Edmar Colin, 29, trabalhou como operador de telemarketing durante 11 anos. Há dois, virou ator, comediante e influenciador. Ainda faz renda extra como designer. Ele mesmo edita seus vídeos, fotos e faz sua divulgação. As múltiplas profissões de Edmar resultam em uma jornada sem horário para acabar.
“No telemarketing, eu tinha ao menos um dia de folga e horário para encerrar, mas ainda ficava acelerado. Porém, na carreira artística, trabalho o tempo todo, todos os dias, porque preciso exercitar minha criatividade. Se não trabalhar, não produzo e não pago minhas contas”, afirma Edmar.
Autônomos, com destaque especial para produtores de conteúdo e motoristas de aplicativo, costumam trabalhar todos os dias da semana. Alguns chegam a passar de 70 horas semanais.
Em geral, esse movimento tem avançado conforme os modelos laborais ficam mais flexíveis em algumas profissões e a informalidade aumenta. A CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) proíbe a jornada de trabalho que se estenda pela semana toda, garantindo no mínimo um descanso semanal de 24 horas ininterruptas.
Lilian Cidreira, 37, especialista em carreiras e professora da ESPM, ressalta que é preciso ter cuidado. “O cérebro é como um computador. Se você comprar um notebook ótimo e o mantiver ligado por muito tempo, ele irá começar a pifar. Pode até levar mais tempo, mas, mesmo que seja o melhor computador do mundo, em razão da falta de pausa, a performance vai diminuir”, diz.
“O brasileiro tem como característica muito forte ter a preocupação de produtividade. Se temos a ideia de que é preciso ser produtivo, e que isso é trabalhar a todo o tempo, as pessoas naturalmente vão exagerando, atreladas a uma culpa que sentem quando não trabalham. Produtividade não é volume, e sim trabalho inteligente.”
AUTÔNOMOS TÊM MAIOR FLEXIBILIDADE E MENOR SEGURIDADE
Marcus Vinicius Cordeiro, 63, advogado trabalhista e presidente da Comissão de Direito Coletivo do Trabalho e Direito Sindical do IAB (Instituto dos Advogados Brasileiros), aponta para a falta de seguridade social aos autônomos.
“Precarizados, não têm cobertura em caso de imprevistos como doenças. Se param de trabalhar, não ganham. O Estado tem que cuidar disso, não dá para ficar esperando Uber ou iFood, que não se dizem empregadores, e sim facilitadores do trabalho, tomarem a iniciativa.”
“A reforma trabalhista de 2017 reduziu direitos de trabalhadores e trouxe insegurança jurídica para contratantes, favorecendo a informalidade” diz Cordeiro. O especialista, contudo, citou como ponto positivo maior liberdade na gestão do trabalho. “Não ter ponto, supervisão de patrão e aquele controle hierárquico que existe nos empregos regidos pela CLT.”
A fala do advogado sobre a maior flexibilidade vai ao encontro da visão do motorista de aplicativo Emerson Luiz Bramusse, 39. “Estou aqui para não ter vínculo. Gosto da liberdade, não ter horário ou chefe cobrando. Fazer o que quiser com o dinheiro que chega à minha mão, sem descontos.”
Bramusse tem uma jornada maleável. Trabalha 12 horas por dia nos dias úteis e reduz a carga para até seis horas aos fins de semana. “Se não tenho nada para fazer, não faz sentido eu parar. Assim não preciso ‘pegar no tranco’ quando volto a trabalhar na segunda-feira”, diz.
Ao lhe ser perguntado se já sentiu sintomas relacionados ao excesso do trabalho, responde ser “muito tranquilo” quanto a isso. “Já trabalhei 12 anos como técnico de informática. Meu carro é como se fosse a minha mesa de escritório de antigamente. Hoje, sou muito mais feliz do que quando ficava na frente do computador.”
