Alice e João estão casados há 20 anos e têm dois filhos, de 17 e 18 anos. Após a maternidade, Alice procurou uma ocupação que exigisse menos horas de trabalho para conciliar o trabalho do casal e os cuidados com os filhos. Seu marido, por sua vez, foi promovido e assumiu uma maior carga de trabalho. Hoje, a diferença salarial entre eles é de, aproximadamente, 20%, refletindo um padrão comum em muitos casais.
Homens e mulheres frequentemente tomam diferentes decisões de carreira. As mulheres, por exemplo, são minoria em áreas mais bem remuneradas, como as carreiras STEM [Science, Technology, Engineering and Maths, em português: ciência, tecnologia, engenharia e matemática], e têm menor participação na força de trabalho, muitas vezes em empregos de meio período.
A alocação do tempo entre atividades remuneradas e não remuneradas têm um efeito importante na diferença salarial entre homens e mulheres. Quando uma pessoa trabalha em tempo parcial, ela acumula menos experiência e tem menor probabilidade de ser promovida. Uma outra diferença é que as mulheres, em média, assumem tarefas que são menos valorizadas na hora da promoção do que seus colegas homens. Assim, homens e mulheres acabam obtendo resultados diferentes.
Segundo a palestra ministrada pela professora da Universidade de Chicago Marianne Bertrand no 5º Encontro da Gefam, que ocorreu no Insper em setembro deste ano, essas diferenças podem acontecer por diversas razões. Uma possível explicação seria a ideia de que as mulheres têm diferentes habilidades e preferências. Seriam elas mais hábeis em atividades de cuidado e menos em matemática? Ou simplesmente não gostam tanto de matemática? Um outro aspecto que pode estar por trás dessas diferenças são os estereótipos de gênero. “As diferentes escolhas são um reflexo de estereótipos poderosos sobre habilidades específicas de gênero e papéis específicos de gênero.”
Os estereótipos de gênero podem ter uma natureza descritiva, ou seja, crenças sobre o que homens e mulheres geralmente fazem (ou como eles geralmente são) e o que eles farão (ou serão).
Na teoria econômica, eles podem se manifestar quando observamos discriminação estatística contra um determinado grupo. Já a psicologia social considera os estereótipos como esquemas cognitivos que permitem uma pessoa a categorizar de forma simplificada e viesada outras pessoas, geralmente sem base racional.
Além disso, a psicologia social destaca que os estereótipos de gênero não são apenas descritivos, mas também prescritivos. As crenças, compartilhadas por homens e mulheres, se baseiam no que cada gênero deve ou deveria fazer (ou como deve ser ou deveria ser). Essa natureza prescritiva dos estereótipos de gênero leva homens e mulheres a ajustarem seus comportamentos e escolhas de vida de acordo com o que é visto como apropriado para seu grupo.
Normas e estereótipos são, muitas vezes, transmitidos entre gerações e internalizados pelos indivíduos. Porém, as sociedades são dinâmicas e, mesmo que lentamente, normas sociais e estereótipos se alteram ao longo do tempo. Políticas públicas e mudanças legislativas podem colaborar quando respondem às pressões da sociedade. É o que observamos em muitos países com a expansão das creches em tempo integral, das leis do divórcio, aborto, violência doméstica, extensão da licença paternidade, entre outras.
Fonte: Folha de S.Paulo
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