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Americanas: bancos relataram risco sacado, mas mudaram versão depois, diz relatório

postado Assessoria Igor

Santander e o Itaú relataram operações de risco sacado (conhecidas como forfait) com a Americanas, mas substituíram relatórios e retificaram o que tinham alegado inicialmente. O risco sacado é um tipo de financiamento que se converteu no rombo de R$ 20 bilhões da varejista informado em janeiro de 2023. A informação sobre a mudança de versão dos bancos está no relatório sigiloso que os administradores judiciais – Advocacia Zveiter e Preserva Ação – entregaram à Justiça do Rio de Janeiro no início desta semana. O Estadão teve acesso ao documento.

A utilização do risco sacado é alvo de polêmica. A Americanas alega que os bancos e os auditores tinham ciência do saldo na linha de crédito. As instituições financeiras afirmam que a informação era de responsabilidade da Americanas.

Segundo a versão sigilosa do relatório do Administrador Judicial da Americanas, o Itaú e o Santander relataram operações de risco sacado com fornecedores da rede, nos valores de R$ 584 milhões e R$ 1 bilhão, respectivamente, em 2016. No entanto, houve uma retificação da informação.

Nas novas respostas, que foram consideradas as finais, não constava “uma linha para operação de cessão de crédito a fornecedores”. A KPMG, que auditava a companhia na época, chegou a questionar a Americanas sobre a divergência de informações. A cúpula da varejista afirmou, conforme o relatório sigiloso, que a segunda versão, na qual não constava a linha de crédito, era a correta.

“Após diversas reuniões com os responsáveis pela administração (da Americanas), fomos informados que a companhia não realiza este tipo de operação e que teria havido um equívoco dos bancos na resposta enviada, considerando que os bancos retificaram as respectivas respostas”, diz trecho do relatório da KPMG que consta no texto entregue à Justiça do Rio de Janeiro pelo escritório de Advocacia Zveiter e pelo administrador judicial Preserva Ação.

Para o Itaú, a varejista vem conduzindo o caso com “má-fé”. A instituição afirma que “a carta (inicial) enviada continha todas as informações usuais, inclusive as relativas a risco sacado”. A retificação, excluindo informações sobre a operação, foi solicitada pela varejista, mas negada, segundo o banco. Para o Santander, as alegações da Americanas são uma “tentativa de desviar a real responsabilidade dos administradores e conselho de administração da empresa”.

Na operação de sacado, há antecipação de recebíveis. O banco faz quitações diretamente com os fornecedores da companhia e é remunerado com juros após determinado prazo.

Retificações sem risco sacado

O mesmo procedimento teria acontecido, naquele ano, com a B2W, responsável pelo comércio eletrônico do grupo. A B2W era uma operação separada da Americanas na época. O Itaú teria reportado, segundo trecho do relatório da KPMG, R$ 689 milhões em cessão de crédito a fornecedores; enquanto o Santander, cerca de R$ 800 milhões. Da mesma forma, a segunda via da resposta não apresentava uma linha para esse tipo de operação.

O relatório dos administradores judiciais dá conta de que as operações de risco sacado tiveram início em 2015, com cerca de R$ 3,45 bilhões e saldo crescente até alcançar R$ 15,9 bilhões em dezembro de 2022, conforme informações prestadas pela Americanas à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

O relatório informa ainda que todos os bancos listados pela Americanas receberam a carta de circularização de saldos (informação para checagem das contas) e enviaram suas respostas aos auditores no período em que a PriceWaterHouseCoopers (PWC) auditou a companhia, a partir de outubro de 2019.

Nas respostas, nenhuma instituição financeira informou a existência de valores relacionados ao risco sacado, como registrado pela PwC: “Nas respostas às cartas de circularização enviadas pela PwC, apresentadas pelas instituições financeiras no curso dos trabalhos de auditoria, não foram incluídas quaisquer operações de risco sacado”. Assim, “a partir das informações prestadas pelos credores da companhia, tampouco identificou operações não refletidas nas demonstrações financeiras elaboradas pela administração da companhia”.

‘Todas as informações necessárias’

A auditoria informou ainda que só tomou conhecimento das inconsistências contábeis da Americanas em 9 de janeiro de 2023, apenas dois dias antes do fato relevante que deflagrou a crise, em reunião com a sócia responsável.

A polarização entre a auditoria e o cliente é sedimentada pela informação, dada pela PwC, de que até 9 de janeiro a Americanas omitiu a existência da modalidade de financiamento: “A administração da companhia, quando questionada, informou que não existiam operações de ‘risco sacado’. Além disso, no âmbito dos trabalhos de auditoria conduzidos, a PwC não recebeu cópia de contratos celebrados pela companhia com instituições financeiras relativos a tais operações”.

A PwC apontou também que, embora o forfait tenha sido omitido, a cúpula da Americanas atestou que havia fornecido “todas as informações necessárias para os trabalhos de auditoria”. A liderança da companhia também assegurava que todas as transações eram registradas e estavam refletidas nas demonstrações contábeis, relatou a PwC.

Finalmente, segundo o relatório dos administradores judiciais, a auditoria destacou que não teve conhecimento de questionamentos de órgãos regulatórios ou fiscalizadores em relação à auditoria da Americanas, antes do fato relevante.

Posição dos bancos

“O Itaú Unibanco esclarece que é falsa a informação de que a carta de circularização referente ao ano de 2016, enviada em 13/1/2017, foi substituída. A realidade dos fatos é que a carta enviada continha todas as informações usuais, inclusive as relativas a risco sacado. No entanto, ao receber a carta, a Americanas pediu ao banco que a substituísse, excluindo as informações relacionadas ao risco sacado, o que foi prontamente negado”, afirma o Itaú.

Segundo o banco, como resposta à negativa, em 31 de janeiro de 2017, a administração da Americanas pediu, por escrito, o envio do detalhamento de certas operações relacionadas na carta original. A solicitação não abrangia as informações sobre risco sacado, conforme o banco.

O Itaú explica ainda que, em resposta a esse segundo pedido, o banco encaminhou documento adicional, fazendo referência à carta original, que inclusive seguiu anexada ao segundo relatório, de modo que toda a informação solicitada desde o início do processo estivesse disponível para auditoria.

“Portanto, em mais uma ação que demonstra má-fé na condução do caso, a empresa e seus advogados tentam criar versões inverídicas que buscam afastar a única e exclusiva responsabilidade da sua administração, incluindo diretoria e conselho, pela elaboração e exatidão das demonstrações financeiras”, conclui o Itaú.

Já para o Santander, as alegações da Americanas que constam no relatório do administrador judicial são uma “tentativa de desviar a real responsabilidade dos administradores e conselho de administração da empresa”.

Em nota encaminhada ao Estadão, o banco afirma que as cartas de circularização, mencionadas pelo relatório, são apenas uma entre muitas fontes de auditoria da companhia. “Eventuais inconsistências ou fraudes contábeis são de responsabilidade exclusiva da empresa, bem como de seus administradores, conselho de administração e órgãos internos de controle”, diz o banco.

O Santander acrescenta ainda que sempre informou integralmente todos os saldos das operações da companhia no Sistema Central de Risco, mantido pelo Banco Central, que inclusive poderia ser fonte de auditagem. A Americanas não comentou até a conclusão desta reportagem.

Fonte: Estadão

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