Comprar comida e pagar as contas do dia a dia estão entre as principais razões para a população das classes C, D e E tomar empréstimos ao longo dos últimos meses no país, segundo estudo conduzido pelo instituto de pesquisas Plano CDE.
Questionados sobre por que tomaram ou tomariam um empréstimo, entre 45% e 50% dos respondentes das classes C, D e E indicaram que a alimentação e as contas do mês foram ou seriam a principal finalidade. Esse percentual cai para 30% entre as classes A e B.
Considerando todas as classes, 42% afirmam ter alguma dívida em atraso, diz a pesquisa.
“Salta aos olhos essa questão da necessidade dos empréstimos para comprar comida, indicando a situação grave que uma série de famílias enfrenta atualmente”, afirma Maurício Prado, diretor do Plano CDE.
Nesse cenário, acrescenta, é preciso ainda mais atenção com a concessão do empréstimo consignado para os benefícios do Auxílio Brasil, que, em muitos casos, estão contraindo dívidas com juros elevados para a subsistência. “O consignado do Auxílio Brasil só vai fazer com que as famílias se enrolem ainda mais.”
Pagamento de outras dívidas e montar ou investir no próprio negócio também aparecem entre os principais motivos que justificaram a tomada de empréstimos.
Na divisão por faixa de renda, foram consideradas para definir as classes D e E domicílios com renda familiar de até R$ 2.000. Na C2, o intervalo vai de R$ 2.000 até R$ 3.000, e de R$ 3.000 até R$ 6.000 na C1. A AB é formada por lares com renda familiar acima de R$ 6.000.
A pesquisa do Plano CDE, de abrangência nacional, ouviu 2.370 pessoas maiores de 18 anos de todas as classes sociais, entre 26 de julho e 9 de agosto de 2022.
O levantamento aponta ainda que cerca de 50% das famílias tomaram algum tipo de empréstimo no último ano, sendo familiares e amigos a principal fonte para a busca dos recursos entre os mais pobres, seguidas pelos bancos digitais e tradicionais.
Coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV (Fundação Getulio Vargas), Lauro Gonzalez afirma que a combinação de um cenário de crescimento econômico baixo desde meados de 2014 com uma inflação alta e um mercado de trabalho caracterizado pela precarização e a informalidade faz com que o crédito seja cada vez mais utilizado como um complemento à renda da população de menor poder aquisitivo.
“E o crédito como complemento de renda é um caminho quase certo para o superendividamento”, afirma o especialista.
Ainda segundo a pesquisa do Plano CDE, 50% dos participantes nas classes D e E já tiveram de reduzir a compra de comida para pagar uma dívida.
O aumento na carga de trabalho (horas extras, bicos, trabalhos temporários) e a venda de bens (carro, móveis, eletrodomésticos) também costumam ser uma das alternativas mais utilizadas.
POPULAÇÃO RECENTEMENTE BANCARIZADA É CLIENTE DE BANCOS DIGITAIS
O levantamento aponta ainda que cerca de 20% dos entrevistados fazem “alto uso” das contas bancárias (mais de uma vez por mês) há menos de dois anos (público considerado recém-bancarizado), sendo cerca de 80% da população C, D e E.
O estudo indica que a maior parte dos recém bancarizados é formada por mulheres (62%), 50% são negros, e quase a metade desse público (49%) se vale das novas instituições financeiras digitais como o principal banco para acessar os serviços financeiros.
Sobre em quais bancos têm a conta que mais utiliza no dia a dia —uma vez que cada cliente bancário possui três contas, em média—, o Nubank aparece na liderança entre a base da pirâmide, com 28% do total. A fintech também desponta na liderança entre o público AB, com 21%.
“Sempre apostamos na criação de produtos inovadores para facilitar a vida dos clientes. Já chegamos a 66,9 milhões de clientes no Brasil, com distribuição diversificada entre as classes A a E, e 55% têm o Nubank como sua conta principal. Dentro desse universo, estimamos que 5,6 milhões tiveram acesso ao primeiro cartão ou conta através dos nossos serviços. É uma satisfação cumprir um papel relevante de inclusão financeira”, afirmou Cristina Junqueira, cofundadora do Nubank, em nota enviada à Folha.
“O protagonismo dos bancos digitais é muito forte e maior do que imaginávamos, acima até da Caixa no público CDE, que historicamente sempre foi o banco mais usado por essas famílias”, diz o diretor do Plano CDE.
Entre o público que compõe a base da pirâmide, a usabilidade e facilidade de uso (63%), o acesso a cartão gratuito (53%) e a gratuidade da conta (33%) são as principais razões apontadas para justificar a preferência pelos bancos digitais.
O estudo indica ainda que os entrevistados, em especial de menor renda, afirmam que têm uma experiência melhor ao utilizar os bancos digitais na comparação com os grandes bancos, afirma Prado.
Gonzalez, da FGV, diz que, por um lado, o surgimento dos novos bancos digitais é um fator positivo à medida que aumenta a concorrência em um setor ainda altamente concentrado no país. Mas, por outro, pode acabar contribuindo para um aumento do endividamento das classes mais baixas se a oferta de crédito não vier acompanhada de acesso à informação de qualidade que conscientize as pessoas sobre os riscos dos empréstimos dentro de um orçamento apertado.
O levantamento aponta ainda que o Pix se tornou o principal meio de pagamento para cerca de 30% da população, sendo a alternativa mais citada pelo público da classe C, atrás do cartão de crédito na AB, e do dinheiro na DE.
CRIPTOMOEDAS ESTÃO ENTRE PRINCIPAIS OBJETIVOS DE INVESTIMENTO
Entre os brasileiros que conseguiram poupar algum valor no último ano (acima de 60%, mesmo nas classes C, D e E), a caderneta de poupança continua sendo a principal alocação de investimento entre todas as classes sociais, bem como guardar o dinheiro em casa.
Além disso, cerca de 1 em cada 3 brasileiros disse que pretende fazer alguma aplicação na caderneta de poupança nos próximos 12 meses.
Outros 28% gostariam de investir em fundos de investimento, e 27%, nas criptomoedas, com as cripto à frente de opções como ações (23%), títulos públicos e Tesouro Direto (21%) e previdência privada (17%).
Em relação ao público que demonstrou interesse pelo universo das moedas digitais cripto, a pesquisa do Plano CDE indicou que 65% se informa sobre investimentos por meio de influenciadores digitais e 57% não têm poupança para lidar com um imprevisto no valor da sua renda mensal.
Segundo Prado, a oferta de criptomoedas por meio dos mais diversos canais, de fintechs a aplicativos de empresas de transporte urbano, e o nível elevado de volatilidade do ativo, torna premente a adoção de alguma regulação relativa a esse mercado, de modo a aumentar o nível de transparência para os clientes.
O levantamento evidencia ainda o fato de que o principal desafio para aumento a formação de uma taxa de poupança na base da pirâmide é a falta de renda —nos últimos 12 meses, cerca de 50% da população teve gastos maiores do que a renda, sendo 37% nas classes A e B, 48% e 55% nas C1 e C2, respectivamente, chegando a 60% nas D e E.
Fonte: Folha de S. Paulo
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