Silvia Oliveira, de 38 anos, formou-se em Nutrição no início deste ano, mas continuou em seu antigo emprego como técnica de análises clínicas. Ela não é a única a ter concluído uma graduação e a trabalhar em outra área. Entre os egressos que exercem atividade remunerada, 25,9% atuam em setores diferentes de sua formação acadêmica, e 4,7% ocupam cargos que não exigem nível superior, revela a quarta edição da Pesquisa de Empregabilidade, feita pelo Instituto Semesp e pela Workalove.
Para Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp, os números refletem uma crise econômica que reduziu o número de vagas para recém-formados nos últimos anos e também apontam para a qualidade do ensino nas universidades. Ele destaca ainda o fator da transição de carreira:
— Muitas pessoas estão em transição de carreira, e leva tempo até conseguirem um emprego e acumularem experiência no currículo. Isso é comum entre aqueles que trabalharam durante a faculdade, se formaram e continuam em empregos que não exigem nível superior.
Empregabilidade por curso superior
Foi o caso de Silvia, que usou o emprego como técnica de análises clínicas para custear sua graduação. Ela, porém, quer se dedicar à carreira para a qual estudou:
Não quero ter feito uma faculdade à toa. Quero atuar na área para a qual estudei.
Juliana Genevieve, professora de MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV) e especialista em Carreiras, avalia que o desemprego e a instabilidade no mercado podem impulsionar a diversificação das frentes de trabalho. Ela destaca que a pandemia foi um divisor de águas para muitos, especialmente para os profissionais da Saúde:
— O impacto, a vulnerabilidade, a incerteza e o ritmo vivido de maneira exacerbada durante a pandemia contribuíram para que muitos repensassem suas carreiras. Muitos profissionais tangenciaram suas formações e, agora, se encontram nos bastidores.
A pandemia não levou Leandro Poiani, de 31 anos, para os bastidores. Mas, mesmo recém-formado em Nutrição, ele voltou a trabalhar como auxiliar administrativo, em função da segurança garantida pela carteira assinada em um momento de incertezas:
— Comecei a trabalhar com Nutrição e, quando veio a Covid-19, as pessoas pararam de se consultar. Parei de atender e voltei à área administrativa (…) Penso em voltar à Nutrição, mas depende muito de como o mercado vai se comportar.
Oportunidade em outra área
A proporção de um a cada quatro egressos de curso superior atuando em um setor diferente de sua área de formação pode, em princípio, surpreender. No entanto, para Rodrigo Capelato, do Semesp, esse dado reflete a força do ensino superior. Ele diz que, apesar da retração do mercado para alguns segmentos, é possível conseguir trabalho em outras atividades.
— Hoje em dia, há poucas vagas específicas na área de Engenharia, mas esses profissionais são muito procurados pelo mercado financeiro, pois têm uma formação sólida em cálculos. O mesmo ocorre em Relações Internacionais: o mercado nessa área é muito específico, com poucas vagas, mas a formação abre portas para uma série de oportunidades em setores jurídicos e empresas que atuam no comércio exterior — exemplifica.
Fabio Maeda, diretor B2C e de Produtos da Catho, avalia que a relação entre formação acadêmica e carreira tem se tornado mais flexível, acompanhando as mudanças no mercado de trabalho.
— Hoje, podemos falar que o mercado valoriza cada vez mais as habilidades práticas, as experiências diversificadas e as competências comportamentais, que complementam a formação de uma forma diferente e trazem mais inovação para as atividades desempenhadas — comenta Maeda.
Capelato destaca que a área financeira é uma das “mais fortes e a que mais atrai profissionais de outras áreas”. Além disso, ele comenta que com a mudança de área de atuação é comum que as pessoas optem por realizar uma pós-graduação:
— Quando essas pessoas decidem migrar para outra área, é comum buscar uma pós-graduação ou um MBA específico para a nova área de atuação. Isso ocorre, por exemplo, com muitos profissionais que acabam indo para o ramo comercial, mas que não têm as ferramentas necessárias para se destacar. Portanto, acredito que esse é o caminho natural para muitos profissionais.
Chance de se redescobrir
A possibilidade de trabalhar em outro setor oferece ao profissional a chance de se redescobrir. Outra alternativa é buscar campos que vão além da tradicional área de atuação da profissão.
Formada em Direito desde 2016, Cita Barcellos, de 37 anos, trabalha atualmente no Tribunal de Justiça, mas como auxiliar administrativa. Após ser reprovada na prova da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ela diz ter ficado desmotivada, mas chegou a atuar como bacharel em um escritório. Antes de conquistar o emprego que tem hoje, passou por diversas experiências: trabalhou em uma imobiliária, foi vendedora e recepcionista.
Desde o ano passado, no entanto, Cita se dedica aos estudos para concursos públicos, com o objetivo de retornar à área de formação. Ela, porém, não pretende advogar:
— Minha esperança é passar em um concurso e voltar ao Direito, mas como concursada. Advogar, eu percebi que não era a minha praia. Depois que eu não passei na OAB , ficou claro que não era isso o que eu queria — comenta.