À medida que dão andamento aos planos de voltar ao escritório, muitas empresas estão optando por configurações híbridas — uma semana de trabalho dividida entre o escritório e a casa do funcionário, incluindo alguns dias fixos de trabalho presencial, geralmente seguindo o horário padrão de 9h às 17h.
Estes esquemas geralmente são apresentados como sendo fluidos e ágeis —um meio-termo que oferece aos profissionais grande parte do controle e da autonomia que eles esperam após a pandemia de Covid-19.
Mas a própria natureza rígida do cronograma de dias e horários para comparecer ao escritório, imposto de cima para baixo pela chefia, pode não fornecer aos funcionários a flexibilidade anunciada.
“Muitas vezes, se trata de dar aos funcionários um cronograma híbrido de onde eles devem fazer seu trabalho, sem nenhuma flexibilidade”, afirma Tim Oldman, fundador e CEO da empresa Leesman, especializada em pesquisas sobre a experiência profissional, com sede em Londres.
“É colocá-los em padrões fixos que podem não ser os melhores para ajudar no seu trabalho.”
Para alguns profissionais, esta realidade não é apenas inconveniente ou frustrante. A redução da flexibilidade afeta desproporcionalmente alguns funcionários, mais do que outros —particularmente, os profissionais com necessidades especiais e os que têm a responsabilidade de cuidar de outras pessoas.
“As políticas híbridas fixas, muitas vezes, não consideram os desafios do retorno ao escritório enfrentados por funcionários com diferentes experiências no local de trabalho”, diz Oldman.
A FLEXIBILIDADE NÃO É NEGOCIÁVEL?
Os esquemas híbridos podem variar, mas os mais comuns preveem um equilíbrio entre três dias no escritório e dois dias remotos por semana, ou vice-versa.
Muitas vezes, os dias no escritório são fixos —e não selecionados pontualmente—, com o objetivo de reunir as equipes de forma consistente ou permitir a colaboração programada e reuniões presenciais.
Em teoria, estes arranjos são um acordo razoável tanto para os empregadores, que querem seus funcionários de volta ao escritório, quanto para os funcionários, que podem manter parte do trabalho remoto e sua consequente flexibilidade.
Os profissionais continuam valorizando sua autonomia. Em maio de 2023, uma pesquisa realizada com 2.105 profissionais americanos pela empresa de pesquisa de mercado The Harris Poll concluiu que 69% dos profissionais que trabalham ou já trabalharam de forma remota consideram que a independência decorrente do trabalho remoto é mais importante do que os benefícios profissionais do trabalho presencial.
Eles também relatam que a flexibilidade do trabalho remoto significa que eles conseguem falar com mais liberdade (74%) e estão mais satisfeitos com seu próprio trabalho (72%).
De fato, o cronograma de trabalho híbrido fixo beneficia muitos profissionais. Os dados da The Harris Poll mostraram que 45% deles preferem um cronograma definido.
“Sempre haverá um grupo de pessoas que prefere a certeza, sabendo onde vão estar todos os dias”, afirma Matthew Davis, professor da Escola de Negócios da Universidade de Leeds, no Reino Unido.
Para esta parcela de profissionais, o padrão híbrido fixo fornece flexibilidade e estrutura. Ele permite trabalhar de casa e programar seus dias remotos, usufruindo também dos benefícios do trabalho presencial, como a socialização e a colaboração.
Mas esta delimitação, na verdade, é inerentemente bastante rígida. São exigências rigorosas sobre que dias devem ser presenciais —e os horários das jornadas de trabalho nesses dias.
“As pessoas costumam reagir muito bem à sensação de que tiveram escolha e controle sobre sua vida em geral”, observa Davis.
“Para a maioria das pessoas, o cronograma fixo é a opção menos preferida de trabalho híbrido. Geralmente, quanto menos controle as pessoas têm, piores são seus resultados.”
É importante observar que os horários rígidos no escritório prejudicam particularmente determinados profissionais, segundo os especialistas.
“Os que preferem trabalhar de forma mais flexível podem ter responsabilidades de cuidar da família — desproporcionalmente, as mulheres”, afirma Brent Cassell, vice-presidente e consultor em prática de recursos humanos da empresa de consultoria Gartner, com sede na Virgínia, nos Estados Unidos.
