Quatro mulheres são assassinadas por dia no Brasil por feminicídio, segundo o Mapa Nacional da Violência de Gênero. A média se repete no País há cinco anos. O crime é cometido quando a mulher é morta pelo simples fato de ser mulher, em geral por violência doméstica ou aversão ao gênero.
O levantamento, divulgado nesta terça-feira, 26, é feito pelo Observatório da Mulher Contra a Violência (OMV) do Senado Federal, pelo Instituto Natura e pela Associação Gênero e Número, com base nos dados do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), do Ministério da Justiça.
“Os dados revelam que o Brasil falha diariamente em proteger mulheres e meninas, mesmo quando falamos de crimes previsíveis e preveníveis, como o feminicídio e o estupro, reforçando a urgência de uma resposta estatal estruturada e efetiva. É preciso transformar informação em ação concreta, com prioridade política, orçamento e políticas públicas de qualidade. Não podemos naturalizar a morte e a violência como parte do cotidiano das mulheres no país”, afirma Vitória Régia da Silva, diretora executiva da Associação Gênero e Número.
A mais recente atualização do Mapa, com dados do primeiro semestre de 2025, aponta que 718 mulheres morreram em razão do seu gênero de janeiro a junho de 2025, conforme registro do Validador de Dados Estatísticos (VDE) da Segurança Pública.
O estado de São Paulo lidera o número absoluto de casos.Veja lista:
- São Paulo: 128;
- Minas Gerais: 60;
- Bahia: 52;
- Rio de Janeiro: 49;
- Pernambuco: 45;
- Amapá: 8;
- Roraima: 33;
- Tocantins: 43.
Desde que foi instituído o crime de feminicídio, em 2015, 12.380 mulheres já foram vítimas desse tipo de crime.
- 2024: 1.456 mortes;
- 2023: 1.440 mortes;
- 2022: 1.444 mortes;
- 2021: 1.356 mortes.
Casos de estupro: subnotificação
Os dados indicam ainda tendência de queda para os casos de estupro em 2025, mas os números continuam altos: de janeiro a junho deste ano foram registrados 33.999 casos no País, média de 187 por dia.
Rondônia registrou a maior taxa de estupros no mês de junho, com 16 casos por 100 mil habitantes, seguida por Amapá e Roraima, cada um com 13. As menores taxas estão no Rio Grande do Norte, Distrito Federal e Ceará, cada um com 3 casos.
Entretanto, os responsáveis pela pesquisa destacam que a maior parte dos casos não é registrada, por isso a redução não traduz a realidade.
“Cada caso de violência tem repercussões que vão muito além do momento do crime”, diz Maria Teresa Firmino Prado Mauro, coordenadora do Observatório da Mulher contra a Violência do Senado Federal.
“Mulheres e famílias sofrem impactos psicológicos, sociais e econômicos duradouros, o que evidencia que a violência de gênero é um problema que atravessa toda a sociedade”, afirma.
Em 2024 foram registrados 75.061 registros de estupro nos 12 meses, cerca de 205 por dia. Nos últimos cinco anos, a média é de 195 estupros notificados contra mulheres por dia. Este é um dos crimes mais comuns contra mulheres – elas são vítimas em 85% dos registros.
Mas os números reais tendem a ser maiores, já que a maioria das ocorrências não chega à polícia, porque as vítimas têm medo, vergonha, receio de revitimização ou falta de confiança nas instituições.
Ineficácia das ações do poder público
Segundo Beatriz Accioly, líder de Políticas Públicas Pelo Fim da Violência Contra a Mulher, é preciso melhorar a articulação para combater esses crimes e expandir as ações Brasil adentro.
“Precisamos fortalecer a rede de atendimento e enfrentamento, em especial fora das capitais, para garantir resposta rápida e eficaz às denúncias e pedidos de apoio. Isso precisa funcionar de maneira articulada, com uma rede formada por diferentes setores – saúde, assistência social, segurança pública – e olhando para a jornada da mulher, cidadã, usuária dos serviços públicos nas suas necessidades.”
Beatriz alerta que, assim como ocorre com o crime de estupro, o número de casos de feminicídio também possivelmente é ainda maior do que os registros oficiais demonstram. A tipificação do crime de feminicídio geralmente depende da análise do caso, pela autoridade policial, e até hoje há um esforço para diferenciar homicídios de feminicídios.
“Ainda existem casos (de feminicídio) que são registrados como homicídios comuns, ou tentativas de feminicídio que são registradas como lesão corporal, como aconteceu recentemente em um caso que se tornou notório, mas que poderiam e deveriam ser compreendidos como feminicídios”, afirma a especialista.
A Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, realizada pelo Instituto DataSenado em 2023 e também disponível no mapa, mostra que, considerando todos os tipos de violência contra a mulher, o Brasil tem uma subnotificação de 61% dos casos.
A região Centro-Oeste é a com maior índice de subnotificação, de 65%, mas os estados mais preocupantes são Amazonas (38%), Rondônia (37%) e Rio de Janeiro (36%).
Caos recentes
Em julho, um homem foi preso em Natal, no Rio Grande do Norte, após dar mais de 60 socos no rosto da então namorada dentro de um elevador. Ele foi indiciado por tentativa de feminicídio.
Também em julho, mas em São Paulo, um fisiculturista foi preso com uma fratura na mão após espancar a então namorada, que foi socorrida em estado grave e precisou passar por uma série de cirurgias.
Vítima precisará de cirurgia reparadora; defesa do agressor, identificado como Igor Cabral, não foi localizada. Crédito: Imagens de câmeras de segurança
“O fato de esses altos índices não provocarem uma resposta robusta e coordenada do Estado é um sinal claro de negligência institucional. Quando a violência mais recorrente contra mulheres no Brasil (a sexual) não ocupa o topo da agenda política, estamos dizendo, na prática, que a vida e a dignidade dessas vítimas não são prioridade. Precisamos de políticas que vão além do discurso: prevenção desde a infância, acolhimento livre de violência institucional, investigação ágil e punição efetiva para agressores”, afirma Vitória.
Por Fabio Grellet
Fonte: Estadão
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