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OIT: Cerca de 60 mil pessoas foram resgatadas do trabalho escravo entre 1995 e 2022 no Brasil

postado Assessoria Igor

Brasília – Entre 1995 e 2022, 60.251 pessoas foram encontradas trabalhando em condições análogas às de escravidão no Brasil, e 2.575 foram resgatadas ano passado, de acordo com o Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas , desenvolvido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) no âmbito da iniciativa SmartLab de Trabalho Decente .  A Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), do Ministério do Trabalho e Emprego, contribui com a gestão da plataforma.

“Pelo sétimo ano, o Observatório traz informações essenciais a processos de tomada de decisões quanto a medidas imediatas e eficazes para erradicar o trabalho forçado, acabar com a escravidão moderna e o tráfico de pessoas, de acordo com a meta 8.7 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. A plataforma oferece subsídios valiosíssimos para a identificação de áreas prioritárias, com detalhamento geográfico e contextual de vulnerabilidades, apontando onde os casos ocorrem, com qual frequência, se há mudanças ao longo do tempo e quais os grupos afetados, brasileiros e, com a atualização 2023, imigrantes de outras nacionalidades no Brasil. Com essa perspectiva de promover ações regionais e locais guiadas por dados em prol da erradicação, estamos atuando inclusive para engajar governadores e governadoras no país”, destacou o Procurador-Geral do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira.

“Esta inovadora parceria contribui enormemente para visibilizar o tema do trabalho escravo e tráfico de pessoas e orientar a implementação de políticas de promoção da justiça social. Sabemos que estes 60,2 mil resgatados nos últimos 27 anos são somente uma fração do total de vítimas. Por trás de cada estatística estão histórias de vida e de violações de direitos fundamentais do trabalho, que são um chamado a respostas contundentes, ancoradas nas normas internacionais. Neste contexto, encorajamos o governo a ratificar o Protocolo da OIT sobre Trabalho Forçado de 2014 que completa a Convenção 29. O Protocolo já foi ratificado por 59 países e o Brasil ainda não figura nesta lista. “, disse o diretor do Escritório da OIT para o Brasil, Vinícius Pinheiro.

Unidades Federativas de destaque em 2022 e reincidência em municípios ao longo da série histórica

Em 2022, os estados com maior número de resgates foram Minas Gerais (1.012 pessoas resgatadas, alta de 32% em relação a 2021), Goiás (267 pessoas, +12%), Piauí (180 pessoas, +480%), Rio Grande do Sul (156 pessoas, +105%) e São Paulo (146 pessoas).

Segundo a seção de áreas prioritárias e análise comparativa do Observatório , os municípios em que o trabalho escravo vem sendo detectado com base em denúncias têm perfis heterogêneos, variando desde os que apresentam incidência de detecção anual persistente até os que se mostram com ocorrências pontuais, o que permite o melhor direcionamento e focalização de políticas públicas de prevenção de acordo com esses padrões.

De 1995 a 2022, os municípios que apresentaram alta reincidência anual de resgates foram São Felix do Xingu/PA (resgates em 20 anos do total de 27 da série histórica), Açailândia/MA (15), Marabá/PA (14), São Paulo/SP (13) e São Geraldo do Araguaia (11).

Nos últimos cinco anos, outros municípios que se destacaram como de alta reincidência anual, excluídas as capitais, foram Campos Altos/MG, Porto Murtinho/MS, Tapira/MG, Córrego Danta/MG, Rio Verde/GO, Caxias/MA, Patos de Minas/MG, Ibiraci/MG, Perdizes/MG, Jequitaí/MG.

Em 2022, os municípios de alta incidência de resgates foram Varjão de Minas/MG (273 resgatados), Bom Jesus/RS (80), Nova Ponte/MG (74), Iraí de Minas/MG (54), São Simão/GO (51), Lassance/MG (48), São Joaquim/SC (46), Naviraí/MS (45), Iguatemi/MS (44) e Nazário/GO 40). Entre as capitais, destacaram-se no período São Paulo/SP, Brasília/DF, Fortaleza/CE, Rio de Janeiro/RJ e Belo Horizonte/MG.

