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Governo Lula vê ameaças de greves em série; impactos vão de área ambiental à liberação de remédios

postado Luany Araújo

Com um ano e meio de gestão, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem enfrentado uma rotina de ameaças de greves e mobilizações sindicais. Base de apoio do presidente na campanha eleitoral, diversos setores do serviço público federal têm deflagrado paralisações para reivindicar reajustes salariais. O governo diz que tem oferecido propostas de reajuste pela inflação e reposição de perdas passadas.

Os impactos incluem as áreas de saúde -entidades da indústria farmacêutica veem risco de atrasos na liberação de remédios – e de meio ambiente, em que a fiscalização de crimes como desmatamento e garimpo ilegal podem ficar prejudicadas por conta da mobilização de servidores do Ibama. Em parte das universidades federais, os calendários acadêmicos atrasaram após a greve de docentes e técnicos, que já foi encerrada.

Segundo o Ministério da Gestão e Inovação, há 19 mesas de negociação abertas que reúnem mais de uma categoria. No total, 27 acordos já foram assinados pelo governo, como os servidores PGPE, que atuam na administração pública em geral, e PST, que trabalham, por exemplo, no Ministério da Saúde.

Essas duas categorias representam mais da metade dos servidores federais (categoria tem um milhão de servidores). Ainda assim, a pasta corre para fechar os demais acordos esta semana, a tempo de enviar o Projeto de Lei Orçamentária Anual ao Congresso.

Segundo o Estadão apurou, há a percepção de exagero em parte dos movimentos grevistas. Há avaliação de que, além das propostas negociadas, o reajuste linear de 9% dado a todos os servidores federais no 1ª ano da gestão também deveria ser levado em conta pelos trabalhadores.

O próprio Lula já mandou recados. Em junho, em encontro com reitores das federais, disse que não via razão para resolver a demora da greve dos professores Quase duas semanas depois, os grevistas fizeram acordo com o governo.

Por outro lado, o governo já esperava que, após a gestão Jair Bolsonaro (PL), menos aberto ao diálogo com sindicatos, houvesse tentativa de recuperar o tempo perdido, sobretudo com a posse de um presidente ligado a movimentos sociais.

Responsável pela articulação com movimentos sociais, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macêdo, tem se mantido à parte do tema. A reportagem tentou contato, mas foi encaminhada para a pasta da Gestão e Inovação.

Macêdo tem sido alvo de críticas dentro do governo e sofreu até reprimenda pública de Lula no ato esvaziado de 1º de maio. Lula disse ao ministro que o ato estava “mal convocado”, evidenciando dificuldades do governo na articulação com os movimentos sociais.

Segundo o secretário, não há garantia de orçamento para reajustes em 2025 para quem não fechar o acordo este ano, e, em 2026, o governo estará impedido de conceder acréscimos por ser ano eleitoral. “Não é nenhuma ameaça. É uma realidade”, diz.

À frente das mobilizações, os servidores dizem que muitas áreas do funcionalismo não fizeram movimentos similares sob Bolsonaro por temerem desmonte ainda maior das carreiras. Sob Lula, argumentam que não blindarão o presidente de desgastes só para evitar críticas da oposição.

Luís Gênova, secretário geral do Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Federal de São Paulo, diz que o governo não pode “virar as costas” para sua base. “O que nos levou à greve foi uma situação bastante difícil em que os servidores estão”, afirma.

Saúde

A área da saúde enfrenta atraso em exportações de insumos para produção de medicamentos, lentidão na análise de pedidos e aumento de processos negados. Entidades que representam a indústria farmacêutica alertaram nesta terça-feira, 30, para o risco de desabastecimento de medicamentos para doenças crônicas.

A mobilização de servidores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tem impactado importações dos setor famacêutico a ponto de fazer com que entidades alertem para o risco de desabastecimento de remédios de doenças crônicas. Além disso, farmacêuticas apontam aumento na demora para atender solicitações da indústria e aprovação de produtos. Procurada, a Anvisa não respondeu.

