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Dívidas consomem mais renda de mulheres, que se veem tentando estender orçamento mensal

postado Assessoria

Quando o salário da arquiteta Aline Pinheiro, 41, cai na conta, ela se vê em um ciclo difícil de sair: tem que usar quase toda sua renda para pagar dívidas. “É viver só para pagar a conta”, diz. Ela faz parte de uma gama de mulheres que estão endividadas, acumulando responsabilidades e com um salário menor.

Um levantamento da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) mostrou que as dívidas estão consumindo mais o orçamento das mulheres: 30,5% da renda mensal delas estavam destinados a quitar empréstimos em janeiro de 2024.

O número é o maior desde maio de 2021, início da série. Enquanto isso, a parcela da renda dos homens para pagar dívidas é de 30,3%.

Os dados fazem parte de um recorte da Peic (Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor), da CNC, feita com aproximadamente 18 mil consumidores das capitais do Brasil e Distrito Federal.

Foi no cartão de crédito que Pinheiro encontrou problemas. Sua renda estava comprometida com empréstimo consignado e, na tentativa de cobrir um santo para descobrir outro, ela se enrolava com as parcelas.

As coisas começaram a desandar em 2016, após sofrer um acidente de carro quando ainda o estava financiando e tinha acabado de comprar uma casa. “Eu tive prejuízos imensos”, diz ela, que também é servidora pública.

O endividamento foi um dos fatores que levou a arquiteta a transtornos como ansiedade e depressão —hoje ela está de licença médica. A área financeira, como apontou o relatório “Esgotadas”, da ONG Think Olga, é a que mais gera impacto na sáude mental das brasileiras, que se sentem sobrecarregadas. O estudo mostra que são as mulheres negras as mais insatisfeitas com essa situação.

A evolução na estrutura familiar, caracterizada pelo aumento de mulheres liderando lares e assumindo maior responsabilidade financeira, também é uma das causas desse endividamento.

Um estudo do FGV-Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) revela que, de 2012 a 2022, o número de domicílios liderados por mães solo aumentou em 17,8%, saltando de 9,6 milhões para 11,3 milhões.

Enquanto isso, a disparidade salarial persiste, com mulheres ganhando menos que homens. Segundo dados do IBGE no ano passado, a diferença entre os salários é de 22%.

“Frequentemente isso leva mulheres a optarem por posições mais flexíveis ou buscarem a informalidade, visando conciliar suas responsabilidades profissionais com demandas pessoais e familiares”, afirma Úbida.

“Diante do salário menor, as mulheres dedicam mais esforços e alocam fração mais significativa de sua renda para cobrir um mesmo valor de dívida.”

Mulheres também seguem em busca de qualificação para despontar no mercado de trabalho, mas a educação é outra área que gera muitas dívidas. A Nasdaq mostra que mulheres têm sete vezes mais chances de assumir empréstimos estudantis de alto valor. Essa tendência, segundo Úbida, serve de alerta para o Brasil.

Elas são, por exemplo, a maioria dos beneficiários do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), programa do Governo Federal. Dos 205.177 inscritos no programa no primeiro semestre de 2023, 67% eram do gênero feminino (139.209). Para a economista, isso evidencia uma continuidade no padrão de maior endividamento feminino que pode se estender ao futuro.

A especialista em finanças pessoais Carina Morais lança luz sobre outro aspecto que pode gerar mais dívidas na vida das mulheres: o divórcio. Ela afirma que vê muitos casos em seus atendimentos de mulheres que acabam responsáveis por todos os cuidados e despesas dos filhos.

Foi o que aconteceu com sua própria família quando seus pais se separaram —vendo sua mãe lidando com o dinheiro, ela se inspirou a se especializar em finanças.

“A mulher que se vê nessa situação e a que não tem uma reserva financeira, não sabe se planejar e cuidar do dinheiro, vai certamente entrar no endividamento.”

O cuidado consigo mesma também toma conta da renda das mulheres. Pinheiro conta que sua profissão sempre exigiu uma boa aparência, o que a fazia gastar sem pensar muito. “Isso acaba refletindo no nosso orçamento, porque a gente tem que estar sempre com unha feita, com cabelo em dia, com uma roupa legal.”

A arquiteta também sempre queria agradar os sobrinhos, comprando presentes aqui e ali. “Tudo isso contribui para o endividamento, além da desorganização financeira. O custo de vida ser mais alto, com a renda menor, tem a probabilidade de fazer essas mulheres se endividarem mais”, diz Morais, a administradora financeira.

Foi ela quem ajudou Pinheiro a repensar tais atitudes e a ajudar a reorganizar suas dívidas após ser vítima de um golpe do consignado. “É importante que a gente procure ajuda e apoio porque tem saída, tem solução. Para a gente não é fácil, as mulheres se sobrecarregam e acham que pode carregar o mundo nas costas”, diz a arquiteta.

O conhecimento financeiro seria uma das chaves para evitar a inadimplência e facilitar a gestão de suas finanças. “A principal dica é buscar informação”, diz Morais. “Além de anotar gastos, essa mulher precisa analisar o seu orçamento, entender o que está acontecendo na sua vida financeira, fazer um diagnóstico financeiro.”

Além das ações individuais, Úbida, a economista, afirma que são cruciais as iniciativas públicas e privadas para ampliar o acesso das mulheres à informação financeira e oferecer melhores condições para a quitação de dívidas. Porém, elas levam tempo. A curto prazo, o planejamento é a melhor saída.

“É vital compreender como a dívida será paga, quanto precisa ser economizado mensalmente e em quanto tempo a dívida pode ser totalmente quitada”, afirma.

Fonte: Folha de S. Paulo

www.contec.org.br

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