“O Observatório tem se consolidado, ano após ano, como uma ferramenta valiosa no desenho da política de combate ao trabalho análogo ao de escravo e ao tráfico de pessoas. Seja exercendo uma influência direta no planejamento realizado pela Secretaria de Inspeção do Trabalho, com ações de inteligência fiscal, ou até mesmo aperfeiçoando o processo de tratamento das denúncias que chegam pelo Sistema Ipê. Nesse contexto, os resultados obtidos Grupos Especiais de Fiscalização Móvel têm se aprimorado cada vez mais, em razão de se conseguir informações mais qualificadas das situações a serem enfrentadas. Aumentar a base de conhecimento é fundamental para a elaboração de políticas públicas, e quanto mais informações dos diferentes órgãos estiverem à disposição, melhor a ação do Estado Brasileiro para alcançar o objetivo de erradicar essa chaga”, observou Disse Luiz Felipe Brandão de Mello, Secretário de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego.

Com o mapeamento dos municípios de nascimento e residência de pessoas resgatadas, o Observatório proporciona um melhor entendimento geográfico sobre déficits socioeconômicos e de desenvolvimento humano, inclusive em relação a grupos populacionais mais vulneráveis ao aliciamento, auxiliando na elaboração de políticas públicas de combate ao trabalho escravo no país.

Fonte: Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas

Os locais de nascimento e residência das pessoas resgatadas costumam apresentar níveis mais baixos de desenvolvimento humano e socioeconômico. No longo prazo, esses fatores – associados a outros como a pobreza, baixa escolaridade, desigualdade, precária oferta de serviços públicos e violência – contribuem para aumentar o risco de aliciamento ao trabalho escravo. Os locais de resgate possuem dinamismo produtivo e econômico recente, porém intenso, onde há oferta intermitente de postos de trabalho em ocupações que pagam menores salários e exigem pouca ou nenhuma qualificação profissional ou educação formal. Em geral, isso está aliado a fatores como pobreza, baixa escolaridade, desigualdade e violência, entre outros.

“O Observatório permite que gestores e autoridades públicas federais, estaduais e municipais conheçam aspectos quantitativos e qualitativos das localidades, dos resgates e da origem e perfil das vítimas, estimulando-se um trabalho colaborativo que, para ser efetivo, não pode se restringir a ações de fiscalização e repressão”, destaca a coordenadora da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do MPT (Conaete), Lys Sobral, ao observar que a “grande maioria das vítimas nascem ou moram em municípios cujos indicadores de educação, pobreza e extrema pobreza são ainda muito desfavoráveis”.

Locais de nascimento e residência dos resgatados: maranhenses são os mais frequentemente atingidos

Entre 2003 e 2022, o Maranhão foi o estado brasileiro com o maior número de pessoas naturais e residentes resgatadas. Os maranhenses correspondem a 21% do total de resgatados, seguidos por mineiros (11%) e baianos (10%), paraenses (8%) e piauienses (6%). Quanto aos municípios, destacam-se, entre os mais afastados dos grandes centros urbanos nacionais e com grande número de residentes atingidos, Amambaí/MS, Codó/MA, Redenção/PA, Caarapó/MS, Imperatriz/MA, São Francisco/MG, Santa Luzia/MA, Pastos Bons/MA, Barras/PI e Caxias/MA.

O Maranhão também ocupa a primeira posição quanto aos locais de residência declarada dos resgatados, com 17% do total, seguido do Pará (13%), Minas Gerais (11%), Bahia (9%) e Mato Grosso do Sul (5%).

