O MPF (Ministério Público Federal) recomendou que o governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), suspenda todas as operações para geração e venda de créditos de carbono em áreas de floresta onde vivem comunidades tradicionais.
A suspensão deve prosseguir enquanto não ficar demonstrada a eficácia desses créditos para mitigar mudanças climáticas, enquanto não ficar provado que as operações não violam direitos das comunidades tradicionais e enquanto não houver consulta prévia e livre dessas populações sobre os projetos em curso, afirmou a Procuradoria da República no Amazonas.
O descumprimento da recomendação, expedida na última quinta-feira (8), pode levar a medidas judiciais e extrajudiciais contra os responsáveis, conforme o MPF.
O governo do Amazonas terceirizou a cinco empresas a geração de créditos de carbono em 12,4 milhões de hectares de floresta. Essas áreas, que estão em reservas e parques cuja preservação é de responsabilidade do próprio estado, equivalem a metade do estado de São Paulo.
A escolha dos empreendimentos privados foi feita antes de qualquer consulta a comunidades tradicionais nesses territórios —iniciativas de consulta foram atribuídas às empresas, o que deve ocorrer após aprovação dos projetos, segundo o edital do governo amazonense. O documento não deixa claro se haverá repartição de benefícios entre as comunidades impactadas.
Segundo o governo do Amazonas, existem 483 comunidades, com 8.050 famílias, nas áreas concedidas a empresas especializadas em geração de créditos de carbono e na venda desses créditos no mercado voluntário, formado principalmente por companhias interessadas em compensar suas emissões de gases de efeito estufa.
As empresas selecionadas poderão ficar com 15% dos valores, a título de “custos indiretos administrativos”.
Em nota, a Sema (Secretaria de Estado do Meio Ambiente) do Amazonas afirmou que segue a legislação e que as comunidades serão consultadas, “de modo a garantir as salvaguardas socioambientais e a repartição justa de benefícios para as populações tradicionais”.
Segundo a Sema, nenhum projeto será elaborado sem o consentimento e aprovação prévia das comunidades. Os empreendimentos só irão adiante se as propostas seguirem “estritamente o que foi decidido pelos comunitários e parâmetros previstos em edital”, disse a secretaria.
A recomendação do MPF foi direcionada ao governador do estado, ao secretário de Meio Ambiente, Eduardo Taveira, aos demais secretários da gestão Wilson Lima e a prefeitos, empresas, ONGs e certificadoras que atuam no mercado de crédito de carbono relacionado a áreas ocupadas por populações tradicionais, com ou sem regularização fundiária definitiva.
Os casos citados pelos procuradores da República vão além do edital lançado e da seleção feita pelo governo do Amazonas.
Os créditos de carbono são gerados a partir de atividades que evitam desmatamento e degradação da floresta. Isso passa pela atuação de comunidades tradicionais, como ribeirinhos e extrativistas, que vivem do que a floresta em pé fornece.
Empresas que atuam no ramo vêm pressionando comunidades a aceitarem acordos para geração de créditos de carbono, com cláusulas consideradas abusivas.
O instrumento que permite o mecanismo de créditos de carbono é o REDD+, desenvolvido no âmbito da Convenção da ONU sobre Mudança do Clima. Um crédito equivale a uma tonelada de CO2 que deixa de ser emitida para a atmosfera em razão do desmatamento que foi evitado.
Nas justificativas para a recomendação, os procuradores citam a operação Greenwashing, deflagrada pela PF (Polícia Federal) em 5 de junho. A investigação apontou a comercialização de R$ 180 milhões em créditos de carbono gerados em áreas supostamente griladas no sul do Amazonas. Ao todo, o grupo criminoso movimentou R$ 1,6 bilhão, num suposto esquema que envolveu “lavagem” de madeira, grilagem de áreas da União e constituição de créditos de carbono, afirmou a PF.
A polícia disse ainda que houve pagamento de propina a servidores de dois órgãos do governo do Amazonas, repasses a policiais militares de alta patente do estado, influência na PM (Polícia Militar) de Rondônia e corrupção de servidor do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
No caso da terceirização feita pelo governo do Amazonas para a geração de créditos de carbono, o MPF afirmou que a ausência de consulta livre e prévia viola o que prevê a convenção número 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), por já haver definição das características dos empreendimentos e até mesmo das empresas que vão atuar nos projetos.
“A iniciativa do governo do Amazonas abre mais um caminho para o controle de empresas estrangeiras em terras públicas, ainda que de forma indireta”, afirmou a Procuradoria.
Fonte: Folha de S. Paulo
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