Nesta terça-feira, 30, o grupo Farma Brasil, que reúne 12 laboratórios farmacêuticos, divulgou nota afirmando que a operação-padrão na Anvisa tem feito com que matérias-primas fiquem presas em portos e aeroportos, fazendo com que algumas empresas parem a linha de produção por falta de insumos. Em carta à diretoria da Anvisa no fim de junho, entidades que representam farmacêuticas e laboratórios já vinham listando reflexos do problema.

“O desabastecimento vai afetar o Farmácia Popular. Temos produtos acabados parados há mais de 45 dias em portos e aeroportos e insumos para fabricar produtos para o Farmácia Popular. Medicamentos usados para problemas no coração e anticoncepcional”, afirma Reginaldo Arcuri, presidente do Grupo FarmaBrasil, na nota divulgada na terça.

O Ministério da Saúde afirmou, em nota, que faz o repasse de recursos para o Farmácia Popular conforme a dispensação de medicamentos é eita à população. E disse que as farmácias “têm autonomia para a aquisição dos medicamentos ofertados, bem como a garantia do estoque, conforme negociação com seus fornecedores.”

Na carta à Anvisa, as empresas confirmam os impactos anunciados pelo Sindicato Nacional dos Servidores das Agências Nacionais de Regulação (Sinagências), observando atraso de 15 dias nas aprovações de autorizações para importação. Antes, o prazo era de um dia.

O aumento do rigor técnico e burocratização na análise dos pedidos causa aumento de 30% no número de solicitações de registro negadas pela agência. O documento relata que a Anvisa tem evitado agendar reuniões com as empresas e o prazo para recursos está mais demorado.

As empresas sustentam, que os atrasos têm dificultado e importação de insumos importantes para produzir genéricos, por exemplo. Afirmam ainda que de janeiro a abril a agência analisava, em média, 15 dossiês de submissão de produtos, em maio este número caiu para dois.

Na semana passada, o Sindicato dos Despachantes Aduaneiros de São Paulo também enviou ofício à Anvisa informando que a operação-padrão no órgão tem gerado prejuízos financeiros no âmbito das importações. O cálculo da entidade é de que só em junho as perdas atinjam R$ 3,3 bilhões.

Em 22 de julho, o Sindicato Nacional dos Servidores das Agências Nacionais de Regulação (Sinagências) rejeitou a proposta do governo federal e aprovou paralisação de dois dias em 31 de julho e 1º de agosto. A paralisação das agências, segundo os servidores, pode afetar setores como “controle e fiscalização em portos, aeroportos, o abastecimento de energia elétrica e água”.

A demanda das agências é que os cargos sejam igualados em termos de remuneração também às carreiras do ciclo de gestão, como no Banco Central. A proposta do governo, rejeitada pela categoria, ofeceu reajuste de até 21,4% para os cargos da carreira e até 13,4% para o Plano Especial de Cargos (PEC), divididos em duas parcelas: janeiro de 2025 e abril de 2026.

“A licença de importação de combustível passa pela ANP (Agência Nacional de Petróleo). Ou seja, pode faltar combustível. Se deixar de fazer licenciamento, emitir licença para importação de produtos de saúde e medicamentos não produzidos no Brasil, em uma eventual greve pode começar a faltar suprimentos para a saúde”, diz Yandra Torres, diretora nacional do Sinagências e servidora da Anvisa.

Além da Anvisa, são representadas pelo Sinagências as agências nacionais de Transportes Terrestres (ANTT), a de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a da Aviação Civil (Anac), a de Transportes Aquaviários (Antaq), de Telecomunicações (Anatel), de Águas (ANA), a do Cinema (Ancine), de Mineração (ANM), de Energia Elétrica (Aneel) e a de Saúde Suplementar (ANS).

Meio Ambiente

Com a paralisação do Ibama, algumas áreas ficam prejudicadas como a fiscalização de ilegalidades, o que pode resultar em retrocesso nos índices de desmatamento. A produção de petróleo do País também sente os reflexos do movimento, com redução do faturamento devido a entraves no licenciamento. Procurada, a pasta do Meio Ambiente ainda não comentou.

