A Justiça de São Paulo expediu um mandado de busca e apreensão contra uma agência do Banco do Brasil. A decisão foi tomada após a recusa da instituição em fornecer documentos para a investigação de uma suposta fraude envolvendo pelo menos meio milhão de reais na conta de uma cliente.
No ano passado, a Polícia Civil de São Paulo abriu um inquérito para apurar o caso. A família da aposentada Vânia Cerri, de 78 anos, descobriu movimentações atípicas feitas desde 2014 em sua conta bancária, em que foram firmados consórcios e empréstimos sem seu consentimento.
O juiz Tobias Guimarães Ferreira determinou, na última sexta-feira, 5, que sejam apreendidos numa agência do Banco do Brasil no centro de São Paulo extratos da conta corrente e da poupança da cliente, além de todos os contratos de consórcios, empréstimos e financiamentos firmados no nome da vítima. Os documentos, pedidos pela família de Vânia, podem servir para esclarecer quem movimentou a conta da cliente sem que ela soubesse.
Na decisão, Ferreira menciona a “inércia” do Banco do Brasil para o envio dos documentos requisitados e “indícios de crime e desobediência” relatos ao banco.
Em nota, o Banco do Brasil diz que “pauta sua política de relacionamento pelos princípios da transparência, legalidade e ética”.
“Oferecemos produtos e serviços adequados às necessidades, aos interesses e aos objetivos de clientes e usuários de cada segmento de mercado. Além disso, oferecemos orientações e informações claras, confiáveis e oportunas, explicitando, inclusive, direitos e deveres, responsabilidades, custos ou ônus, penalidades e eventuais riscos existentes na execução de operações e na prestação de serviços para permitir aos clientes a melhor decisão nos negócios, considerando o seu grau de vulnerabilidade, perfil e comportamento de consumo. Sobre o caso específico, por conta de processo judicial em andamento, o BB resguarda seu direito de se manifestar em juízo”, informa a instituição.
O banco também diz que tem colaborado com as investigações e que prestará os esclarecimentos à Justiça, diante da recente decisão proferida no inquérito policial. “Esclarece, ainda, que agiu prontamente com o ressarcimento dos prejuízos suportados pela cliente, o que foi reconhecido por sentença proferida em ação indenizatória por ela ajuizada”, afirma.
A nota faz referência a um pagamento feito pelo Banco do Brasil à cliente, “que contempla as quantias pertinentes às operações contestadas, bem como a correção e juros atrelados, o que demonstra a ausência de necessidade de se recorrer ao Judiciário, para buscar ressarcimento já assegurado extrajudicialmente”.
Os advogados da família dizem, no entanto, que o depósito, chamado de acordo extrajudicial pela empresa, nunca foi combinado com a cliente. A versão é compartilhada por um dos próprios gerentes do banco, que ajudou a mediar o caso. Em um depoimento à Polícia Civil anexado ao processo, ele afirma que a família da cliente contestou os valores de ressarcimento e não aceitou a proposta feita pelo banco, “porém, o Banco do Brasil creditou o valor apurado na conta de Vânia”.
O caso se arrasta há pelo menos uma década. A família alega que a conta da idosa foi alvo de uma série de empréstimos consignados, contratações de consórcios, saques e movimentações financeiras sem o consentimento da correntista. Com dois acidentes vasculares cerebrais (AVC) nos últimos oito anos e diagnóstico de Parkinson, Vânia não anda sozinha, alimenta-se por aparelhos e é considerada incapaz desde 2020.
O Estadão teve acesso ao processo em que constam as provas reunidas pela defesa. Há indícios de inconsistências nos extratos bancários e na grafia das assinaturas de Vânia para a efetivação dessas operações, o que apontaria para uma falsificação. Outro ponto são as movimentações ocorridas na conta fora do horário de expediente do banco e até numa data em que a aposentada estava hospitalizada, em 25 de julho de 2019, de acordo com a família.
As movimentações deixaram um rombo na conta que derrubou a avaliação de crédito da correntista e levou a um endividamento junto ao banco cujo montante a família desconhece, segundo os advogados.
Com isso, a categoria do plano de saúde da Vânia — do qual ela depende para seu tratamento — sofreu um rebaixamento pelos prejuízos que teria auferido em razão das fraudes, além dos cartões bloqueados e limites de crédito cancelados. Seu nome chegou a ser negativado no Serasa, plataforma referência na análise de crédito.
Uma perícia contratada pela família calculou um rombo de R$ 579,9 mil entre 2015 e 2020, mas a família diz acreditar que o valor ultrapassa R$ 2 milhões, já que o levantamento se limitou a extratos conseguidos pelos técnicos — existe uma suspeita de que esse tipo de operação começou a ser feito muito antes. Há, por exemplo, registros de três consórcios firmados em 2010 e 2011 no valor total de R$ 76,7 mil que não entraram no cômputo.
Entre as suspeitas da família está a de que as movimentações dizem respeito a negócios que a aposentada não faria. Com limitações de mobilidade, Vânia tem em seu nome firmados consórcios de motocicletas e quadriciclos, por exemplo. Foram ao menos 17 consórcios somando cerca de R$ 655 mil.
O Banco do Brasil vinha se negando a fornecer os contratos supostamente assinados pela aposentada que podem comprovar uma fraude ainda maior. No fim de novembro, a promotora de Justiça Ingrid Maria Bertolino Braido, da 16ª Vara Criminal do Foro Central da Capital, se manifestou favoravelmente ao envio de um ofício ao banco determinando a entrega dos documentos.
O caso respingou no CEO do BB Consórcios, braço da empresa para o segmento, Marcel Kitamura. Ele prestou depoimento como testemunha em dezembro no âmbito do processo cível. Um inquérito criminal também tramita.
Na diretoria da empresa desde 2006 e ouvidor externo do banco até 2022, Kitamura foi mantido em cópia nos e-mails trocados entre a gerente geral da ouvidoria, Joice Folgati, com familiares da correntista sobre o assunto. A gerente da agência da correntista Adriana Yuke também consta no rol de testemunhas.
O banco reforça que Kitamura e Joice compareceram à audiência por atuarem na ouvidoria da empresa na época em que a reclamação foi efetuada, e que “convém destacar que eles foram indicados como testemunhas em juízo pela própria cliente, para contribuir no esclarecimento do caso”.
Fonte: Estadão
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