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Governo quer urgência no novo antitruste digital e não teme reação dos EUA, diz Dario Durigan

Secretário-executivo da Fazenda espera tramitação acelerada do projeto que aumenta poder do Cade sobre as big techs; Brasil optou por não avançar com imposto sobre plataformas e moderação de conteúdo, que poderiam gerar retaliação de Trump

postado Maria Clara

O governo quer tramitação acelerada do projeto de lei que aumenta o poder do Cade sobre as plataformas de internet, o PL 4.675, e não acredita que a regulação possa gerar retaliação dos EUA.

“A discussão de concorrência em mercados digitais está madura e deve ser enfrentada de imediato pelo Congresso. Diante da aceleração da concentração do mercado digital, é a mais necessária”, disse à Folha Dario Durigan, secretário-executivo do Ministério da Fazenda. O projeto, enviado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Câmara em 17 de setembro, impõe obrigações às maiores big techs para garantir a concorrência e barrar preços abusivos no país.

Durigan diz não temer reações do presidente dos EUA, Donald Trump, à nova lei antitruste digital, uma vez que o Brasil resolveu deixar de lado, pelo menos no momento, dois temas mais sensíveis que afetam as big techs —moderação de conteúdo e imposto digital.

“Não acho que a gente passe pelo tema da retaliação aqui, em especial considerando a opção de não avançar em uma regulação sobre conteúdo, e não avançar neste momento em uma tributação adicional das empresas.”

Por que é necessário ter uma lei nova de concorrência, específica para mercados digitais?
As nossas leis antitruste não são uma boa resposta (no mundo digital), porque elas são demoradas. É muito melhor prevenir uma situação monopolística, evitando que ela se cristalize. Prevenindo, eu consigo ter um mercado competitivo, preço mais baixo para os consumidores e para as empresas, ter mais opções e fazer pagamentos sem taxas abusivas.

Quais são algumas das manifestações do abuso de poder de mercado das big techs que as pessoas enfrentam hoje em dia?
Três exemplos concretos. O empreendedor, para conseguir colocar à disposição do público o seu aplicativo, precisa achar os caminhos das lojas de aplicativos, que muitas vezes impõem regras limitativas da escolha. Você pode vender um livro por determinada funcionalidade, mas via loja de aplicativos você teria de pagar 30% a mais, o que distorce o valor dos livros.

Outro caso concreto afeta o sistema financeiro. Como não há regras de portabilidade de pagamento, não se consegue escolher a ferramenta financeira que será usada para pagar determinado fornecedor ou comprar determinado produto.

E o terceiro: aplicativos que fazem intermediação com restaurantes fecham contratos de exclusividade, que acaba encarecendo para o consumidor e para o próprio trabalhador. O trabalhador de aplicativo não tem opção, ele tem que concordar com a taxa que paga ao intermediário.

As plataformas argumentam ser impossível fazer uma lei específica para o digital, porque ele permeia tudo.
Elas estão reclamando porque correm o risco de perder uma situação monopolística, em que têm mais lucratividade, fazem venda casada, limitam a escolha. Mas, quanto mais competição houver, mais inovação haverá e o custo será mais baixo. O mundo desenvolvido trabalha com essa premissa há vários anos. Nós estamos fazendo uma síntese equilibrada, que procura responder às críticas que aparecem nos EUA pela demora dos processos e as na Europa, por seu sistema ser muito intrusivo, com regras muito rígidas. Buscamos um ponto de equilíbrio.

Uma das críticas é que o projeto de lei seria uma cópia da Lei dos Mercados Digitais europeia, com os mesmos problemas.
Não é uma cópia da legislação europeia. Dentro do Cade, haveria uma nova superintendência que cuidaria de mercados digitais, dentro de um processo com ampla participação, em que as empresas vão poder se justificar. Em um processo dialógico, serão estabelecidas as obrigações específicas (de cada empresa designada como sistemicamente relevante) de transparência, de informações corretas para seus usuários, de mostrar por que você está compondo um preço de certa forma.

O projeto foi enviado pelo governo em setembro e já teve um relator designado, o deputado Aliel Machado (PV-PR). Quais são os próximos passos?
A gente teve uma primeira conversa com o deputado Aliel, muito produtiva. Acho que está muito claro o objetivo que a gente pretende atingir com a lei.

Tem alguma perspectiva de ter um substitutivo até o final do ano?
Ainda não, para ser sincero, mas a gente tem sinalizado sobre a urgência. Se não olharmos para IA, para data centers, para concentração econômica nos mercados digitais, não conseguiremos projetar um futuro em bases democráticas, economicamente fortes, em que a gente tenha uma presença do Estado regulador como deve ser. A efetividade desses temas vai para além de 2026. A lei da concentração econômica dos mercados digitais deve ser vista como a reforma tributária e como a [regulamentação] dos mercados de carbono —ela ficará como um legado para as futuras gerações. A discussão de concorrência em mercados digitais está madura e deve ser enfrentada de imediato pelo Congresso. Diante da aceleração da concentração do mercado digital, ela é a mais necessária.

O presidente Trump deixou muito claro ser contra regulação de big techs. Ele ameaça retaliar contra a aplicação do DMA (Lei dos Mercados Digitais, na sigla em inglês) na UE. No caso do Brasil, a regulação de internet foi citada na abertura da investigação da sessão 301 e na carta para o presidente Lula. Vocês esperam algum tipo de reação?
Não, porque os EUA fazem isso. Há uma série de processos investigando a concentração de mercados digitais nos EUA. Estamos propondo uma regra que vale para as empresas brasileiras, latino-americanas, norte-americanas, europeias, asiáticas, não tem direcionamento. É importante notar que o governo não avançou em nenhuma regulação sobre conteúdo, por entender que o Supremo já tinha tomado decisão sobre isso. Qualquer discussão sobre moderação de conteúdo não está colocada aqui. Estamos discutindo concentração de mercado com externalidades negativas para bancos, trabalhadores, consumidores e o Estado brasileiros. Parece-me uma regra muito isonômica, não caberia a nenhuma retaliação.

Mas e se houver uma ameaça de retaliação, qual é o plano?
Não acho que a gente passe pelo tema da retaliação aqui, em especial considerando a opção de não avançar em uma regulação sobre conteúdo, e não avançar neste momento em uma tributação adicional das empresas, que são temas mais sensíveis.

O Canadá suspendeu a cobrança do imposto digital após Trump ameaçar impor tarifas comerciais. O governo brasileiro estava discutindo um imposto sobre plataformas. Em que pé está isso?
Chegamos a debater o imposto digital no ano passado. Quando eu apresentei a lei orçamentária, eu disse que a gente teria essa opção caso o Congresso não avançasse nos temas que apresentamos. Mas a gente avançou. Neste ano, fomos atingindo nossas métricas de arrecadação, e o tema não será reapreciado neste momento.

Desde 2020, quando foi apresentado no Congresso o PL 2.630, das fake news, a única regulação de internet aprovada foi o ECA Digital. Por que seria aprovada agora uma lei como essa, que se choca com interesses das empresas?

O ECA Digital avançou porque houve uma comoção, um entendimento de que era preciso fazer alguma coisa. No caso da concentração de mercado digital, é a mesma coisa. Os empreendedores brasileiros, a indústria, o sistema financeiro, os meios de comunicação, as entidades de consumidores são favoráveis. A mobilização nacional está dada, e isso é determinante para que a lei avance no Congresso.

 

Fonte: Folha

www.contec.org.br

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