Elas são pelo menos 575,2 mil mulheres no país, mais do que a população inteira de Florianópolis (537,2 mil). Fazem parte de um grupo de adultos que cuida tanto dos filhos quanto dos pais idosos, o que muitas vezes prejudica ou até inviabiliza a entrada no mercado de trabalho.
Trata-se da chamada geração sanduíche. “É uma geração que está sendo comprimida por outras duas, uma que antecede a sua [a dos idosos] e outra que é posterior [a dos filhos]”, diz a pesquisadora Janaína Feijó, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
A economista é autora de um novo estudo sobre o tema, ao qual a Folha teve acesso. Segundo o levantamento, a geração sanduíche vem em alta no país ao longo da última década, puxada sobretudo pela parcela feminina.
Mesmo que também existam homens “ensanduichados”, é sobre elas que historicamente recai a maior parte das tarefas domésticas associadas a esse grupo, indica a análise.
“A mensagem é que as mulheres pegam a maior parte das consequências negativas da geração sanduíche. É delas que é demandado o maior cuidado de crianças e idosos”, afirma Feijó.
Na comparação do quarto trimestre de 2012 com igual período de 2023, o número de mulheres da geração sanduíche aumentou de 452,4 mil para pelo menos 575,2 mil, aponta o estudo.
A alta da parcela feminina foi de 27,1%, acima da registrada entre a masculina (22,3%). Na mesma base de comparação, o número de homens “ensanduichados” cresceu de 310,7 mil para pelo menos 379,9 mil.
Pelos critérios do estudo, a geração sanduíche é composta por adultos de 35 a 49 anos que são chefes de família ou cônjuges dos chefes e que moram no mesmo domicílio com filhos menores de 25 anos e idosos de 65 anos ou mais.
Do total de 955 mil pessoas nessa situação no quarto trimestre de 2023, o percentual de 60,2% era composto por mulheres (575,2 mil), enquanto os homens respondiam por 39,8% (379,9 mil).
Segundo Feijó, é possível que a geração sanduíche seja até maior, já que adultos com filhos também podem ser os responsáveis pelo cuidado de idosos que não moram no mesmo endereço.
O estudo leva em consideração microdados da Pnad Contínua, pesquisa divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
33,6% DAS MULHERES DA GERAÇÃO SANDUÍCHE ESTÃO FORA DA FORÇA DE TRABALHO
No quarto trimestre de 2023, a proporção de mulheres da geração sanduíche que estavam fora da força de trabalho foi de 33,6% no país. O percentual é quase seis vezes maior do que o registrado pelos homens “ensanduichados” (6,1%).
Entre as mulheres da mesma faixa etária que não tinham filhos menores de 25 anos nem pais idosos no mesmo endereço, a porcentagem fora da força foi de 25,1% no quarto trimestre do ano passado. Também é um patamar inferior ao das “ensanduichadas”, de 33,6%.
Pessoas fora da força de trabalho não têm emprego nem procuram algum tipo de vaga (formal ou informal). Assim, não são consideradas ocupadas nem desempregadas nas estatísticas oficiais de trabalho.
“A mulher da geração sanduíche é multitarefa. Quando ela faz isso, deixa de assumir outros papéis sociais que talvez gostaria de assumir. Um deles é trabalhar fora de casa”, aponta Feijó.
‘ENSANDUICHADAS’ TÊM INFORMALIDADE MAIOR E RENDA MENOR
Entre as mulheres “ensanduichadas” que conseguem conciliar as múltiplas funções da casa e o trabalho, a taxa de informalidade é mais elevada, diz o estudo.
Na parcela feminina, o percentual de informais foi de 36,6% no quarto trimestre de 2023, acima do patamar de 33,7% entre os homens da mesma geração.
Conforme Feijó, recorrer a uma vaga sem carteira assinada ou sem CNPJ muitas vezes é a única opção que se abre para as mulheres conciliarem trabalho e afazeres domésticos.
Os postos informais podem permitir uma flexibilidade maior de horários. O efeito colateral costuma ser a renda menor.
De acordo com o estudo, o rendimento médio de todos os trabalhos das mulheres “ensanduichadas” foi de R$ 2.949 por mês no quarto trimestre de 2023. O valor é 34,4% menor do que o verificado entre os homens da mesma geração (R$ 4.497).
O rendimento por hora trabalhada mostra um quadro semelhante. Na geração sanduíche, esse indicador foi de R$ 20,20 para as mulheres, em torno de 42% abaixo do valor estimado entre os homens (R$ 35).
“O fenômeno da geração sanduíche, por um lado, pode ser benéfico, porque coexistem gerações diferentes. A questão é como as demandas atingem apenas uma pessoa da família, que geralmente é a mulher. O problema é esse”, afirma Feijó.
A geração sanduíche cresceu no país em meio a uma combinação de fatores que inclui transformações demográficas como aumento da expectativa de vida da população e permanência dos filhos na casa dos pais por mais tempo.
No quarto trimestre de 2021, essa geração chegou a alcançar 1,1 milhão de adultos no Brasil, com 657,6 mil mulheres e 442,6 mil homens. Foi o maior nível da série iniciada em 2012.
Feijó pondera que o resultado de 2021 pode ter sido impulsionado pela pandemia de Covid-19. Com a perda de empregos na crise sanitária, mais famílias podem ter optado por morar juntas à época, unindo diferentes gerações.
Fonte: Folha de S. Paulo
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