Financiar projetos para combater a pobreza extrema e mitigar os efeitos sociais das mudanças climáticas são temas centrais da agenda brasileira para o G20, grupo das vinte maiores economias do mundo. Apesar de haver desafios a serem superados pelo caminho, também há avanços: para a diretora de programa da Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda, Carolina Grottera, as iniciativas climáticas e ambientais deixaram de estar restritas a um nicho sob o governo Lula, sendo bem recebida por muitos agentes interessados em financiá-las.
— Pela primeira vez temos um plano com uma componente ambiental e climática forte liderado pelo Ministério da Fazenda. As políticas ambientais e climáticas deixaram de estar restritas a um nicho. Antes, eram capitaneadas pelos ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura, por exemplo. Agora foram trazidas ao centro do governo. Isso tem acontecido mundo afora frente ao desafio das mudanças climáticas e desigualdade crescentes — disse a diretora, que coordena o plano de transformação ecológica do governo federal, durante o painel “Levantando recursos contra a pobreza e pelo meio ambiente: como financiar a agenda do desenvolvimento justo e sustentável”, em seminário promovido nesta terça-feira pelos jornais O GLOBO, Valor Econômico e a rádio CBN.
Os especialistas discutiram como desfazer o nó do financiamento ambiental, especialmente no Sul Global, e novos instrumentos para atrair capital privado para financiamento verde. Também debateram a responsabilidade dos super-ricos para combater as mudanças climáticas e viabilizar a inclusão social.
Apesar de o Brasil representar uma liderança global ao trazer esses temas para o debate, especialistas observam os desafios para colocar projetos de desenvolvimento justo e sustentável na prática. Grottera citou desafios interno, sobretudo por conta do cenário fiscal brasileiro, para financiar projetos de transição ecológica. Isso porque o Brasil, ao contrário dos países do Norte Global, não tem “os trilhões que eles têm” para financiar tais iniciativas.
— Boa parte dos volumes do orçamento da União fatalmente serão usados pro combate à desigualdade e pobreza, e sobram menos recursos para podermos alocar em outras urgências e crescentes necessidades, que é o combate à mudança climática. Então temos que ser muito criativos nas nossas soluções. Isso está muito claro no eixo de finanças e sustentabilidade.
Ela explica que o papel do governo e do Ministério da Fazenda, nesse aspecto, vai além de simplesmente alocar recursos a diferentes projetos, mas também mobilizá-los pra financiar o planejamento de transição ecológica.
— Não temos um espaço fiscal tão confortável quanto gostaríamos, mas temos instrumentos que ou direcionam a setores estratégicos ou efetivamente alavancam recursos domésticos ou internacionais. Já vimos bons resultados e temos celebrado essas conquistas — disse.
Para o representante do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Morgan Doyle, o Brasil tem um papel de liderança ao trazer a questão da transição ecológica ao centro da discussão durante sua presidência do G20. E o BID, destaca, tem o papel de servir como uma ponte para financiar mais projetos e aproveitar as oportunidades que o Brasil oferece”.
— Queremos criar mecanismos e parcerias com o governo para reduzir as percepções de riscos [a esses projetos] e tirá-los do papel. Porque não adianta apenas alocarmos recursos, temos que ter impacto lá na ponta, a longo prazo, trazer avaliações empíricas do que funciona ou não — diz Doyle. — Nosso papel é ser um parceiro, ter articulação com o setor público e privado para que os projetos tenham sucesso.
Compromisso global
A sócia sênior da consultoria de estratégia e sustentabilidade Catavento, Bruna Mascotte, acredita que há muitos investidores e fundos que têm interesse em financiar projetos do tipo no Brasil, mas o retorno às vezes não é atrativo. Ela explica que um dos desafios para retirar projetos do papel muitas vezes é o alto custo de capital a ser investido, tornando-os inviáveis. É aí que entra o papel do governo, dos bancos e instituições laterais, que podem agir para reduzir o fator de risco para potenciais investidores, destaca Mascotte.
— Nós conseguimos colocar a discussão do financiamento climático no centro das discussões, o que ajuda a obter mais recursos. Mas cada país deve fazer seu dever de casa. O Brasil, como dissemos, está bem posicionado, mas ainda tem onde melhorar, como estabilidade jurídica, a minimização dos riscos de governança e interferência política, para que a gente seja um país interessante aos que queiram investir na gente.
A cooperação global no compromisso com a erradicação da extrema pobreza até 2030, na avaliação do sociólogo e pesquisador do Ipea, Pedro Ferreira de Souza, ficou mais difícil nos últimos anos, sobretudo após a pandemia de Covid-19. Mas ele destaca que o Brasil está numa posição privilegiada para tratar do assunto, servindo de exemplo aos demais países, não apenas no lado orçamentário, como também na implementação de programas destinados ao combate à pobreza, como o Bolsa Família.
Apesar disso, ele defende a necessidade de continuar a priorizar os financiamentos nessa área mesmo que o objetivo de erradicação da pobreza até 2030, com base na agenda de desenvolvimento da ONU, seja alcançado.
—Essa é uma bandeira boa que o país está levantando agora. Mas mesmo que a gente alcance esse objetivo, é preciso continuar pensando nisso — diz o pesquisador. — Se você tem uma rede de proteção social que é ampla e generosa o suficiente, um mercado aquecido para o trabalhador e para evitar grandes crises, a gente tem potencial pra ter resultados muito bons a longo prazo. A pobreza global hoje está cada vez mais concentrada em países que têm muita dificuldade para crescer, especialmente na África subsaariana. E o Brasil tem muito a oferecer como liderança nesse quesito.
Grottera concorda:
— Os olhos se voltaram para o Brasil pela nossa vocação natural e liderança histórica nessa agenda. Claro que G20, COP30 em Belém, ajudam. Vamos aproveitar para fazer o nosso melhor com as oportunidades que se apresentam para nós.
Fonte: O Globo
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