Além de pais e cuidadores, profissionais neurodivergentes ou com necessidades especiais também podem preferir a flexibilidade de trabalhar de casa.
“Pessoas com dificuldades físicas ou cognitivas são menos propensas a querer se deslocar até o local de trabalho quando tudo está organizado para eles em casa”, explica Oldman.
E este pode ser um grande grupo de profissionais. “Na nossa pesquisa, 15% a 18% dos profissionais declaram ter algum tipo de deficiência que os impacta no trabalho”, afirma.
Especialistas temem que o cronograma híbrido mandatório prive parte dos profissionais da flexibilidade e da autonomia necessárias para que se desenvolvam.
“Fala-se muito em diversidade, igualdade e inclusão —compreender a diversidade dos profissionais, reconhecer os talentos e fornecer soluções para esses funcionários”, diz Oldman.
“Com o cronograma híbrido fixo, corremos o risco de retroceder em relação à conscientização e atendimento às necessidades distintas de certos trabalhadores.”
O RUMO DOS PROFISSIONAIS
Profissionais presos em esquemas de trabalho híbrido inflexíveis têm uma opção óbvia: procurar outro emprego que acomode melhor suas necessidades.
“Os funcionários que passam mais tempo no escritório do que gostariam são mais propensos a procurar outro emprego”, afirma Davis.
“É como se o seu salário não fosse bom —você procura outro empregador que possa atender às suas expectativas.”
Mas, com as empresas adotando modelos híbridos fixos em um mercado de trabalho competitivo, nem todos os profissionais vão conseguir cargos que garantam a flexibilidade que procuram.
“Até as companhias que foram mais flexíveis e adotaram um modelo híbrido livre, no qual os profissionais decidiam onde, quando e como trabalhar, agora estabeleceram uma estruturação maior”, diz Davis.
“Há tensões entre as escolhas individuais e a capacidade de coordenação das equipes para que o trabalho seja feito em conjunto.”
Ainda assim, Davis acredita que muitos chefes compreendem que os dias obrigatórios no escritório não atendem a todos — e que mesmo uma estrutura híbrida aparentemente rígida pode ter espaço para flexibilidade.
“As empresas ainda estão testando e aprendendo seus modelos de trabalho híbrido”, ele explica.
“Emboras as estruturas tenham sido criadas para que os importantes dias presenciais valham a pena, muitos empregadores provavelmente ainda permitem liberdade individual e exceções. O cronograma híbrido fixo, na verdade, pode ser mais flexível.”
Nessas configurações emergentes, Oldman afirma que patrões e empregados podem negociar uma versão mais equilibrada do trabalho híbrido, combinando o melhor do trabalho presencial coletivo com a flexibilidade individual. Mas o ônus é do empregador.
“Qualquer patrão precisa tomar decisões para o interesse geral da maioria e para o propósito da organização. E a maioria dos profissionais vai aceitar que são necessárias algumas regras”, explica Oldman.
“Mas os empregadores podem fazer mais para compreender o verdadeiro espectro da inclusão —e oferecer soluções ágeis e flexíveis para os funcionários, dentro de uma estrutura que atenda às duas partes.”
Para Davis, esses profissionais também podem reorganizar seu trabalho com seus superiores imediatos, definindo maior autonomia, com diferentes horários de entrada ou escolhendo onde sentar no escritório.
“Pode haver conversas sobre decidir trabalhar em uma parte mais calma do escritório, adotar horários flexíveis ou sobre como realizar o trabalho”, diz ele.
“Pelo menos, isso oferece escolha aos funcionários, permitindo que eles reestruturem seu trabalho para maior flexibilidade.”
Mas muitos profissionais talvez nunca consigam a flexibilidade total de que desfrutaram trabalhando de casa, enquanto seguirem cronogramas híbridos fixos. A verdade é que, a menos que consigam encontrar uma função que ofereça a autonomia que desejam, eles vão precisar atender o empregador em algum ponto entre os dois extremos.
“No mundo moderno, os espaços projetados para morar, muitas vezes, oferecem um suporte melhor aos profissionais intelectuais do que os projetados para trabalhar”, afirma Oldman.
“O resultado é que quase todos perdem com cronogramas híbridos fixos e obrigatórios. Na verdade, os empregadores deveriam ser quase tão flexíveis quanto os funcionários.”
Fonte: Folha de S. Paulo
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