O Ministério do Trabalho recomendou que a portabilidade no vale-alimentação e vale-refeição seja excluída neste momento por meio da Medida Provisória (MP) que discute o tema, conforme antecipou o Estadão/Broadcast.
A portabilidade é a possibilidade de trabalhador optar por trocar o cartão que recebeu da empresa empregadora por outra bandeira. Os defensores da portabilidade acreditam que a medida é necessária para reduzir as barreiras de entrada nesse mercado e aumentar a competição.
Quem é contra diz que, com a mudança, o mercado seria dominado por grandes empresas do ramo de alimentação e meios de pagamento, prejudicando as prestadoras menores. No segundo grupo, estão as empresas que já operam no mercado, assim como a associação que representa bares e restaurantes, a Abrasel. O mercado gira em torno de R$ 150 bilhões hoje.
O relator da MP, senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), disse que já conversou com o relator revisor, deputado Luiz Gastão (PSD-CE), e que pretende apresentar um relatório equilibrado ainda hoje, a fim de votar o texto amanhã na comissão.
A portabilidade de vale-alimentação no âmbito do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) foi instituída em lei aprovada no ano passado. Também foram instituídos na época a interoperabilidade, que possibilita que todos os tíquetes sejam aceitos nos estabelecimentos, e a vedação – parcial – do rebate, prática em que as empresas de cartões dão descontos para conseguir contratos com os empregadores. Os empregadores recebem dedução fiscal ao participar do programa.
Segundo Marcelo Naegele, auditor fiscal do Trabalho do Ministério do Trabalho, as mudanças foram discutidas no ano passado porque o PAT estava correndo o risco de acabar, pois a prática do rebate estava se traduzindo em um subsídio da renda dos trabalhadores e dos estabelecimentos, que pagavam taxas maiores ao aceitar os cartões, em prol das empresas.
“Prática do deságio se revela um subsídio de renda dos trabalhadores e dos estabelecimentos para empresas, um fluxo invertido”, disse, acrescentando que isso foi apontado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e que é uma falha de governo, não de mercado.
Como o governo Lula não conseguiu regulamentar o assunto até maio, como previa a lei, encaminhou uma MP somente para estender o prazo até o quinto mês de 2024. Mas, no Congresso a discussão sobre as regras do programa, que prevê garantir a alimentação do trabalhador, foi reaberta, especialmente no âmbito da portabilidade.
Hoje, o auditor fiscal do Trabalho no Ministério do Trabalho e Emprego apresentou à comissão criada para discutir a MP a opinião da pasta sobre as mudanças. Quanto à portabilidade, Naegele diz que conversou com o ministro, Luiz Marinho, e que a recomendação é “abandonar” a portabilidade neste momento devido à regulamentação complexa, alegando que outras medidas da lei, como a abertura dos arranjos de pagamento e a interoperabilidade, já podem permitir a redução das taxas cobradas aos estabelecimentos de alimentação – objetivo das mudanças.
“Em virtude da abertura dos arranjos que já pode atingir os objetivos, a ideia do Ministério do Trabalho não era partir agora para portabilidade, era abrir e interoperar o mercado. Se não conseguir, podemos partir para portabilidade, para abrir ainda mais o mercado.”
Um dos temores é de que a portabilidade abra uma “guerra de cashbacks” para que as empresas entrantes atraiam os trabalhadores, o que se traduza em maiores taxas para os estabelecimentos. Há ainda o temor de que o mercado seja dominado por grandes empresas de tecnologia. A Zetta, que representa empresas como Nubank, Mercado Pago e Ifood, defende a possibilidade de o trabalhador escolher o vale que quer utilizar.
Além dessa mudança na lei, o Trabalho recomenda que o rebate seja vedado definitivamente. Segundo Naegele, na legislação aprovada no ano passado, o rebate foi proibido, mas ainda deixou uma possibilidade que sejam pagos benefícios de saúde. “Tem que ter taxa para bancar cashback e rebate”, disse Naegele.
O auditor do Trabalho ainda afirmou que é importante que os mecanismos de interoperabilidade e de portabilidade – se for mantida pelo Congresso – deve ser regulamentada por órgão competente – já que a pasta não seria responsável pela parte de meios de pagamento, apenas pelas regras gerais do PAT.
Reação
Defensores da medida devem tentar impedir a exclusão total do dispositivo que permitiria ao beneficiário optar pela troca de bandeiras de tíquetes refeição e alimentação.
A MP foi enviada pelo governo Lula somente para ampliar o prazo de regulamentação da lei aprovada em 2022, de maio deste ano para maio de 2024. Mas, no Congresso, a discussão sobre as regras do programa, que prevê garantir a alimentação do trabalhador, foi reaberta especialmente no âmbito da portabilidade.
Os defensores admitem, porém, que os posicionamentos parecem já estar muito sólidos. Após a apresentação de Marcelo Naegele hoje, o relator da MP, senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), afirmou que quer apresentar o parecer ainda hoje para que possa ser votado na comissão amanhã.
A tentativa é para que não se feche a porta para a portabilidade, deixando o tema na lei, mas, por exemplo, vedando a efetividade até que haja regulamentação sobre o assunto, sem prazo definido. O argumento é de que o Ministério teria tempo de avaliar os efeitos da adoção da interoperabilidade, que vai permitir que uma mesma maquininha de cartão aceite todos os vales com os quais os estabelecimentos têm contratos.
