Webb, que vem ao Brasil em junho, é fundadora e CEO do Future Today Institute (FTI) e lançou recentemente a 17ª edição do Tech Trends Report, um material que analisa quase cem possíveis cenários futuros.
Em comum, eles têm o fenômeno de “superciclo tecnológico”, um período de grande produtividade e mudanças impulsionadas por inovações, como foi a máquina a vapor na Revolução Industrial. Webb diz que, desta vez, o ciclo é guiado pela convergência de três tecnologias: inteligência artificial (IA), biotecnologia e sistemas de dispositivos conectados.
O pior cenário possível, ela prevê, não serão os robôs assassinos temidos por Elon Musk, e sim a demora das empresas em abraçar IA, embora ela já veja estragos causados pela tecnologia. Em entrevista à Folha, falou também de Brasil, China e dos erros mais comuns cometidos, incluindo pelas empresas de mídia.
Webb estará em São Paulo em 27 de junho no palco principal da Febraban Tech 2024, evento de tecnologia e inovação do setor financeiro.
O que significa ser uma futurista quantitativa? Existe diploma para isso?
O termo futurista existe há muito tempo, uns cem anos. Existem diferentes tipos. No FTI, nos diferenciamos por utilizar mais dados, fazemos muitas pesquisas profundas e nos especializamos em tecnologia.
Muita gente que faz esse tipo de trabalho de previsão tem algum tipo de formação em economia ou teoria dos jogos, esse tipo de coisa, em que há um pouco mais de ênfase nos dados do que em entrevistar especialistas. Dá para obter um diploma em previsão estratégica em alguns lugares nos EUA. É comum em toda a Europa, e meus colegas e eu ministramos um curso sobre isso na Stern School of Business, da Universidade de Nova York.
Como você usa teoria dos jogos em sua metodologia de previsão estratégica?
Testamos muitas variáveis ao mesmo tempo para ver quais seriam os resultados plausíveis. Isso porque hoje as coisas estão tão interligadas que qualquer variável tem a possibilidade de impactar todo o resto. Sempre foi assim, mas em 2024 a tecnologia desempenha um papel muito maior. A tecnologia não é determinante e algumas das regras sociais foram quebradas, as pessoas já não confiam necessariamente em suas instituições, por isso há muito mais variáveis em jogo.
Quando grandes empresas e governos pensam em IA, quais são os erros mais comuns?
Quando as empresas falam em IA generativa, na maioria das vezes, estão falando em automatizar fluxos de trabalho para serem mais eficientes. É um caso estreito do uso da tecnologia, ignora muitas outras possibilidades.
Outro erro comum é achar que dá para usar IA apenas para se livrar de funcionários. Ouço muito isso em finanças, especialmente no setor bancário. Às vezes também em seguros. E a pergunta mais frequente é: quando?
Outro erro são empresas de mídia que acreditam que licenciar seu conteúdo trará um novo fluxo de receitas sustentável. É um negócio ótimo para elas a curtíssimo prazo. Mas e depois que seus arquivos forem usados para treinar modelos?
A agência Associated Press fez isso com a OpenAI, a revista People também. É uma péssima ideia a longo prazo. A OpenAI tem a capacidade de gerar receita com base nos dados.
Custa muito treinar um modelo, então eles estão investindo, mas também custa muito fazer todas essas reportagens.
Vejo muitos mal-entendidos fundamentais. Outra questão é que muitas empresas simplesmente não sabem que tipo e que dados possuem. E se ou como deveriam usá-los.
Qual sua familiaridade com o cenário empresarial do Brasil?
Tenho uma relação muito próxima com o Brasil. Já estive antes, estou muito feliz em voltar. O Brasil está numa situação interessante. É uma das economias mais importantes do mundo, mas as empresas que construíram sua economia são do século 20, estão muito enraizadas na mineração e na agricultura. Essas indústrias poderiam ser atualizadas com tecnologia, mas é preciso estar disposto a fazer mudanças. Pode ser um desafio para muitos líderes empresariais assumir esse tipo de risco estratégico.
Olhando de fora, minha opinião é que Jack Welch [executivo que expandiu a GE nos anos 1980 e 1990 e foi eleito o ‘gestor do século’ pela Fortune em 1999] segue bem vivo no Brasil, é ainda uma grande influência. Muitos líderes olham para IA como uma forma de melhorar os resultados financeiros através de cortes. Me preocupo que, quando decidirem fazer essa mudança, farão a mesma coisa, como uma IA Jack Welch, cortar, cortar, cortar, em vez de usar IA para criatividade.
Como as empresas brasileiras podem aproveitar esse superciclo tecnológico?
O Brasil deveria ser líder mundial em inovação agrícola porque o Brasil tem mais a perder. Grandes empresas brasileiras são desafiadoras. Vejo desejos de fazer inovações, mas na minha experiência não há disposição para correr riscos.
Conheci muitos líderes incrivelmente criativos e inteligentes no South by Southwest. Parece que todo ano metade do Brasil vai para SXSW. São muitos brasileiros! De alguma forma, essas pessoas com grandes ideias e novas perspectivas deveriam se reunir e fazer acontecer esse ciclo de inovações.
Fonte: Folha de S. Paulo
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