Na série histórica desde 2003, destacam-se, excetuadas as capitais, os municípios de Açailândia/MA (resgates de residentes em 19 dos 20 anos da série), Redenção/PA (18), Codó/MA (17), São Luis/MA (17) e Marabá/MA (17), Santa Luzia/MA (16), Caxias/MA (15), Ourilândia do Norte/PA (15), Itupiranga/PA (15), São Felix do Xingu/PA (15), Bacabal/MA (14), Imperatriz/MA (14), Araguaína/TO (14) e Monção/MA (13).

Perfis das pessoas resgatadas

Quanto à escolaridade, cerca de 77% eram analfabetos ou com o ensino fundamental incompleto. A grande maioria das pessoas resgatadas de condição de trabalho análogas à escravidão é do sexo masculino e se concentra na faixa etária dos 18 a 24 anos. No entanto, cerca de 2% são resgatadas ainda crianças ou adolescentes, o que evidencia também algumas das piores formas de trabalho infantil envolvendo meninos e meninas.

Na série de dados de 2003 a 2022, mais de 80% das pessoas resgatadas eram trabalhadoras e trabalhadores agropecuários – incluídos os volantes da agricultura, trabalhadores da pecuária, carvoeiros, operadores de motosserra e atuantes nas mais diversas culturas -, seguidos por serventes de obras e pedreiros, trabalhadores em confecções, vendedores e garimpeiros.
Setores econômicos e cadeias produtivas

Quanto aos setores econômicos, a atividade de criação de bovinos se destacou pela ocorrência de resgates em todos os anos da série histórica de 1995 a 2022 (27 anos), seguida pela produção florestal em florestas nativas (incidência em 23 anos), cultivo de café (21), cultivo de soja (21), lavouras temporárias (20) e construção de edifícios (17).

Além disso, nos últimos cinco anos (de 2018 a 2022) houve resgates em atividades de apoio à agricultura, lavouras temporárias, produção florestal em florestas plantadas, cultivo de café, extração de pedra (incluindo areia e argila), cultivo de soja, produção florestal em florestas nativas, criação de bovinos, construção de edifícios, confecção de peças de vestuário e serviços domésticos (trabalho escravo doméstico).

“Há enorme carência de mecanismos efetivos que contribuam para a eliminação do trabalho escravo, do tráfico de pessoas e do trabalho infantil em diversas cadeias de produtivas. Atualmente, predomina o chamado ‘greenwashing’, prática pela qual se tenta construir imagem socioambiental positiva sem a adoção de medidas concretas e eficazes. É muito raro, tanto em análises de risco ESG/ASG (com foco em variáveis ambientais, sociais e de governança) quanto nos chamados ‘relatórios de sustentabilidade’, haver informações detalhadas e precisas, por exemplo, sobre o contexto socioeconômico das localidades das operações empresariais (ou no caso do setor financeiro, das operações financiadas) ou sobre formas efetivas de seleção de fornecedores para prevenir a ocorrência das piores formas de exploração do trabalho humano”, aponta Luis Fabiano de Assis, procurador e cientista de dados, que coordena a Iniciativa SmartLab de Trabalho Decente e o Observatório, pelo MPT. No caso das empresas de capital aberto, a Lei n.º 7.913/1989 traz, inclusive, a possibilidade de responsabilização por danos causados a investidores por omissão de informação relevante por parte de quem estava obrigado a divulgá-la, bem como sua prestação de forma incompleta, falsa ou tendenciosa.”, acrescenta.

O caso de São Felix do Xingu/PA: trabalho infantil, trabalho escravo e emissões de CO2e

Em São Felix do Xingu/PA, onde os resgates também têm ocorrido mais recentemente, a agropecuária e o desmatamento têm sido o contexto mais frequente de exploração, o que aponta forte correlação, que merece atenção, com os dados do Observatório do Clima a respeito de emissões de CO2e (Gases de Efeito Estufa). Além de ser o campeão em relação à reincidência anual de casos detectados e uma das localidades com maior número de crianças e adolescentes menores de 14 anos ocupados em estabelecimentos agropecuários (uma das piores formas de trabalho infantil), o município é segundo que mais emite CO2e no Brasil em termos absolutos, o equivalente a 356 toneladas anuais por habitante. O número é quase 35 vezes maior que a média de emissões brutas per capita do Brasil e cerca de dez vezes maior que a do Qatar, maior emissor de gases de efeito estufa per capita do mundo.

