Auditoria realizada pelo TCU (Tribunal de Contas da União) revela que, em nome da massificação da internet, a política pública de telecomunicações está à mercê de leilão de frequências, como o 5G, e troca de multas por investimentos, entre outras políticas definidas pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).
Na avaliação dos técnicos do tribunal, isso ajuda a perpetuar distorções no acesso à internet, que ainda prioriza as classes mais abastadas.
O processo, relatado pelo ministro Walton Alencar, será julgado nesta quarta-feira (19). O plenário deve aprová-lo e apresentar recomendações ao Ministério das Comunicações para que elabore um planejamento estratégico integrado para resolver, de uma vez por todas, as disparidades que ainda existem nas telecomunicações mais de duas décadas após a privatização da Telebras.
Na época da privatização, a ideia era utilizar o Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) para levar a infraestrutura de acesso aos serviços de telefonia para as áreas mais afastadas dos grandes centros urbanos e de menor potencial comercial para as operadoras.
Esse modelo foi pervertido pelo sistemático uso dos recursos recolhidos sobre o faturamento das teles (e direcionado para o Fust) para a redução do endividamento público e ajuda nas metas de superávit primário.
O resultado disso foi que a maior parte dos investimentos no setor relacionados à popularização dos serviços, especialmente a internet, ficou concentrada em compromissos de investimentos decorrentes dos leilões de frequência da telefonia celular.
Segundo o relatório do TCU, entre 2007 e 2021, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) realizou 16 leilões de frequências (avenidas no ar por onde as teles fazem trafegar seus dados) cujo valor arrecadado seria de R$ 79,8 bilhões.
No entanto, para estimular investimentos e acelerar a instalação de infraestrutura nas localidades mais afastadas, a agência —com aval do governo— trocou esse dinheiro por compromissos obrigatórios de investimento da ordem de R$ 78 bilhões (em valores corrigidos pela inflação pelos técnicos do TCU).
Para o ministro Walton Alencar, mesmo abrindo mão de tantos recursos, o país ainda patina na democratização do acesso à internet.
“Ainda há muita disparidade na oferta, na qualidade e no acesso à internet em banda larga entre regiões e localidades do país, bairros de uma mesma cidade e classes sociais. Nesse sentido, a política pública precisa avançar para uma maior inclusão digital da sociedade brasileira”, diz o ministro em seu relatório.
De acordo com ele, 82% dos domicílios brasileiros possuem acesso à internet, sendo que na área urbana são 83% e na área rural 71%.
Os dados revelam ainda uma desigualdade de domicílios conectados nas diferentes classes econômicas. Enquanto os domicílios da classe A estão completamente conectados (100%), apenas 61% dos domicílios das classes D e E contam com acesso à internet. Os domicílios da classe B conectados corresponderam a 98% e os da classe C, 89%.
Por regiões do país, os maiores percentuais de domicílios que não possuem acesso à internet são os das regiões Nordeste (22%) e Norte (20%).
Em relação aos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs), o TCU também apontou a excessiva benevolência da Anatel ao permitir que as empresas trocassem multas por investimentos escolhendo até 40% das localidades onde instalariam infraestrutura ou melhorariam a capacidade de escoamento de dados.
Isso pode ter gerado duplicidade de investimentos em locais onde as empresas já vinham investindo, especialmente em grandes centros urbanos —acentuando ainda mais a disparidade de acessos e condições de serviço em regiões mais pobres.
Em seu voto, o ministro Walton Alencar deve recomendar que o Ministério das Comunicações elabore um planejamento estratégico de longo prazo para corrigir essas distorções, evitando que somente políticas regulatórias implementadas pela Anatel funcionem como fio condutor dos investimentos no setor.
Fonte: Folha de S. Paulo
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