A greve na área ambiental é uma dor de cabeça para o governo, que tem como uma das principais plataformas zerar o índice de desmatamento até 2030. No ano que vem, o Brasil vai sediar a Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-30), em Belém, quando receberá chefes de Estado do mundo inteiro para debater o enfrentamento à crise climática. A paralisação do Ibama tirou os fiscais do campo, de modo que parte dos ilícitos ambientais, como o desmatamento, não estão sendo fiscalizados.

Levantamento da Associação Nacional dos Servidores de Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema) mostrou queda expressiva nas autuações relacionadas ao desmatamento ilegal na Amazônia. De janeiro a abril de 2023, foram aplicados 2.161 autos de infração, segundo a entidade. Já no mesmo período desse ano foram 389, a queda é de 82%, ainda conforme o grupo. O Ibama não divulgou balanço oficial.

Outro impacto da paralisação é na produção de petróleo. O movimento tem atrasado a emissão de licenças no setor de óleo e gás, causando prejuízos. Em março, três meses após o início da paralisação dos serviços de campo, o setor tinha deixado de faturar R$ 3,4 bilhões, segundo o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP). As estimativas atuais do IBP é de que a mobilização tem impacto de 200 mil barris por dia na produção.

Servidores ambientais do Ibama, que iniciaram o movimento ainda no ano passadoe deflagraram greve em junho. Conforme a Ascema, 24 Estados e o DF aderiram à greve, exceto Mato Grosso do Sul e Sergipe. A escalada da mobilização ocorreu após o governo federal romper a mesa de negociação sob argumento de que chegou ao limite financeiro.

No dia 4 de julho, porém, a Justiça deu liminar para que 100% dos servidores que atuam nas áreas de licenciamento ambiental, gestão das unidades de conservação, resgate e reabilitação da fauna, controle e prevenção de incêndios florestais e emergências ambientais voltem ao trabalho. Caso a decisão seja descumprida, entidades sindicais deverão pagar uma multa de R$ 200 mil por dia. A liminar atendeu a um pedido da Advocacia Geral da União (AGU), que alegou abusividade da greve.

“Na verdade, não queríamos entrar em greve. A greve ambiental, diferentemente de outros setores, só beneficia um lado, que é o lado do infrator, que não quer que a proteção ambiental atue”, afirmou ao Estadão, Cleberson Zavaski, presidente da Ascema.

“Para os servidores e para o governo é prejuízo. Mas nesse momento é uma necessidade extrema a partir do momento que o governo nos empurrou para uma greve por ter rompido a mesa de negociação”, acrescentou.

No último dia 22, a Ascema enviou contraproposta ao governo federal. No documento, a entidade aceita boa parte dos termos do governo, mas pede reajuste para o nível inicial da carreira. Um servidor em início de carreira recebe R$ 9.735,72. A proposta do MGI era de manter esse mesmo valor em 2026. Os servidores defendem, no entanto, que o valor suba para R$ 10.757, 97.

Os servidores abriram mão de uma das reivindicações mais sensíveis da proposta, que pretendia equiparar a categoria aos níveis salariais e de progressão da Agência Nacional de Águas (ANA). A reinvindicação era de que os funcionários do Ibama desempenham funções semelhantes e com remuneração menor. Isso foi deixado de lado na nova proposta.

“A proposta que fizemos para carreiras do meio ambiente estão entre as propostas invejadas pelas outras carreiras. O reajuste proposto para as carreiras do meio ambiente varia entre 19% e 31%”, afirmou o secretário do MGI, José Lopez Feijóo. “Estranhamente essa proposta está sendo rejeitada. É minha obrigação, como dever e transparência, dizer quando chegamos no limite”, continuou, negando que a mesa tenha sido rompida, mas reforçando que essa é a proposta final do governo.

Educação

Caso o governo não resolva o impasse com algumas categorias, poderá ver prejudicadas ainda áreas caras à gestão petista, com eventual atraso de pagamentos de bolsas, repasses para merenda, financiamento da educação básica, além da realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) rejeitaram a proposta do governo e estão em estado de greve. Na prática, isso significa que caso o Ministério da Gestão e Inovação não atenda às reivindicações, uma greve pode ser deflagrada a qualquer momento. Os órgãos são fundamentais para manter a educação do país funcionando.