As vulnerabilidades sociais da localidade são igualmente identificáveis em diversos outros indicadores: a taxa de mortalidade infantil era de 21,4 óbitos por mil nascidos vivos em 2020, sendo a 30º maior entre os 144 municípios paraenses. Segundo a Prévia da População dos Municípios com base nos dados do Censo Demográfico 2022 coletados até 25/12/2022, o município abrigava 81,2 mil habitantes. Segundo o Cadastro Único (CadÚnico) do MDS, em fevereiro de 2023, cerca de 28 mil pessoas (37,5% da população) estavam em situação de extrema pobreza. Em 2021, as taxas de abandono (39%) e de reprovação (14,8%) no ensino médio público alcançavam níveis alarmantes.

Proteção limitada por programas sociais como Cadastro Único e Bolsa Família

Revelando informações preocupantes sobre o alcance limitado de programas sociais governamentais com potencial, em tese, de reduzir vulnerabilidades, o Observatório mostra que, para os resgates ocorridos de 2010 em diante, apenas 46% das pessoas resgatadas, em média, estavam registradas no Cadastro Único no momento do resgate; e que, do total de resgatados desde 2003, cerca de 74%, apenas, possuem atualmente algum tipo de cobertura assistencial dessa natureza. O Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) é o principal instrumento de identificação e caracterização da situação socioeconômica das famílias de baixa renda que residem em território nacional. É a inscrição no CadÚnico que permite às famílias de baixa renda o acesso aos Programas Sociais do Governo Federal como o Bolsa Família.

“Ao divulgar dados sobre lacunas nas políticas públicas relacionadas à meta de erradicação, o Observatório colabora com o fortalecimento não apenas de ações de repressão, mas sobretudo de proteção de sobreviventes, prevenção de novas ocorrências e parcerias para alcançar essas metas, de acordo com o paradigma delineado em normas internacionais sobre o objetivo de eliminar o trabalho forçado, acabar com a escravidão moderna e o tráfico de pessoas”, esclarece Assis.

“Além da meta de tornar mais eficaz a repressão, a prevenção deve englobar engloba esforços multidisciplinares, e incluem medidas para corrigir leis, suprir lacunas em políticas públicas, fiscalizar mais e abordar vulnerabilidades mais importantes; a proteção envolve não apenas o resgate, mas a reabilitação e a reintegração, priorizando-se os direitos e necessidades de sobreviventes para que tenham sua dignidade resgatada e oportunidades para uma vida social e produtiva estável; por sua vez, as parcerias devem envolver recursos e esforços de muitas pessoas e entidades, públicas e privadas, em áreas como direitos humanos, trabalho e emprego, saúde e serviços e aplicação da lei’, acrescentou.

Deficiências nas redes de proteção social

As edições da Pesquisa de Informações Básicas Estaduais (ESTADIC) e MUNIC do IBGE incluíram, no ano de 2019, um módulo temático sobre direitos humanos. A ESTADIC e MUNIC investigaram a participação de mecanismos de participação da sociedade civil – Conselhos, Comitês ou Comissões – que facilitam a sua interação com o governo para a pactuação de prioridades, articulação interinstitucional e definição de políticas públicas e ações de promoção dos direitos humanos. Segundo as informações da ESTADIC, 19 das 27 Unidades da Federação (UFs) tinham criado Comitê ou Comissão de Enfrentamento ao Trabalho Escravo até o ano de 2019, o correspondente a 70,4% do total. Apesar do avanço observado em relação ao ano de 2014, no qual apenas 13 UFs contavam com esse importante tipo de comitê ou comissão, perdurava em 2019 a sua ausência em nove UFs, sendo duas na região Norte, cinco no Nordeste e uma no Sul.