COMO É A ROTINA DE TRABALHO DE PRODUTORES DE CONTEÚDO
Empreendedores, autônomos e celebridades influentes na internet têm o agravante de que seus celulares são seu espaço de trabalho. “Criadores de conteúdo não têm horário fixo. Logo quando acordo, busco possíveis pautas. Olho o meu feed e vou atrás para checar. Envolve pesquisa, gravação do conteúdo, edição”, conta Ivan Baron, 25, influenciador que atua no Instagram e no Twitter em prol da causa anticapacitista. “O algoritmo pede para que tenhamos conteúdo todo dia. Porém, também preciso prezar pela qualidade.”
Baron trabalha ao menos oito horas, todos os dias, e não esconde a pressão mental. “Além de produzir, tem que ser algo que chame e segure a audiência. Não adianta só ter o cabelo rosa para chamar a atenção. É uma pressão psicológica para todo dia produzir. Quem não se cuida pode ter problemas mentais.” Ele diz conseguir desfrutar de momentos de repouso e lazer ao frequentar festas e baladas noturnas.
O influenciador ficou mais conhecido após subir a rampa do Palácio do Planalto junto a outros representantes durante a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 1º de janeiro. “A posse foi uma grande virada de chave. Muita gente nova começou a seguir. O reconhecimento não aumentou a carga de trabalho, mas a responsabilidade.”
Pepita, ou Priscila Nogueira, 33, mantém uma jornada diária e dupla: ser artista e mãe de Lucca, de um ano e sete meses. “Tem momentos em que me pergunto se vou aguentar. Meu maquiador vem aqui todos os dias. Depois de gravar os conteúdos, vou cuidar do meu filho. Durmo pouco e trabalho muito”, afirma a influenciadora, cantora e apresentadora.
“Estou me permitindo dormir mais para render mais, especialmente depois que me tornei mãe. Porém, passo muito tempo gravando e maquiada”, diz. Entre a rotina de exercícios físicos e de cuidados com o filho, grava, ensaia textos e performances para shows e faz reuniões. “Durmo cerca de três horas e meia por noite. Recebi um convite para desfilar em escolas de samba (em SP e no RJ), então vou passar a dormir duas horas.”
“Tenho uma agenda e com ela consigo me organizar. Uso um dia da semana só para gravar jobs [conteúdos para marcas]. É uma luta diária por eu ser uma travesti. Não tenho o luxo de dizer que estou cansada —não sei se a oportunidade vai surgir novamente”, afirma Pepita.
Organização e planejamento são chave para uma melhor gestão do tempo pelos influenciadores, diz Lilian Cidreira, da ESPM. “Há partes do trabalho mais e menos programáveis. O influenciador consegue deixar boa parte dos conteúdos agendados. Assim como em uma empresa, é possível se organizar. O excesso de trabalho existe não pela demanda, mas pela falta de planejamento”, defende.
COMO CUIDAR DA SAÚDE MENTAL
Edmar, Baron e Pepita relataram à reportagem que sofrem ou já sofreram com sintomas relacionados à exaustão física e emocional decorrentes do trabalho.
Para preservar a saúde mental e prevenir doenças decorrentes de uma jornada desgastante, a professora da ESPM recomenda pausas para descanso e lazer, além de noites de sono de 6 a 8 horas. “Soa óbvio [falar sobre dormir], mas é por uma questão química. A liberação de substâncias e hormônios importantes para o cérebro acontece nesse momento”, diz Cidreira.
Outra dica da especialista é a meditação, que pode melhorar a concentração. “Se a pessoa meditar um a dois minutos diariamente, ela irá colher benefícios e manter o foco durante o expediente”, diz. Ela também recomenda a prática de atividade física, o consumo de alimentos naturais e a leitura.
“Ler livros e reportagens exige foco, acalma, sai da ambiência de redes sociais e eletrônicos, amplia repertório para construir o que você deseja. Naturalmente você se concentra”, aponta.
Segundo um estudo da OMS, (Organização Mundial da Saúde), 750 mil pessoas morrem por ano em decorrência do excesso de trabalho. A pesquisa, feita em 2021, aponta que trabalhar mais do que 55 horas semanais eleva em 35% o risco de acidente vascular cerebral (AVC). As longas jornadas também aumentam em 17% a chance de doença isquêmica do coração (quando o fluxo de sangue que passa pelo órgão é comprometido).
Fonte: Folha de S. Paulo
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