Início » Fazenda aceita cortar juro de dívida dos estados em troca de estatais e ensino técnico

Fazenda aceita cortar juro de dívida dos estados em troca de estatais e ensino técnico

postado Assessoria

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou nesta terça-feira (26) propostas para reduzir os juros da dívida dos estados. Na mesa, foram colocadas a federalização de estatais e a promessa de investimentos em ensino médio técnico.

O ministro Fernando Haddad (Fazenda) apresentou o programa “Juros por Educação” a governadores do Sul e Sudeste. A ideia é usar parte dos juros da dívida em novas vagas profissionalizantes para todas as unidades da Federação.

Os chefes do Executivo desses estados têm pedido a revisão dos indexadores da dívida. Segundo eles, os valores cobrados pela União têm comprometido a capacidade de investimento.

De acordo com cálculos do governo, a dívida dos estados com a União é de R$ 749 bilhões. São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais devem, juntos, R$ 660 bilhões —o equivalente a 90% do total.

É, por exemplo, para ajudar Minas Gerais que surgiu a ideia de federalizar a Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais). Outras empresas do estado são vistas como alternativa para o abatimento da dívida.

Na aérea da educação, estados do Sul e Sudeste —mais endividados— serão os principais beneficiados, a despeito de terem melhor desempenho em indicadores educacionais que Norte e Nordeste —menos endividados. A distorção na focalização tem sido criticada nos bastidores por gestores dessas regiões.

Hoje, os governos estaduais arcam com um encargo equivalente ao IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) mais uma taxa real de 4% ao ano.

Pelo programa, a taxa real pode cair a 3% ao ano, desde que o estado aplique ao menos 50% da economia obtida na ampliação das vagas de ensino médio técnico. Se o ente federado se comprometer a destinar um percentual maior do ganho (75%), o juro real cairia a 2,5% ao ano. Caso haja disposição em direcionar 100% da economia observada para o ensino médio técnico, a taxa real seria ainda menor, de 2% ao ano.

O governo não apresentou, porém, um diagnóstico de quantas vagas, qual o perfil e onde devem ser criadas. Destacou que a ação tem potencial de estimular a economia, com melhoria na produtividade.

Nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), 37% dos jovens de 15 a 19 anos fazem ensino médio vinculado à educação profissional. No Brasil, porém, o percentual é de 15,1%.

O objetivo é levar todos os estados ao mesmo padrão até 2030. A redução nos juros valerá entre 2025 e 2030, período de avaliação. Se os objetivos forem alcançados, ela se tornará permanente.

Haddad afirmou que caberá ao Ministério da Educação “monitorar” o cumprimento das metas pelos estados. Porém, Camilo Santana, seu colega que comanda a área, não participou do encontro desta terça.

Segundo o ministro da Fazenda, que chefiou a Educação nos governos Lula 2 e Dilma Rousseff (PT), o programa será uma “espécie de Prouni do ensino profissional”. O Prouni foi elaborado em sua gestão.

Do ponto de vista das contas públicas, Haddad minimizou o impacto da iniciativa.

“Não tem impacto primário a curto prazo. Está sendo justamente sopesado todos os argumentos para que a nossa trajetória de dívida [pública da União] não seja comprometida com essa repactuação”, disse Haddad.

Para a União, não se trata de uma perda de receita primária, mas sim financeira —portanto, não afeta as metas fiscais traçadas por Haddad.

O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, disse que a adesão dos estados pode gerar um alívio de até R$ 8 bilhões ao ano, supondo que todos se comprometam com o programa de criar mais vagas em ensino médio técnico.

Como dinheiro não tem carimbo, porém, técnicos do Tesouro afirmam, sob reserva, temer que estados usem o novo fôlego para realizar investimentos que já estavam previstos na área, liberando caixa próprio para outras iniciativas.

Além disso, o próprio programa dá outras possibilidades de aplicação dos recursos, o que tende a dificultar o acompanhamento.