Já entre os municípios, a MUNIC indicava a existência de apenas oito com a presença de comitê ou comissão de enfrentamento ao trabalho escravo em 2019, o equivalente a 0,1% do total de 5.570. Em 2014, o número era igualmente pequeno (seis). No âmbito das iniciativas, a ESTADIC apontou que nove unidades federativas, ou seja, um terço, não possuíam políticas ou programas de enfrentamento ao trabalho forçado ou escravo e reinserção de suas vítimas. Vale ressaltar que cinco destas nove também não dispunham de comitê ou comissão de enfrentamento ao trabalho escravo.

Tratando-se da vertente territorial municipal, a MUNIC 2019 identificou 426 municípios com a presença de políticas ou programas de enfrentamento ao trabalho forçado ou escravo e reinserção de suas vítimas, o correspondente a 7,6% do total. Comparativamente à pesquisa realizada em 2014 (355 municípios ou 6,4% do total), observou-se um incremento de 71 municípios com este tipo de política ou programa.

Além da quase inexistência de comitês ou comissões e da pequena proporção de municípios com políticas ou programas, causa inquietação a inexistência delas entre diversos municípios para os quais já se constatou a existência de trabalho análogo ao escravo. Por exemplo, em 2019, com base nas informações da SIT/MTE, do Ministério da Economia, entre os 15 municípios com mais autos de infração lavrados no âmbito das operações de fiscalização para o combate ao trabalho análogo ao escravo realizadas durante o ano de 2019, apenas dois municípios possuíam comissão ou comitê (duas capitais) e apenas quatro contavam com políticas ou programas de enfrentamento ao trabalho forçado ou escravo e reinserção de vítimas, sendo que três eram capitais.

Sem contar os mais diversos municípios de origem dos trabalhadores e das trabalhadoras vulneráveis submetido a condições análogas, entre os quais a grande maioria também não conta com mecanismos estabelecidos de articulação interinstitucional com a sociedade civil e nem com políticas e/ou programas de enfrentamento.

Mapeamento inédito de fluxos migratórios internacionais

Para contribuir com ações de prevenção, o Observatório divulga mapeamento de perfis de imigrantes de outros países resgatados no Brasil.

Os estudos inéditos apresentam informações sobre nacionalidades mais afetadas nos resgates, locais de origem mais comuns, fluxos migratórios frequentemente percorridos e fronteiras brasileiras mais utilizadas, com base nas informações do Seguro Desemprego do Trabalhador Resgatado e do Sistema de Registro Nacional Migratório (SISMIGRA), o que foi possível mediante parceria com o Departamento de Polícia Federal.

Na série estudada, destacam-se entre os resgatados estrangeiros os nacionais da Bolívia (39%), Haiti (21%), Paraguaia (13%), Venezuela (12%), Peru (7%) e China (6%). Há, ainda, nacionais do Uruguai, Filipinas, Argentina, Cuba e Irã.

A vulnerabilidade dos migrantes e refugiados é uma preocupação global e exige ações coordenadas dos governos e da sociedade civil para proteger os direitos humanos e garantir a dignidade dessas pessoas. Esses grupos são especialmente vulneráveis devido às dificuldades econômicas, sociais e políticas enfrentadas em seus países de origem, que muitas vezes os levam a buscar melhores condições de vida em outros lugares. Ilustrativamente, desde o terremoto de 2010, que devastou grande parte do país, ceifou cerca de 300 mil vidas e deixou 1 milhão de pessoas desabrigadas, o Haiti enfrenta desafios econômicos, políticos e sociais que têm levado muitos haitianos a buscar refúgio e sobrevivência em outros países, inclusive o Brasil. Perdura, até hoje, o desafio de realização de um censo de população no país, já que a significativa proporção de óbitos decorrentes do terremoto – cerca de 3% da população à época -, acrescida dos óbitos posteriores decorrentes do comprometimento das condições de vida e dos enormes fluxos emigratórios, indubitavelmente alterou significativamente a estrutura sociodemográfica do país.

