Para a servidora pública Ana Carolina Bezerra, 43, conciliar a maternidade e a posição de liderança nunca foi fácil. Mas quando o filho mais novo foi diagnosticado com autismo, ela pensou que precisaria abdicar da ambição profissional para cuidar da família.
“Via muitas mulheres nas clínicas que mudaram de vida, deixaram de trabalhar ou passaram a fazer coisas que não tinham relação com a carreira delas, e eu não me enxergava nisso. Pensava, ‘será que não vou poder mais assumir cargo de liderança?'”, afirma.
Não é só Ana Carolina que enfrenta dificuldades para ascender profissionalmente sendo mãe. No setor público federal, mulheres com filhos menores de idade são minoria entre quem ocupa posição de chefia.
Apenas 38% das chefias são mães de crianças e adolescentes, número que sobe para 66% entre homens. As chances de haver um pai de jovens menores de idade em posição de liderança é 3,2 vezes maior do que a de uma mulher na mesma situação. Os dados são do Perfil das Lideranças no Governo Federal, divulgado no ano passado.
Ana Carolina passou em um concurso público em 2010. Um mês após ser aprovada, teve a primeira filha, hoje com 14 anos. Ela diz que sua carreira foi permeada por inseguranças sobre como conciliar o trabalho e a maternidade.
Quando o segundo filho nasceu, há quatro anos, a servidora coordenava uma equipe no MEC. O diagnóstico de autismo dele veio dois anos depois, enquanto trabalhava em cargo de chefia de outro órgão, a DPU (Defensoria Pública da União).
Em princípio, tinha dúvidas sobre como continuar ascendendo profissionalmente. Mas, aos poucos, passou a fazer adaptações na rotina, dividindo mais igualmente tarefas com o marido, para alcançar seu objetivo.
Hoje, como assessora-chefe de Planejamento, Estratégia e Modernização da Gestão na DPU, Ana Carolina diz estar realizada por ser mãe e líder.
“No momento em que fui convidada para essa posição, tive que dizer sim. Eu estava dizendo sim para o cargo e para mim, que posso conciliar isso tudo”, afirma. “Quando recebi o convite, fiquei pensando: será que eu falo que sou mãe de uma criança com deficiência? Mas se eu fosse um homem, isso não seria uma questão”, diz.
Mulheres que estão no mercado de trabalho dedicam, em média, 6,8 horas a mais com afazeres domésticos e cuidado de pessoas do que homens nas mesmas condições, segundo dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) Contínua de 2022.
No setor público federal, em números absolutos, a quantidade de pais de filhos menores de idade em cargos de liderança, de 12.903, é maior do que o total de mulheres, mães ou não, de 12.717.
Maternidade e posição de chefia são fenômenos que exigem dedicação extensiva. O atual formato de liderança é incompatível com o cuidado dos filhos, sobretudo para as mulheres, que são mais pressionadas a assumirem a tarefa, diz Jessika Moreira, diretora-executiva do Movimento Pessoas à Frente, organização dedicada à gestão de pessoas no setor público.
“É esperado de cargos de liderança uma disponibilidade de 24 horas, de não ter uma jornada de trabalho estabelecida. Esse modelo foi construído em uma dimensão em que sequer a economia do cuidado era colocada”, afirma.
Segundo ela, mães ainda enfrentam discriminação por gênero no setor público, inclusive pela falta de espaços físicos para cuidar dos filhos no ambiente de trabalho, como berçários e creches. Ao assumirem cargos de liderança, a falta de flexibilidade para lidar com compromissos familiares desafia a retenção dessas mulheres.
Na Esplanada dos Ministérios, a primeira sala de amamentação foi inaugurada em abril pelo Ministério da Gestão. Antes disso, havia mães que amamentavam até na escada de emergência, segundo Isabela Gebrim, 38, secretária adjunta de Serviços Compartilhados da pasta.
Ela também já ocupava cargo de liderança quando decidiu que queria ser mãe, mas não contava com uma rede de apoio familiar em Brasília, onde atua. Isso dificultou o equilíbrio entre a maternidade e o cargo, já que a ajuda de parentes permitiria mais espaço para se dedicar ao trabalho.
“Quando a gente está num cargo de liderança, passamos por questionamentos de chefias quanto a horários, quanto a levar o filho em uma consulta durante o trabalho, quanto à disponibilidade total do tempo, porque os filhos demandam.”
Isabela diz que, durante todo o período em que esteve como líder, poucas vezes via homens saindo do trabalho para participar de atividades dos filhos, de reuniões escolares a compromissos médicos. Entre as mulheres, por outro lado, era quase sempre.
Segundo ela, ter um filho permitiu que tivesse uma visão mais sensível às demandas de outras mães. Ela permite, por exemplo, mais flexibilidade aos servidores que precisam dar conta dos compromissos dos filhos.
“Mães têm uma visão mais humanizada de várias questões que envolvem outras mulheres e até outros homens”, diz. “Em vários momentos da minha trajetória, tive medo. Mas, mesmo com medo, a gente tem que ir. Outras mulheres estão ali para nos apoiar.”
Fonte: Folha de S. Paulo
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