Cresceu 58,6% o número de aposentados com 90 anos ou mais, que fazem parte do grupo de “superidosos”, nos últimos dez. No mês passado, mais de 594 mil pessoas nessa faixa etária recebiam benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que atende principalmente trabalhadores do setor privado. Os dados, enviados pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) para o jornal EXTRA, indicam que já é realidade o aumento da proporção de idosos no país, recentemente projetado pelo IBGE.
Esse grupo está crescendo quase duas vezes mais rápido do que o total de aposentados, que aumentou 30%, quando comparados os dados deste ano com os de 2014.
Nesse período, mais de 219 mil aposentados chegaram à faixa das nove décadas de idade. Nancy Lomeu, que vive na Cidade de Deus, Zona Oeste do Rio, é uma dessas pessoas. Aos 90 anos, ela usa o dinheiro da sua aposentadoria, recebida há mais de duas décadas, para pagar as contas de casa e os cuidados com a saúde, que ficaram mais caros na terceira idade:
– Como perdi cinco dos meus sete filhos, criei oito netos e dois bisnetos. Além disso, a situação da saúde pública para pessoas da minha idade é muito difícil, mas eu faço um sacrifício para pagar os meus remédios de hipertensão e de problemas do coração, que são muito caros.
Para Paulo Tafner, diretor e fundador do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), o aumento dos gastos públicos com demandas específicas dessa população é uma das principais consequências da maior quantidade de “superidosos”.
– A projeção é que o país tenha mais de quatro milhões de nonagenários em 2060. Já a população brasileira deve parar de aumentar em 2040. Como consequência, os gastos com saúde e previdência social ficarão maiores – afirma.
Tafner, que foi integrante da equipe que elaborou a Reforma da Previdência, defende a capitalização da aposentadoria, em que cada trabalhador faz uma poupança individual, gerida por empresas privadas, para financiar seu benefício:
– Passou da hora do país começar a incorporar o regime de capitalização. Caso contrário, os jovens do futuro terão uma carga tributária altíssima para financiar a previdência e a saúde dos idosos.
Já o doutor em Demografia, José Eustáquio Diniz, questiona a aplicação da capitalização:
– No nosso sistema de repartição, as aposentadorias são pagas pelos trabalhadores. O que fazer com milhões de aposentados na capitalização? E com as pessoas que já estão contribuindo? E aqueles que não têm recursos?
Baixa contribuição
Além do aumento do número de aposentados “superidosos”, outro desafio enfrentado pela previdência social é a gestão do Benefício de Prestação Continuada (BPC/ Loas), concedido a pessoas com deficiência de qualquer idade ou idosos acima de 65 anos que não têm meios de garantir o seu próprio sustento.
De acordo com o Ministério do Trabalho, o país tem 8,6 milhões de jovens de 14 a 24 anos desocupados – os chamados “nem-nem”. Sem contribuições, essa população pode se tornar futuramente beneficiária do BPC/Loas. Diniz avalia que reformas são necessárias para estimular a inserção desses jovens no mercado de trabalho formal, evitando que se tornem futuros beneneficiários do BPC/Loas.
– É preciso fazer uma série de reformas, além da previdenciária, com o objetivo de reduzir a taxa de juros e aumentar a de investimentos, gerando trabalho formal ao grupo de jovens nem-nem e ampliando a contribuição da Previdência Social – explica.
Já Diego Cherulli, diretor do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), aponta que o déficit da previdência tem sido ampliado com a inclusão de algumas categorias profissionais como microempreendedores individuais (MEIs), que por regra, contribuem com uma alíquota de 5% sobre o salário mínimo nacional para o INSS:
– Se alguém ganha R$ 5 mil mensais e contribui apenas como PJ, essa pessoa vai receber na aposentadoria apenas um salário mínimo no momento em que se gasta mais na vida. O MEI acabou se tornando uma fonte de desoneração tributária.
Demanda de profissionais da terceira idade
Considerando idosos com 80 anos ou mais, o aumento médio foi de 3,9% ao ano de 2013 a 2023, quando mais de 4,3 milhões de pessoas estavam nessa faixa de idade. O dado é do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base nos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad).
– Esse estudo, que deve sair em breve, descobriu que o crescimento anual de aposentados que têm a partir de 80 é cerca de duas vezes maior do que o de beneficiários de todas as idades, que cresceu 2,2% por ano – afirma pesquisador Rogério Nagamine Costanzi
Com 96 anos, Ruth Macedo, recebe aposentadoria há mais de três décadas.
– Eu me aposentei com 60 anos. Alguns anos depois, em 1993, eu comecei a receber pensão pela morte do meu marido – afirma.
De acordo com Paulo Tafner, diretor e fundador do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), a ampliação do tempo de vida na terceira idade vai aumentar a demanda por profissionais de diferentes áreas voltados para os idosos:
– Com o aumento dos ‘superidosos’, o país vai demandar mais cuidadores, médicos especializados na terceira idade e investimentos públicos para acomodar os idosos na rua.
Aposentados ‘superidosos’
Juraci de Santana Lima, aposentada, de 95 anos:
– A aposentadoria poderia ser como antes, pois atualmente demora muito para um trabalhador ter direito ao benefício. Eu me aposentei com 54 anos em Cotia, no Estado de São Paulo. Uma idade que considero justa para se aposentar. Durante a minha vida, trabalhei como cozinheira. Apesar das dificuldades, continuo gostando de me divertir, mas não é como antes. As minhas maiores dificuldades atuais são com problemas de saúde e limitações, como as dificuldades com a minha visão. Acho que poderia haver um aumento no valor pago de aposentadoria.
- José Henrique Truffi, aposentado, de 90 anos:
– Eu atuava com vendas e consertos de rádios de carros. Comecei a trabalhar com apenas 14 anos. Por isso, consegui me aposentar com 51, em 1985. Mesmo com a minha idade, tenho uma vida ativa, dirijo, vou ao médico e pego transporte público. A minha maior dificuldade é com a tecnologia, especialmente na hora de pagar contas. Apesar de receber bastante ligações de bancos, eu nunca peguei empréstimo consignado. Na minha casa, em Cotia, no Estado de São Paulo, as despesas são pagas por eu e minha esposa. Além da aposentadoria, eu tenho uma renda extra com o aluguel de um apartamento.
- Nancy Lomes, aposentada e pensionista, de 90 anos:
– Comecei a trabalhar como babá com 15 anos. Eu também trabalhei em lavoura, fazendo plantações e capinando para ajudar meu pai. Após me casar, além de cuidar dos filhos, fiz alguns bicos lavando e passando roupas. Se tivesse contribuído por todo esse tempo, eu teria me aposentado muito mais cedo, mas precisei trabalhar até a casa dos 60 anos para poder me aposentar. Hoje, ganho um pouco mais com a pensão do meu marido. As vezes, recebo telefonemas de golpistas dizendo que meu marido, falecido há nove anos, teria me deixado dinheiro. Eu agradeço e peço para ligarem para outra pessoa.
Fonte: Extra
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