O cartão de crédito é um dos meios de pagamento mais utilizados pelos brasileiros, mas muitos desconhecem os detalhes dos benefícios a que têm direito, além dos programas de pontos que se convertem em milhas aéreas. Sem entender as regras, eles têm dificuldade de identificar se seus direitos estão sendo respeitados.
Mesmo os que contratam um cartão de olho nos benefícios não sabem responder a perguntas como: “Comprei passagens esperando ter acesso a salas exclusivas em aeroportos, mas a empresa limitou o benefício. Posso recorrer?” ou “Fiz compras parceladas esperando pontuar alto, mas a operadora passou a oferecer menos pontos. Há violação de direito?”
No início de fevereiro, por exemplo, o Bradesco começou a notificar os clientes sobre mudanças na pontuação do Prime Visa Infinite e do Elo Nanquim. As novas regras passarão a valer em 6 de março, piorando a conversão dos gastos em pontos, mas sem alteração de anuidades.
Ao GLOBO, o banco informou que, hoje, o Elo Nanquim soma 2,2 pontos a cada gasto em real equivalente a US$ 1. Em março, o benefício será de 1,8 ponto por dólar ou 2,5 pontos nas compras no exterior. No Prime Visa Infinite, os atuais 2,2 pontos passarão a valer dois pontos por dólar ou três pontos em compras fora do país.
Na internet, consumidores reclamam. Um deles pediu um Elo Nanquim há duas semanas por causa do programa de pontos e, agora, quer um Visa Infinite, que “sofreu menos” com as mudanças.
O Itaú também mudou a política de pontos do Itaucard Pão de Açúcar Platinum, que era o queridinho dos acumuladores de milhas porque pontuava em real, ao contrário da maioria dos cartões. Este mês, os pontos passaram a ser contabilizados em dólar. Se antes o cliente ganhava um ponto a cada real gasto, agora recebe dois a cada dólar. Segundo o Itaú, as novas condições privilegiam as compras em estabelecimentos do Grupo Pão de Açúcar, onde o Itaucard PDA Platinum oferece cinco pontos a cada dólar gasto.
Para os consumidores, o problema é que as mudanças incidem sobre parcelas de compras já feitas. Clientes com parcelamentos pendentes saem perdendo. O analista financeiro Caíque Franklin, de 25 anos, sente-se frustrado por ter de pagar a mesma mensalidade até quitar todas as parcelas ativas, porém, com menos benefícios:
— Poderia cancelar o cartão, se não fossem os parcelamentos. Pago a mesma anuidade, sem ter os mesmos pontos. Fiz compras em valor alto e só quitei duas faturas. Dado que as demais já entram no sistema novo, perdi metade da pontuação.
A administradora Laís Matos, de 28 anos, estima que deixou de ganhar mais da metade dos pontos previstos ao pagar a fatura de janeiro:
— Minha parcela estava em R$ 5.200. Conseguiria mais de cinco mil pontos pelo regulamento anterior. Pela nova regra, a estimativa é de apenas 40% do montante.
Bruno Cabral, conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), diz que esse tipo de alteração no regulamento é abusiva:
— Se a mudança fosse em favor do consumidor, não haveria discussão, mas a nova regra prejudica. Há uma norma em defesa do consumidor de que o princípio rege o ato, então vale a regra do momento em que foi feita a compra.
Normas têm de ser claras
Ricardo Morishita, professor de Direito do Consumidor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), diz que, pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), uma vez apresentada a oferta, a empresa deve cumpri-la.
— Todas as exceções precisam estar em destaque para o consumidor. Como o combinado não sai caro, o regulamento deveria deixar evidente que, nas parcelas a vencer, vão vigorar as regras futuras. O consumidor ainda pode exigir o cancelamento do cartão por falta de informação. Neste caso, não poderá ser cobrado em relação a parcelas futuras.
No caso do Itaucard, o novo regulamento informa que a empresa pode alterar a política de pontos, desde que os clientes sejam notificados com, no mínimo, 15 dias de antecedência. Mas o documento não explica se parcelamentos podem ser afetados.
O advogado Marcos Vicente não vê erro da empresa:
— A conversão do valor da compra em pontos não se dá no ato da compra, mas do pagamento da fatura.
Em nota, o Itaú alegou que as regras de acúmulo de pontos se aplicam de acordo com a data do pagamento.
Salas vip em aeroportos e outros benefícios são limitados
A Elo também mudou as regras dos cartões Diners Club emitidos pelo Bradesco. Até janeiro deste ano, todos os clientes tinham acesso ilimitado a salas VIP em aeroportos pelo mundo. Agora, contam com apenas oito utilizações anuais, divididas entre o contratante e seus convidados.
Nas redes sociais, clientes reclamam. O argumento mais comum é que viagens, em geral, são planejadas com antecedência, ou seja, os passageiros programaram voos esperando um benefício que foi remodelado.
Logo depois, a Elo anunciou também mudanças na assistência a animais domésticos. Os mais prejudicados foram os clientes do Elo Diners Club. Antes, no pacote Pet Completo, era possível usar o benefício quatro vezes ao ano, para serviços orçados em até mil reais. Porém, a cobertura agora é de até R$ 500, com dois usos anuais, sem funeral.
Procurada, a Elo respondeu que as mudanças foram comunicadas em outubro de 2022 pelos canais de comunicação direta e pela imprensa: “A regra de 8 acessos foi necessária para manter a operação saudável. O ajuste nas regras de uso do benefício para pets foi feito para as variantes Elo Mais, Elo Grafite, Elo Nanquim e Elo Diners Club. É fundamental relembrar: a Elo não tem interferência no valor de anuidade, que é estipulado pelo banco emissor”.
O Bradesco não se posicionou sobre as mudanças no Diners Club até o fechamento da edição.
Benefícios de cartões podem ser aliados
Segundo o especialista em finanças e educador financeiro da Barkus, Rodrigo Bernardo, na hora de fechar um contrato com o banco, os consumidores pensam bastante na isenção de anuidade ou no benefício de ter limites mais altos, mas as milhas também são consideradas importantes.
Ele acredita que, com educação financeira, os ganhos com benefícios associados ao uso do cartão de crédito podem ser maximizados.
— Programas de benefícios com abatimento na fatura a partir do acúmulo de pontos ou cashback, entre outros, podem fazer a diferença no orçamento pessoal. É uma maneira inteligente de usar o cartão de crédito para quem já está em um nível de organização financeira interessante.
Bernardo aponta que, no geral, o cartão de crédito ainda funciona como um empréstimo a curto prazo, porque o salário do trabalhador acaba rápido na quitação de todas as despesas, comprometendo o orçamento no mês seguinte.
Fonte: O Globo
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