Nesse cenário, o Observatório mostra, com base na Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC) do IBGE, que apenas 1,3% dos municípios brasileiros possuem algum mecanismo de cooperação com entes da federação quanto à gestão migratória e somente 2,4% possuem abrigos ou casas de passagem para acolhimento de grupos migrantes. Além disso, 99% dos municípios não possuem centros de referência específicos para atendimento da população migrante e refugiada, e se considerados todos os serviços socioassistenciais, há oferta em apenas 7% das localidades. Apenas 25 municípios brasileiros oferecem, com limitações, serviços públicos com atendimento multilíngue.

Entre os municípios mais comumente utilizados para a entrada dessas pessoas, destacam-se Corumbá/MS (20%), Epitaciolândia/AC (10%), Pacaraima/RR (9%), Foz do Iguaçu/PR (7%) e Ponta Porã/MS (6%).
As localidades de origem mais frequentemente mapeadas são La Paz (15%) e Cochabamba (4%), na Bolívia; Ganthier, no Haiti (4%); Bella Vista, no Paraguai (3%); Port au Prince, no Haiti (3%); e Guangdong, na China, com 2%. Destacam-se ainda, Oruro (Bolívia), Puno (Peru), Santa Cruz (Bolívia) Chuquisaca (Bolívia), Potosi (Bolívia) e Ciudad Bolivar (Venezuela).

O padrão mais relevante encontrado quanto aos fluxos internacionais envolve trabalhadores bolivianos que ingressam no Brasil vindos pela chamada “Ruta 4”, rodovia de 1.657 km de extensão que percorre a Bolívia de oeste a este, entre o Paso Internacional Tambo Quemado, no limite com o Chile e o arroio Concepción, nas proximidades do povoado de Porto Quijarro, no limite com o Brasil, próximo de Corumbá/MS, onde se inicia a Rodovia BR-262. O percurso também envolve outros municípios bolivianos de origem de pessoas resgatadas no Brasil, como Oruro, La Paz, Cochabamba e Santa Cruz.

O município de Corumbá/MS, na fronteira com a Bolívia, além de possuir 6 pontos mapeados de risco de exploração sexual comercial de crianças e adolescentes , é também local de naturalidade, residência e resgates de trabalhadores brasileiros e estrangeiros do trabalho em condição análoga à de escravo.

Entre outros pontos próximos a fronteiras, de entrada frequente de resgatados no Brasil, destacam-se Epitaciolândia/AC, Pacaraima/RR, Foz do Iguaçu/PR, Ponta Porã/MS, Rio Branco/AC e, quanto ao acesso aéreo, Guarulhos/SP.

De forma inédita e com o intuito de ampliar a base de conhecimento sobre fluxos de pessoas nos espaços transfronteiriços do Brasil, o Observatório considera também informações estratégicas da Pesquisa de Região de Influência de Cidades (REGIC) do IBGE. A pesquisa identificou, para os municípios classificados como faixa de fronteira brasileira, de quais cidades nos países vizinhos são oriundas as pessoas que vêm adquirir bens e serviços no Brasil.

No caso do município de Corumbá/MS, a REGIC identificou, além dos fluxos já esperados das ligações fronteiriças das cidades de Puerto Suárez e Puerto Quijarro, fluxos significativos oriundos de Santa Cruz de la Sierra – importante centro comercial boliviano que dista 650 km de Corumbá. Em menor intensidade também foram registrados deslocamentos oriundos da capital paraguaia de Assunção e de Buenos Aires na Argentina, na busca por atividades culturais.

