O volume de perícias médicas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) tem crescido nos últimos meses. Só este ano, o acumulado alcança 1,054 milhão de pedidos, 13,3% a mais do que os 930.579 estocados em dezembro do ano passado. Enquanto a fila para passar pelo procedimento – essencial em pedidos de benefícios como o auxílio-doença e o Benefício de Prestação Continuada (BPC/Loas) – aumenta e a espera se prolonga, o governo federal planeja retomar o uso de telemedicina nas consultas, mas a iniciativa enfrenta resistência por parte dos médicos peritos.
O tempo médio nacional de espera pelo procedimento está em 58,67 dias, segundo dados de abril. Em alguns estados, no entanto, segurados levam mais quatro meses para passarem pela consulta, principalmente nas regiões Norte e Nordeste. É o caso do Sergipe (176,33), Amazonas (187,65) e Tocantins (198,89).
Entre março e abril, falhas nos três sistemas da Dataprev usados pelos médicos peritos pararam de funcionar durante mais de 20 dias, atrapalhando o fluxo e fazendo muitos pedidos serem remarcados. Mas, mesmo com as instabilidades resolvidas, outros fatores também seguem impactando a fila de perícia, como a concentração de profissionais em determinadas áreas do país, enquanto outras sofrem com a falta de médicos
– O INSS tem capilaridade, mas mais da metade dos postos não tem perito. Temos hoje 2,8 mil profissionais, mas distribuídos de forma desuniforme, concentrados nas capitais e regiões metropolitanas. É muito difícil alocá-los no interior do país — admite ao EXTRA o secretário do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), Adroaldo da Cunha.
Com a fila pressionando e causando transtornos aos segurados, o governo tenta por diferentes frentes acelerar os atendimentos. Em fevereiro, a realização de mutirões de perícia, principalmente em estados da região Nordeste, foi projetada para março pelo ministro Carlos Lupi. A iniciativa, no entanto, não foi a frente. Agora, a ideia é retomar as perícias via telemedicina para reduzir o estoque de agendamentos.
Segundo Cunha, uma licitação está sendo preparada pelo governo para que o serviço seja implementado entre setembro e outubro.
A volta dos atendimentos remotos nas perícias do INSS acontece após uma recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU). Em 2021, a corte pressionou o governo para que um projeto-piloto de telemedicina na autarquia fosse posto em prática. Na fase de teste, de janeiro a junho do ano passado, 400 perícias foram realizadas de maneira remota por 12 médicos peritos do Ceará.
De acordo com o secretário, o resultado foi “extremamente positivo”: 94% dos procedimentos foram satisfatórios, onde os profissionais conseguiram dar um parecer sobre o caso.
– Só 6% foram encaminhadas para a perícia presencial e, na metade desses casos, o problema foi a queda na internet – explica Cunha: – O resultado foi excepcionalmente positivo. Um relatório foi encaminhado ao secretário de Previdência à época, recomendando que o projeto fosse expandido de maneira gradativa, o que acabou não acontecendo. No início deste ano, o TCU pediu informações sobre o piloto e recomendou a imediata implementação das perícias.
Médicos discordam
Apesar da recomendação do TCU e o desejo do governo de implementar o atendimento remoto para reduzir a fila, a medida enfrenta resistência por parte dos médicos peritos. A Associação Nacional dos Médicos Peritos (ANMP) afirma que o serviço ficaria restrito a uma fatia pequena de segurados “mais abonados”, com celular e internet de qualidade para acessar serviço.
– O INSS não conseguiu um sistema efetivo de tele-perícia, mesmo com o suporte da empresa contratada. A própria secretaria da Perícia no ano passado declarou que o projeto, da forma como estava desenhado, era inviável. Nem todo segurado do INSS tem um bom celular e banda larga de internet. E é impossível fazer uma análise crível de capacidade laborativa à distância – pontuou Francisco Cardoso, vice-presidente da associação.
Além disso, o Conselho Federal de Medicina (CFM) editou em 2022 uma resolução que determina que o procedimento só pode ser realizado em situações pontuais e “casos excepcionais”.
“O médico perito não tem uma relação médico-paciente clássica com o paciente, daí porque a telemedicina deve ser praticada de acordo com parâmetros próprios e não de acordo com a norma geral prevista na resolução da Telemedicina”, explica o texto.
A resolução dispõe que a perícia remota pode ser realizada nos casos de “morte do periciando e nas perícias indireta ou documental que não envolvam avaliação de dano pessoal, capacidades (inclusive a laboral), e invalidez”. A norma também limita que a modalidade pode ser realizada por juntas médicas, desde que um dos médicos esteja presencialmente com o segurado.
Como vai funcionar?
Com representantes da categoria resistindo a medida, o governo tenta dialogar com o Conselho Federal de Medicina para que a resolução 2325, do ano passado, seja derrubada.
– Estamos trabalhando no sentido de convencer o CFM de suspender a resolução, porque os médicos acabam tendo muito receio de fazer o atendimento remoto e sofrerem alguma sanção – afirma Adroaldo da Cunha.
Segundo o secretário do RGPS, a ideia é que o serviço seja desenhado da mesma forma que o projeto piloto testado no ano passado: o segurado comparece a uma das agências do INSS, em horário previamente estipulado, e é atendido numa cabine com acesso à internet. Técnicos e auxiliares de enfermagem auxiliariam o procedimento.
– Nesses espaços, profissionais treinados, não-médicos, farão os procedimentos necessários e transmitirão os dados na cabine para o médico perito, que analisará as informações e os documentos, como atestados e laudos médicos, além de conversar com o segurado – explica: – Esses auxiliares e técnicos de enfermagem vão atuar como normalmente atuam em triagens de emergências.
Fonte: O Globo
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