A classe média foi quem mais perdeu rendimentos durante parte da pandemia do coronavírus, o que levou ao aumento da desigualdade de renda no Brasil. Entre os mais pobres, os rendimentos mantiveram-se praticamente inalterados, graças principalmente ao pagamento do Auxílio Emergencial.
No período, foi mantida a tradicional concentração de rendimentos em estados mais ricos e em áreas do Distrito Federal, onde há preponderância de funcionários públicos bem pagos e com estabilidade no emprego —apesar de a maioria, com exceção dos militares, estar sem reajuste salarial desde 2017.
Segundo dados inéditos da FGV Social com base em declarações de Imposto de Renda de 2020 e pesquisas do IBGE, a classe média (brasileiros localizados entre os 41% mais pobres e os 10% mais ricos) perdeu 4,2% de sua renda no primeiro ano da pandemia.
No 10% mais rico, muitos deles moradores de áreas abastadas do Distrito Federal (como Lago Sul e Lago Norte) e de cidades tradicionalmente ricas como Nova Lima (MG), São Caetano do Sul (SP) e Florianópolis (SC), a queda nos rendimentos foi bem menor, de 1,2%. Entre os 40% mais pobres, houve praticamente estabilidade (ganho de 0,2%).
Segundo Marcelo Neri, diretor da FGV Social, ao contrário do que se imaginava, em função do Auxílio Emergencial que chegou a até 67 milhões de pessoas, a desigualdade de renda não caiu no país no primeiro ano da pandemia —mas foi puxada para cima por conta do empobrecimento da classe média.
Utilizando o mesmo método que o economista francês Thomas Piketty, autor do best-seller “O Capital no Século 21”, e unindo a base de dados do IRPF à da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, a FGV Social calcula que o índice de Gini chegou a 0,7068 em 2020, bem acima dos 0,6013 calculados pelo IBGE, que usa apenas a Pnad Contínua. Para o cálculo do Gini, quanto mais perto de 1 o índice, maior a desigualdade.
Segundo Neri, o IRPF consegue captar melhor a renda proveniente de ganhos de capital, como os lucros no mercado financeiro ou distribuído pelas empresas, inclusive das pessoas jurídicas que declaram via Simples. Por isso, traz mais realismo para o rendimento dos mais ricos.
Pela abordagem usual, o Gini teria caído de 0,6117 para 0,6013; já na combinação de bases, o indicador sobe de 0,7066 para 0,7068.
O trabalho da FGV Social também buscou identificar a localização geográfica dos grupos mais abastados no país. Tal como em estudos de pobreza, há comparação da renda dos mais ricos em relação ao conjunto da população e o cálculo da renda média da população (por estados e municípios) levando-se em conta os rendimentos de declarantes do IRPF divididos pela população —de forma a identificar os locais mais ou menos ricos.
“O objetivo é saber qual é a riqueza de toda população, não apenas dos mais ricos entre os ricos”, afirma Neri.
Com grande concentração de funcionários públicos, o Distrito Federal ocupa o topo no ranking da renda média entre as unidades da federação: R$ 3.148. É mais que o dobro da renda média nacional (R$ 1.310) e está bem acima do estado de São Paulo, região economicamente mais dinâmica do país, com R$ 2.093.
O Distrito Federal também é a Unidade da Federação com a maior declaração de patrimônio por habitante (R$ 95 mil), liderada pelo Lago Sul (R$ 1,4 milhão), que também apresenta a maior renda média do país (R$ 22.583).
Outras cinco áreas do Distrito Federal, como Lago Norte, Park Way e Jardim Botânico, têm renda média superior à da mais bem colocada cidade do país, Nova Lima (MG). Desde pelo menos 2018 a cidade mineira ligada à extração mineral e sede de vários condomínios de luxo aparece no topo dos municípios mais ricos.
Segundo a FGV Social, dentre os 19 municípios mais ricos, a maior variação de renda entre 2019 e 2020 foi encontrada também em Nova Lima (22,38%). Uma das hipóteses é que a alta dos preços das commodities até a pandemia tenha influenciado no aumento da riqueza da cidade mineira, assim como de outras mais dependentes dos setores mineral e agrícola.
Na contramão está São Paulo, onde a renda caiu 12,8%. A hipótese aqui é que isso tenha ocorrido pelo fato de a cidade concentrar grandes parcelas da classe média.
Estudos de outras consultorias vêm mostrando que o encolhimento da classe média ocorre ano após ano. Segundo levantamento da Tendências, as chamadas classes C e B (renda familiar entre R$ 3,1 mil e R$ 23,2 mil) foram reduzidas de 47,6% da população para 41,6% entre 2012 e 2022.
Fonte: Folha de São Paulo
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