Na visão de quem defende a portabilidade, a interoperabilidade não resolveria tudo. “Se tiver que fazer outra lei, não vamos fazer mais nada”, disse um interlocutor que acompanha com interesse o assunto.
O próprio auditor fiscal do trabalho do MTE, Marcelo Naegele, indicou que a portabilidade, que demanda regulação mais complexa, pode ser adotada no futuro se as demais mudanças da lei, como a interoperabilidade e o fim do bônus pago a empregadores para fecharem o contrato com as empresas de vale, não forem suficientes para atingir os objetivos.
A pasta identificou que, do jeito que estava organizado, o mercado de benefícios estava funcionando como fluxo invertido, com os trabalhadores e os estabelecimentos comerciais, como restaurantes e mercados, transferindo renda para as empresas por meio das altas taxas cobradas para o uso dos cartões. Os empregadores ganham benefício fiscal ao participar do programa.
Desse modo, o objetivo da mudança é baixar as taxas cobradas pelas operadoras dos vales. Naegele, em participação hoje na comissão mista que discute o tema, disse que as “medidas iniciais” já poderiam levar à redução das taxas, o que poderia gerar economia de R$ 7,5 bilhões.
Estudo da LCA Consultores, encomendado pelo Ifood, que já tem um cartão de benefício que pode ser usado em qualquer estabelecimento que cumpra as regras do PAT, aponta que as taxas hoje giram em torno de 6% a 13% entre as principais bandeiras de VA e VR. Além disso, a análise apontou concentração de mercado de mais de 80% em quatro empresas (Alelo, Ticket, Sodexo e VR), em número de beneficiários, de um total de 440 que atuam como bandeiras de VA e VR.
Cashback e poder de mercado
Um dos temores de quem pede cautela é de que a portabilidade abra uma “guerra de cashbacks” para que as empresas entrantes atraiam os trabalhadores, o que se traduziria em maiores taxas para os estabelecimentos. Há ainda o receio de que o mercado seja dominado por grandes empresas de tecnologia, já com maior poder de mercado.
A Zetta, que representa empresas de arranjos abertos no mercado de benefícios, como Ifood e Caju, além de empresas de tecnologia de serviços financeiros, como Nubank e Mercado Pago, é a favor da possibilidade de o trabalhador escolher o vale que quer utilizar.
A vice-presidente da associação, Fernanda Laranja, repetiu que se o temor é de o cashback virar um novo subsídio no programa, já foi dito ao ministro Luiz Marinho, do Trabalho, que o benefício pode ser proibido. Ela disse ainda que a Zetta já se reuniu com o relator e continua tentando reforçar os argumentos a favor da portabilidade.
“O importante é manter a portabilidade. Retirar a portabilidade que foi amplamente discutida é retroagir em benefícios para o trabalhador. A gente acredita que o relator não vai retroagir retirando a portabilidade da lei”, disse Fernanda Laranja, acrescentando que é melhor aumentar o prazo de regulamentação da possibilidade.
Já as empresas consolidadas no mercado de vales, representadas pela Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (ABBT), apoiaram o posicionamento do MTE. A associação acrescentou que a “guerra de cashbacks” vai criar uma competição desleal e ainda poderia desestimular os empregadores de participar do PAT.
“A medida põe em risco a vida de empresas desse setor de pequeno e médio porte regionais, abalando esses negócios, além de criar incontáveis complicações para as áreas de recursos humanos das empresas que concedem o benefício. A portabilidade causará aumento de custos que, no fim, acabarão sendo repassados ao próprio trabalhador”, disse, em nota.
Da mesma forma, a entidade que representa bares e restaurantes, a Abrasel, se coloca contra a portabilidade e diz que pode trazer prejuízos aos trabalhadores por causa da “guerra de cashbacks”. Ao final, esse benefício seria repassado em taxas para os estabelecimentos alimentícios, que teriam que reajustar o cardápio para dar conta do novo custo.
“O trabalhador não ganha nada, os restaurantes passam um sufoco danado e vão ter que repassar para o cardápio e só são os gigantes disputando os clientes”, disse Paulo Solmucci, presidente da Abrasel, que acredita que a interoperabilidade e o fim de rebate já vão aumentar a competição e reduzir as taxas cobradas pelas empresas de vale alimentação, de 4,5% em média, segundo ele.
Já a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) é a favor de medidas como a portabilidade e interoperabilidade para reduzir os custos do sistema de benefícios, mas acredita que seriam paliativas. A associação apresentou uma proposta para os Ministérios da Fazenda e do Trabalho para excluir os intermediários do PAT, o que eliminaria esse custo do sistema.
A ideia é que seja criada uma linha para o PAT no e-Social, registro digital do governo que busca unificar informações fiscais, previdenciárias e trabalhistas das empresas. Com isso, os empregadores poderiam depositar diretamente o valor do benefício de alimentação e refeição em uma conta do trabalhador, como ocorre com o FGTS, mas, nesse caso, o dinheiro só poderia ser usado, por meio de cartão ou Pix, em estabelecimentos cadastrados no PAT.
“Os ministros ficaram de avaliar. Tem a MP que está para vencer e precisa de definição, mas nada impede que o programa não seja revisado depois da forma correta”, argumentou o presidente da Abras, João Galassi.
Fonte: Estadão
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