Investigação aponta para caminho do ouro desde a extração ilegal na região amazônica até a exportação
O Banco Paulista e a BP Trading aparecem como compradores de ao menos R$ 278 milhões em ouro, entre 2018 e 2019, de uma empresa suspeita de comercializar minério extraído de forma ilegal da região amazônica.
As informações estão em relatórios sobre a FD Gold, do empresário Dirceu Sobrinho, anexados ao inquérito que deu origem à operação Aerogold, deflagrada pela PF na segunda (19).
A BP Trading é uma das maiores exportadoras de ouro do país e teve como fundadores executivos que já integraram a sociedade do Banco Paulista.
A investigação teve início após a PF apreender 3 kg de ouro em Porto Velho (RO). A aeronave era proveniente da cidade de Japurá, no Amazonas, onde não há liberação para extração de ouro.
Com o desenvolvimento da apuração, a PF recebeu informações que mostram que, somente entre 2018 e 2019, a empresa de Sobrinho movimentou R$ 2,1 bilhões, segundo informações fornecidas pelo Coaf.
A maior parte dos valores recebidos pela empresa foram do Banco Paulista e da BP Trading, que tem como fundadores ex-dirigentes do banco. O banco e a empresa, entretanto, não foram alvos da operação.
Em nota, o banco confirmou que mantinha negócios de compra de ouro com a empresa, mas disse que seguiu todas as regras e diretrizes do Banco Central e a legislação brasileira.
O banco não respondeu, no entanto, qual a relação com a BP Trading, uma das maiores exportadoras de ouro do país.
A BP Trading, por sua vez, também confirmou a compra de ouro da empresa e que cumpre a legislação.
“Por isso, fez repasses à FD Gold em transações comerciais, que, conforme legislação do Banco Central, órgão regulador e fiscalizador, por se tratar de ativo financeiro, devem ser feitas com uma instituição financeira por ele autorizada”, afirma trecho da nota enviada à reportagem.
Ao longo da apuração, com base em mensagens encontradas no celular do piloto e em informações enviadas pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), a delegada Ana Paula Meirelles de Oliveira mapeou uma rede de empresas de fachada e garimpeiros responsáveis por extrair e comercializar ouro de forma ilegal.
No total, todas as empresas e pessoas físicas investigadas são alvo de uma ordem de bloqueio de bens da Justiça no valor de até R$ 5,5 bilhões –montante que elas teriam movimentado no período.
A Justiça também autorizou 18 mandados de prisão, sendo duas prisões preventivas e 16 prisões temporárias, em Rondônia, Amazonas, Acre, Pará, Mato Grosso e São Paulo.
Dentre os alvos de mandados de busca estão pelo menos quatro cooperativas de garimpeiros: a de Garimpeiros do Rio Madeira (Coogarima), a de Garimpeiros do Amazonas (Coogam), a de Extratores de Minério do Sul do Pará, a do Tapajos.
Segundo a PF, essas entidades servem como a outra ponta da operação, esquentando o ouro extraído de forma ilegal e lavando o dinheiro pago por ele. Foram identificados R$ 14,4 milhões pagos pela FD Gold, de Dirceu Sobrinho, a essas cooperativas —montante que a PF pede que seja bloqueado.
As cooperativas, junto com as respectivas redes de garimpeiros, extraem o ouro de regiões onde a atividade não é permitida, registram o minério como se fosse de uma lavra regular e o vendem para a empresa de Sobrinho.
A investigação ainda aponta Orestes Machado, conhecido como Goiano, como o principal líder da organização criminosa, que atuava em Rondônia e no Amazonas. Era ele quem comercializava o ouro extraído pelas cooperativas para a empresa de Sobrinho, e foi também quem combinou o voo que deu origem à investigação.
“Imperioso frisar que Goiano já foi indiciado duas vezes nessa superintendência por crimes relacionados a extração de garimpo, o que demonstra a prática habitual de crimes, sendo o crime seu meio habitual de vida”, diz a delegada na representação enviada à Justiça.
Segundo a PF, ele se vale de familiares como laranjas para lavar o dinheiro proveniente do garimpo ilegal e movimentou cerca de R$ 10 milhões nos últimos cinco anos.
Mensagens e ligações interceptadas mostram que Goiano tentou cancelar o transporte do ouro apreendido e que deu origem ao inquérito, avisando o piloto que os policiais o aguardavam na pista de pouso.
No avião estava presente Tania Sena, sócia da Coogam, e foram encontradas partes de dragas que pertenciam a Geomário Sena, seu pai, apontado pela PF como garimpeiro e contador dessa mesma cooperativa. Juntos, os dois e a empresa receberam quase R$ 1,6 milhão da FD Gold.
Eles também receberam, diz a PF, dinheiro da Coogarima, que fica em Porto Velho (RO), onde a aeronave pousou. Segundo a PF, a cooperativa “é a que mais movimenta dinheiro de forma suspeita”, com R$ 6,2 milhões recebidos da FD Gold.
Outra cooperativa, a do Tapajós, recebeu R$ 3,9 milhões da empresa de Sobrinho, e fez pagamentos para uma série dos personagens investigados, inclusive residentes de outros estados, empresas de turismo e venda de alimentos.
Procuradas, as cooperativas e seus funcionários não responderam aos contatos da reportagem.
Em maio, depois que a Polícia Federal apreendeu 78 kg de ouro —de valor estimado de R$ 23 milhões— em Sorocaba, no interior de São Paulo, o empresário veio a público para confirmar que o metal pertencia de fato à sua empresa. Na ocasião, ele defendeu que tudo tinha origem legal.
“Esse ouro pertence, sim, à minha empresa”, afirmou o empresário, em vídeo enviado pela assessoria de imprensa da FD Gold. “Todo ele foi comprado sob permissão de lavra garimpeira concedida, que não pertence a área indígena, que não pertence a garimpos ilegais.”
Fonte: Folha de S. Paulo
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