com a autoridade, que suspendeu os efeitos da ordem cautelar até que mais informações sejam oferecidas. A empresa reforça que todas as modalidades e condições de pagamento oferecidas estão em consonância com a regulamentação e são apresentadas ao consumidor e ao vendedor com clareza e transparência, prezando sempre pela melhor experiência e apoio ao poder de financiamento do comércio e das famílias.
Considerando que o tema já foi debatido e superado no passado junto à indústria e ao regulador, o Mercado Pago entende que se trata de mais uma tentativa de frear a concorrência por meio de uma ofensiva direcionada exclusivamente a empresas que não pertencem a grandes conglomerados financeiros.”
STONE
“A Stone esclarece que, até o momento, não recebeu nenhum comunicado formal da Senacon e ressalta que considera a denúncia improcedente, uma vez que não há qualquer cobrança de taxa ou juros nas operações intermediadas pela empresa.
Em busca de oferecer soluções completas aos empreendedores, a Stone disponibiliza um software de educação financeira que atua como uma calculadora de taxas. Essa ferramenta auxilia seus parceiros, os varejistas, a precificar seus produtos e serviços, podendo implementar a diferenciação de preços conforme o meio de pagamento e prazo. É fundamental destacar que essa prática está respaldada pela legislação vigente desde 2016, quando a MP 764 foi convertida na Lei 13.455, contando com o apoio integral do Banco Central.
A companhia entende que a diferenciação de preços é um direito dos varejistas, conferindo a eles a autonomia necessária para uma precificação correta de seus produtos e serviços. Esse aspecto contribui não apenas para a transparência nas transações, mas também para a promoção da concorrência saudável no mercado.
A Stone repudia veementemente qualquer tentativa de inibir a competição, pois acredita que somente através dela é possível promover a redução dos juros, e acredita que um ambiente de negócios competitivo estimule a inovação, a eficiência e, acima de tudo, o benefício para os empreendedores.”
ABIPAG
“Ao tomar conhecimento do processo aberto pela Senacon para avaliar a oferta, por credenciadoras e subcredenciadoras, de uma calculadora de taxas ao lojista, para que possa diferenciar preços de bens e serviços conforme meio de pagamento e prazos, a Abipag reitera sua posição de que a denúncia apresentada deriva de interesses que são contrários à criação de um ambiente de pagamentos mais competitivo e transparente ao consumidor final.
A Abipag destaca a importância da oferta com segurança jurídica de soluções de tecnologia que permitam lojistas diferenciarem preço aos consumidores conforme prazo e meio de pagamento, em atenção à MP 764, convertida na Lei 13.455/2017.
Ainda, a Abipag repudia o uso da expressão “parcelado pirata” e a tentativa de distorcer a atuação de players independentes, com o objetivo de imbuir de conotação negativa uma prática legal e amparada por expressa previsão legislativa.
A Abipag permanecerá defendendo todas e quaisquer práticas que estimulem a competição e gerem melhores produtos para os empreendedores brasileiros.”
ABRANET
“Foi divulgado por veículos de mídia a proposição, feita pela Febraban, de representação junto ao Banco Central contra associados da Abranet, por essas empresas independentes estarem supostamente embutindo taxas nas vendas parceladas. Essas associadas à Abranet não foram notificadas de tal representação pelo Banco Central, mas a Abranet desde já vem rebater os pontos noticiados, em mais uma tentativa dos bancões de atingir as empresas independentes.
De fato, esses bancões têm sido sistematicamente derrotados em sua tentativa de restringir significativamente a modalidade “Parcelado Sem Juros” (PSJ). Primeiro, os bancões foram derrotados no Congresso, que rechaçou de forma clara o ataque ao PSJ no âmbito do Projeto Desenrola. Depois, nas discussões para proposta de consenso dos setores com vistas a posterior apresentação ao CMN (Conselho Monetário Nacional), intermediadas pelo Banco Central (conforme previsto na lei aprovada pelo Congresso), a Febraban não conseguiu demonstrar qualquer relação entre o PSJ e os altos juros cobrados pelos bancões (ao contrário, os dados mostram que o PSJ não é causa dos altos juros de cartão de crédito, que chegam a 445% ao ano). Nessas discussões, a Febraban é a única entidade a tentar impor a redução drástica do número de parcelas do PSJ, contra as empresas independentes de maquininhas e o setor varejista, que querem manter essa importante forma de acesso dos brasileiros ao consumo. Há outras propostas para a redução dos juros (como a melhoria dos critérios de emissão de cartões pelos próprios bancos) que poderiam compor o necessário consenso, se a Febraban abandonasse a obsessiva meta de destruir o PSJ.
O “Parcelado Comprador”, referido na representação da Febraban contra associados da Abranet (segundo as notícias divulgadas) é uma ferramenta tecnológica disponibilizada aos estabelecimentos comerciais que permite ao vendedor calcular os valores a receber por suas vendas, de acordo com os diferentes meios de pagamento utilizados, os prazos de pagamento e os custos transacionais envolvidos.
Esta solução, já amplamente utilizada pelo mercado, foi desenvolvida no contexto da Lei 13.455/17, que prevê a possibilidade de o vendedor diferenciar o preço de bens e serviços em decorrência do meio de pagamento utilizado pelo comprador e/ou em decorrência do prazo de pagamento da transação. Ou seja, trata-se do cálculo do preço do produto, que poderá variar de acordo com o instrumento e prazo de pagamento.
Em suma: não conseguindo impor sua agenda de atingir mortalmente o PSJ, a Febraban agora ataca as empresas independentes por meio da representação ao Banco Central. E tudo isso para tentar voltar ao antigo status de dominantes absolutos do mercado, como ocorria antes de as empresas independentes trazerem competição ao mercado, favorecendo milhões de brasileiros.
A Abranet está certa de que o Banco Central do Brasil reconhecerá a legalidade dos procedimentos de suas empresas associadas, dentro do propósito que sempre teve o regulador de fomentar a competição no mercado.”
Fonte: Folha de S. Paulo
www.contec.org.br