Trabalhadores resgatados de caso análogo à escravidão em vinícolas no Rio Grande do Sul, em fevereiro, devem ser assentados em fazendas de criação de cabra no interior da Bahia.
O projeto “Vida Pós Resgate”, do MPT (Ministério Público do Trabalho) em parceria com a UFBA (Universidade Federal da Bahia), começou no mês passado a procura por terrenos nas cidades de Serrinha, Conceição do Coité, Monte Santo e São Domingos, na região Sisaleira da Bahia (no nordeste do estado, a cerca de 200 km de Salvador).
O assentamento está em fase inicial, e é o terceiro do projeto do MPT e UFBA iniciado em 2021. Antes, foram conduzidos um em Una, na região cacaueira, e outro em Aracatu, no sudoeste do estado.
O plano é reinserir os resgatados e suas famílias no trabalho do campo, em culturas orgânicas sem uso de agrotóxicos e organizados em forma de associações. A renda virá da produção de leite e da venda de carnes.
O projeto é bancado com recursos de indenizações por danos morais coletivos das ações judiciais movidas contra as empresas flagradas com o trabalho análogo ao escravo.
A previsão é que pouco menos da metade dos 194 baianos que retornaram ao estado após o episódio no Sul sejam assentados nas fazendas.
Um total de 207 trabalhadores foram encontrados em situação de trabalho considerado degradante em um alojamento da empresa Fênix, em Bento Gonçalves, na serra gaúcha. A empresa prestava serviço às vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton.
A procura de trabalhadores para o projeto foi feita considerando as 27 cidades em que eles moram na Bahia. Os quatro locais escolhidos são onde estão concentrados mais resgatados —em sua maioria experientes na caprinocultura.
O processo está mais avançado nas cidades de Monte Santo e Conceição do Coité, onde as prefeituras concordaram em cooperar e já atuam no projeto.
O MPT aguarda ainda a assinatura de um termo de cooperação com o Governo da Bahia, que já sinalizou interesse. Em março, o órgão assinou um termo de cooperação técnica com o Governo do Rio Grande do Sul.
Apesar do ânimo com o projeto de reintegração dos trabalhadores, a execução é lenta.
“A ansiedade é gigantesca para que funcione. Enquanto isso, as contas não esperam para serem pagas. Se não fosse um projeto com ajuda de custo, ninguém [dos trabalhadores] ficava”, afirma a coordenadora nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do MPT, Lys Sobral Cardoso.
Na Bahia, os resgatados estão sendo acompanhados pelo Cras (Centro de Referência de Assistência Social) e pelo Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social).
A assistência social é responsável pela emissão de documentos dos trabalhadores resgatados. Alguns estavam sem identidade. “Os documentos ficaram retidos na fazenda e, por medo, alguns largaram lá”, diz o coordenador das ações de pós-resgate da Secretaria Estadual da Justiça, Admar Júnior.
Durante os cadastros nos centros, se autodeclararam negros 77% dos homens que retornaram ao estado.
Os trabalhadores foram inscritos no Cadúnico, o que permite prioridade no auxílio aluguel e no Minha Casa, Minha Vida. Eles receberam a primeira parte da indenização das vinícolas e conseguiram o seguro desemprego.
Uma pesquisa do projeto mostrou, entretanto, que as pessoas continuam em empregos precários após serem resgatadas do trabalho análogo à escravidão.
“Mesmo as pessoas capacitadas para o mercado formal não foram absorvidas e, ao procurar empresas para priorizar os resgatados, nada mudou: baixo tempo de empregabilidade e salário baixo, da forma precária de antes”, diz a procuradora Lys Sobral.
Entre os baianos que foram encontrados nas vinícolas, apenas sete conseguiram voltar ao mercado de trabalho com carteira assinada até o momento.
Segundo Admar Júnior, a Bahia registrou 248 resgates de trabalhadores em situação análoga à escravidão neste ano, dentro e fora do estado. O número é o maior dos últimos três anos.
Em todo o Brasil, foram 918 pessoas encontradas em condições degradantes de trabalho entre janeiro e março, número recorde em um primeiro trimestre nos últimos 15 anos.
Procuradas, as vinícolas afirmam que estão tomando medidas para evitar novos episódios como o de fevereiro.
Em nota, a Aurora afirmou que não vai mais terceirizar mão de obra no período de safra. A Salton reforçou que implantou critérios mais rigorosos no processo de seleção e contratação de fornecedores. Já a Garibaldi disse que busca o aperfeiçoamento na seleção de prestadores de serviço.
Fonte: Folha de S. Paulo
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