Em uma das opções, caso o estado não consiga aplicar toda a economia no ensino médio técnico, a diferença deverá ser aportada no programa Pé de Meia, que visa a estimular os jovens a permanecerem no ensino médio.

Entes que “demonstrarem impossibilidade técnica e operacional” de aplicar os recursos poupados no ensino técnico também poderão firmar compromisso de investir em outras frentes que, na prática, já são tocadas pelos estados, como expansão do ensino médio integral, incluindo equipamentos e materiais permanentes.

Os governadores também já apresentaram a demanda de flexibilizar o conceito de investimento na educação e querem incluir gastos com mobilidade urbana que sejam voltados a levar e trazer alunos para a escola. O ministro da Fazenda afirmou que o governo está aberto a discutir a proposta, mas que a prioridade é o investimento na criação das vagas.

Independentemente das metas, os estados também poderão entregar ativos (como participação em empresas públicas ou sociedades de economia mista) para abater parte da dívida de forma extraordinária.

Caso haja amortização de 10% do saldo devedor, a redução no juro será de 0,5 ponto percentual. Se o abatimento alcançar 20% do estoque, o desconto será de 1 ponto porcentual.

Segundo Ceron, o uso desse instrumento vai depender do interesse dos próprios estados. O governo de Minas Gerais já enviou ofício ao governo federal oferecendo a transferência da Codemig (mineração de nióbio).

Além disso, o governador Romeu Zema (Novo) também já sinalizou disposição em federalizar a Cemig —a joia da coroa entre os ativos do estado—, após articulação do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

A questão colocada pelos técnicos é como calcular o valor pelo qual a União aceitaria essas empresas em troca do abatimento da dívida.

Pessoas ligadas ao estado têm a expectativa de que se leve em consideração um “caráter de ajuda”. Já a União precisará fundamentar tecnicamente o valor aceito para não ficar no prejuízo.

“O desafio é encontrar o valor justo”, disse Ceron. Segundo ele, a conta envolve a capacidade de geração de receitas da empresa e eventuais passivos.

Um possível observador da transação é o TCU (Tribunal de Contas da União), para evitar prejuízos como já registrados no passado. Quando estatal, a Eletrobras assumiu passivos bilionários de empresas estaduais.

De acordo com o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, a apresentação das propostas significa o passo inicial para a construção de um texto a ser enviado ao Congresso nos próximos 60 dias.

Pacheco tem pressa e pede o envio em até dez dias. O presidente do Senado afirmou que considera interessante a proposta de fortalecer o ensino profissionalizante, mas reforçou a proposta dos ativos.

“É ideia paralela do que é o cerne do problema. Nossa proposta se mantém, é isso que vamos tramitar no Congresso, que é a questão do pagamento da dívida, aceitação de ativos, inclusive capital acionário, recebíveis, créditos de ações judiciais e redução do índice de redução da dívida”, disse.

GOVERNADORES ELOGIAM INICIATIVA, MAS DIZEM QUE AINDA VÃO ANALISAR

Os gestores dos estados beneficiados elogiaram o programa educacional, mas afirmaram que ainda precisam analisar com seus técnicos para dizer se vale a pena aderir.

Governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB) disse que a dívida com a União pode chegar a consumir 15% da receita corrente líquida do estado.

“A proposta vai reduzir esse impacto para quanto? Ainda não sabemos, as análises que vamos fazer vão dizer”, afirmou.

Segundo Cláudio Castro (PL), governador do Rio de Janeiro, “está muito claro que os indicadores catapultaram as dívidas do estados” e por isso precisam ser revistos.

De acordo com ele, a dívida em 1997 era de R$ 13 bilhões. “De 1997 para cá, o Rio devia R$ 13 bilhões, pagou R$ 153 bilhões e ainda deve R$ 188 bilhões”, afirmou.

Fonte: Folha de S. Paulo

www.contec.org.br

Deixe um Comentário

Notícias Relacionadas