O FNDE é uma autarquia do governo federal, responsável por gerir políticas públicas do Ministério da Educação e operar os programas da pasta. Uma eventual greve no FNDE poderia atrasar repasses para educação básica como um todo, incluindo pagamento de verbas de merenda por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e do transporte escolar. E gestão de outras políticas, como o Fundeb, principal fundo de financiamento da educação básica; o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies); entre outros.

“Também poderá ocorrer o retardamento da assistência técnica à retomada das obras de reforma e ampliação das escolas, previsto no PAC”, explica Daniel Pereira, servidor do FNDE e coordenador da Seção Sindical do Sindicato dos Servidores Públicos Federais (Sindsep-DF) no órgão.

O Inep, por sua vez, tem como uma de suas atribuições mais importantes a realização de avaliações. É o caso do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), realizado pelo instituto. Em caso de greve dos servidores do Inep, os processos de realização do exame estariam comprometidos. O desempenho dos estudantes no Enem é utilizado pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), principal via de acesso ao ensino superior público.

A proposta do governo às categorias prevê reajuste de 9% em 2025 e 56% em 2026, mas os servidores reivindicam que haja reformulação completa na carreira de modo que passem a integrar o chamado “ciclo de gestão”, como diplomatas, auditores fiscais da Receita Federal, advogados da União analistas do Banco Central.

Os servidores argumentam que o trabalho desempenhado nos órgãos da educação incluem diversas atribuições que vão desde a formulação até a execução, monitoramento e avaliação. Apesar disso, um servidor do FNDE ganha, por exemplo, 40% do que ganha um funcionário que está incluído no ciclo de gestão.

Uma das propostas é de que um servidor com ensino superior no topo da carreira receba cerca de R$ 29.832,94, próximo do salário das carreiras que estão no ciclo de gestão. Com a proposta do governo, no entanto, um servidor com essas características e com qualificação de doutorado receberia R$ 22.211,63.

Segundo os servidores, atender a esse pleito significaria impacto financeiro de R$ 100 milhões, o que corresponde a 0,01% do orçamento do FNDE, que está na casa dos R$ 100 bilhões. No caso do Inep, o impacto seria de R$ 75,6 milhões em 2026, o que representa 4,9% do orçamento de R$ 1,5 bilhão.

O MGI afirma que será agendada nova reunião para analisar a contraproposta dos servidores e tentar chegar a um acordo.

A greve dos docentes federais chegou ao fim, mas deixou alguns reflexos. O principal deles foi atraso do calendário acadêmico nas universidades e institutos. A Universidade de Brasília (UNB), por exemplo, terá 58 dias a mais de aula, com o calendário chegando a 2025 para compensar o tempo em que ficou paralisado. Da mesma maneira, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) vai estender o encerramento do ano letivo até fevereiro de 2025.

Área científica

Os servidores do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) aprovaram na semana passada o “estado de greve”, o que indica que a qualquer momento a categoria pode cruzar os braços. O quadro do CNPq negocia em conjunto com as demais carreiras da área de Ciência e Tecnologia.

Os servidores da área de Ciência e Tecnologia pedem reajuste de 10,32% ao ano em 2024, 2025 e 2026 para compensar as perdas salariais desde 2017. No caso do CNPq, reivindicam ainda a nomeação de todos os 150 analistas aprovados no concurso para o órgão em 2023.

Inicialmente, foram disponibilizadas apenas 50 vagas. Segundo a categoria, ainda não foi apresentada proposta específica para Ciência e Tecnologia, atualmente, os servidores levam em consideração o aumento oferecido em janeiro pelo governo a todo funcionalismo: 0% em 2024, 4,5% em 2025, e 4,5% em 2026.

“Caso a mobilização avance para uma operação padrão ou mesmo uma greve, podem ser afetados cerca de 70 mil bolsistas em centenas de universidades e unidades de pesquisa espalhadas pelo país”, diz a Associação Dos Servidores do CNPq, em nota. De acordo com a entidade, um dos impactos acarretados seria o “atraso de pesquisas fundamentais para o avanço do País”.

Fonte: Estadão

www.contec.org.br

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