O STF (Supremo Tribunal Federal) permitiu nesta quarta-feira (13) que mães não gestantes em união estável homoafetiva possam ter direito à licença-maternidade.
No entanto, apenas uma das mães da criança terá direito a esse benefício, que é de pelo menos 120 dias. A outra terá afastamento equivalente à da licença-parternidade, de apenas 5 dias.
Por maioria, o tribunal fixou uma tese nesse sentido a partir de proposta do ministro Luiz Fux, que terá de ser seguida por processos em todo o país em razão da chamada repercussão geral.
O texto diz que “a mãe servidora ou trabalhadora não gestante, em união homoafetiva, tem direito ao gozo de licença-maternidade”, mas “caso a companheira tenha utilizado o benefício, fará jus à licença pelo período equivalente ao da licença-paternidade”.
No caso de trabalhadores com carteira assinada em companhias que aderiram ao programa Empresa Cidadã, o prazo pode ser de até 180 dias.
“Infere-se pela impossibilidade da concessão do benefício na hipótese abstrata de concorrência entre as mães e a ambas simultaneamente em virtude de uma única criança, devendo a uma delas ser concedida a licença-maternidade, e a outra, por analogia, a licença-paternidade”, afirmou Fux.
Além dele, votaram a favor da tese vencedora os ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin, André Mendonça, Kassio Nunes Marques, Edson Fachin, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso.
Parte dos ministros discordou a esse respeito. Alexandre de Moraes, por exemplo, sugeriu que ambas as mulheres do casal tenham direito ao período da licença-maternidade. Com esse entendimento, também votaram os ministros Dias Toffoli e Cármen Lúcia.
Única ministra mulher na corte atualmente, Cármen Lúcia disse que é preciso a sociedade proteger a criança e a mãe. “O mundo mudou, a vida mudou. Muda tudo, só não muda uma coisa: a mãe. A necessidade dessa proteção, a necessidade de cada vez mais a sociedade contribuir e estar presente para que a gente tenha a garantia não apenas da criança, mas também da própria mulher”, afirmou.
De acordo com o sistema do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), oito processos paralisados no Judiciário estavam à espera da definição do STF sobre o tema. Segundo informações do órgão, o número pode ser ainda maior, levando em conta que os tribunais são responsáveis por abastecer os dados.
O caso que serviu como referência para o julgamento no STF é de um recurso movido pelo município de São Bernardo do Campo (SP), contra uma decisão do Juizado Especial da cidade, que garantiu a licença-maternidade de 180 dias a uma servidora municipal.
Sua esposa engravidou por meio de inseminação artificial heteróloga, em que o óvulo fecundado é da mãe não gestante. Ela é trabalhadora autônoma e não usufruiu do direito à licença.
As instâncias inferiores consideraram que o direito à licença-maternidade é assegurado pela Constituição e por outras legislações e que estas normas devem ser interpretadas conforme os atuais entendimentos sobre união homoafetiva e multiparentalidade.
Também entenderam que o benefício é uma proteção à maternidade e possibilita o cuidado e o apoio ao filho no estágio inicial da vida, independentemente da origem da filiação.
Já o município argumentou que esta interpretação atribuída ao direito à licença-maternidade contraria o princípio da legalidade administrativa e que não há autorização para a concessão da licença nesta hipótese.
Disse ainda que o direito ao afastamento remunerado do trabalho é exclusivo da mãe gestante, que necessita de um período de recuperação após as alterações físicas decorrentes da gestação e do parto.
Um das pessoas interessadas na decisão é Camila Lopes, de 41 anos. Ela e a mulher tiveram uma gestação compartilhada, em que esta recebeu um embrião fruto da inseminação dos óvulos de Camila com o sêmen de um doador anônimo.
Ambas amamentaram —Camila passou por um processo de estimulação de leite com o uso de medicamentos, alternativa utilizada também por mulheres que não conseguem produzir em grande volume.
Ela pediu autorização no trabalho para tirar a licença maternidade de 120 dias, mas lhe foi negada. Por causa disso, o casal entrou com um pedido na Justiça para que as duas pudessem ter direito ao benefício.
A liminar só foi concedida após elas atenderem ao pedido de uma juíza para enviar fotos e vídeo de Camila amamentando, o que ela lembra até hoje como um episódio constrangedor do processo.
A servidora também afirma que sua filha, hoje com 6 anos, também estava abaixo do peso, o que tornou a importância da amamentação maior. O processo ainda não tem uma decisão definitiva.
“Estou apavorada só de pensar nestas consequências e com medo deste julgamento. Por outro lado, fico feliz pelo tempo que ganhei com a minha filha, o que não tem preço. A Justiça precisa reconhecer que somos duas mães e temos direitos iguais. Outras amigas também estão na mesma situação”, afirmou Camila à Folha, antes do julgamento.
O advogado Tulius Fiuza, que defende o casal, afirmou após a decisão do STF que ainda há dúvidas sobre como fica o caso de Camila e se ela sofrerá consequências como faltas durante o tempo da licença ou necessidade de ressarcimento pelo período ausente.
“Ainda não temos certeza, pois há ressalvas no julgado. É necessário aguardar a publicação do acórdão para saber o alcance da decisão, especialmente nos casos em que a mãe não gestante terá ou não o direito a licença”, afirmou após o julgamento.
Fonte: Folha de S. Paulo
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