Já o caso de Ponta Porã/MS, além dos deslocamentos provenientes da cidade paraguaia fronteiriça de Pedro Juan Caballero foram identificadas ligações para busca de produtos e serviços de outras quatro cidades paraguaias bem afastadas: Capitán Bado, Bella Vista do Norte, Ybi Yaú e Concepción. Vale ressaltar que as cidades de Capitán Bado, e de Bella Vista do Norte são fronteiriças ao município de Alta Floresta do Oeste, em Rondônia

“Os deslocamentos populacionais para a busca de produtos e serviços diversos em cidades de outros países – que vão muito além dos espaços fronteiriços – demandam logística de transporte e conexões com outros serviços de apoio (a exemplo de alimentação e hospedagem) que, por sua vez, podem também conformar rotas para o tráfico de pessoas, sobretudo para fins de exploração de trabalho análogo à escravidão. “É fundamental, portanto, criar forças-tarefa entre agências de países para compartilhar informações e trabalhar em jurisdições cruzadas, com efetiva coordenação que devem transcender às fronteiras.”, enfatiza José Ribeiro, coordenador da Área de Geração de Conhecimento para a Promoção do Trabalho Decente do Escritório da OIT no Brasil e que coordena a iniciativa SmartLab e o Observatório, pela OIT.

Trabalho forçado, escravidão contemporânea e tráfico de pessoas como problemas de saúde pública

Detecção do tráfico de pessoas no Sistema Único de Saúde – O Observatório aponta cerca de 2 mil casos de tráfico de pessoas noticiados por meio do formulário de violência do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), incluindo, além do tráfico para a finalidade de adoção ilegal e remoção de órgãos, a submissão a exploração sexual (inclusive a prostituição), a servidão e o trabalho em condição análoga à de escravo, entre outras formas de violência, com muitos casos envolvendo crianças e adolescentes.

“É possível detectar sinais da existência do tráfico de pessoas, para qualquer finalidade, inclusive o trabalho escravo e a exploração sexual de crianças, adolescentes e adultos, em uma série de bancos de dados de natureza pública, inclusive no Sistema Único de Saúde. O tráfico de pessoas é mundialmente reconhecido também como um problema de saúde pública. Não se pode esquecer, ainda, que detectar o tráfico de pessoas não significa ter uma noção exata da prevalência, que corresponderia ao número total de casos, inclusive os desconhecidos. Temos convicção, com base em sinais em diferentes bancos de dados e em estimativas globais, de que o que conseguimos detectar é apenas a ponta do iceberg“, ressalta Assis.

Assis também esclarece que “existe uma falsa crença de que o tráfico de pessoas depende de migrações ou do transporte de pessoas de um ponto a outro do território ou para outros países, quando na verdade já configuram o crime algumas ações como as de recrutar ou de alojar pessoas mediante fraude ou abuso para exploração sexual, trabalho escravo, servidão, adoção ilegal ou remoção de órgãos”.

Exploração sexual comercial de crianças e adolescentes (Mapear)

O Observatório também mantém o destaque para as áreas de risco de tráfico de crianças e adolescentes para fins de exploração sexual comercial.

A partir de dados do Mapeamento dos Pontos Vulneráveis à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (MAPEAR), realizado pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), a plataforma apresenta detalhamento em nível municipal das áreas de risco de exploração sexual de crianças e adolescentes nas rodovias e estradas federais.

No ciclo 2019/2020, foram identificados 3.651 pontos de risco, 470 dos quais são críticos. Dentre as rodovias federais com a maior quantidade de pontos de alto risco destacam-se as BRs 116 (15%) e 153 (10%). Os municípios com a maior quantidade de pontos identificados foram Ponta Grossa, no Paraná, Miracatu e Atibaia, em São Paulo, Jataí, em Goiás, e Campo Grande, em Mato Grosso.
Os dados do ciclo 2021/2022 serão em breve divulgados.

A atuação no âmbito do MAPEAR tem caráter eminentemente preventivo, a partir da inserção dos pontos vulneráveis nas rondas e fiscalizações da Polícia Rodoviária Federal. O projeto é apoiado por órgãos parceiros como o MPT, a OIT, a Childhood Brasil e o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.

Fonte: OIT

www.contec.org.br

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